Totó, Brasil e Leonino. Se Ronaldo ganhar a eleição para governador passará a ser o 4º na linha de sucessão dos Caiados a comandar o poder estadual goiano. Isso sem contar com o Antônio José Caiado, que de 1892 a 1895 foi o primeiro vice-presidente da província de Goiás, e avô do Totó.
É um recorde absoluto em se tratando de uma mesma família ocupando a mesma posição de supremacia estadual, ainda que Totó tenha efetivamente governado sem ser ele o governador. Supera até mesmo nossa monarquia colonial tupiniquim, com um Rei e dois Imperadores.
Nessas eleições, há um cheiro de Capitania no ar, contrastando com um Goiás moderno, conectado e diligente. Dizer que Ronaldo, em ganhando, vai assumir o “trono” goiano não foge muito da idealização que temos dos Caiados.
Os outros eu não conheci. Mas nunca fui simpatizante da figura comprida e macilenta de Ronaldo, que em breve completa 30 anos atuando na Câmara Federal, sendo os últimos 3 no senado, sempre em defesa dos produtores rurais, da UDR e da TFP.
Ronaldo é um senhor empertigado, com uma fachada de quem quer ter razão antes mesmo de abrir a boca. Aparenta -a um tom a mais- ser senhor de si e trata os demais subalternamente, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Só com um seu olhar ele já se revela em toda sua arrogância. Ou deveríamos dizer, realeza?
No entanto, não sou dos que querem desqualificá-lo a qualquer custo. Ronaldo tem seu valor. Como representante de um determinado segmento da economia e da produção goiana sempre reconheci sua competência. Ele é talhado para representar o agronegócio, sobre o qual tem conhecimento e interesses diretos.
Porém, em se tratando de um pretendido Governo Estadual, todo cuidado é pouco, seja para quem elege, seja para quem é eleito. Ao querer navegar na onda pop (o agro é pop, na Globo) e sair de seu campo de legitimidade representativa, Ronaldo se lança em uma aventura que poderá custar muito caro à população goiana.
A começar pelo fato de que ele é reconhecidamente um sujeito temperamental. Já imaginou o eleitor estarmos às voltas com um governador de TPM por um período de 4 anos? Enquanto deputado ou mesmo senador, vá lá, circunscrito a seu segmento. Mas como governador de todos goianos é diferente. Além de uma percepção geral da população e seus problemas, tem que ter muito equilíbrio emocional para tratar do que gosta e também do que não gosta. Solucionar o que lhe desperta interesse e também o que não.
Infelizmente, falar de “governador TPM” não é exagero, Ronaldo é um estorvado capaz de grosserias com as almas mais pacatas deste mundo. A imprensa goiana e nacional têm registrado diversas delas. Se acaso eleito, Goiás será novamente destaque pelo aspecto esdrúxulo de um mandante que gosta de chamar para “resolver as coisas lá fora”.
Outro ponto de destaque positivo no Ronaldo é a sua franqueza -o que de forma alguma diminui seus defeitos. Em documentário sobre o amianto, da francesa Sylvie Deleule, ele foi capaz de dizer olhando em close para a câmera: “Todos os deputados goianos recebem dinheiro da Sama, quem disser que não, está mentindo”. Era época de Caiado já eleito deputado federal pela 3ª vez e o documentário, premiado em 1º lugar no Fica, denunciava o lobby em torno deste mineral que rende muito dinheiro (a ponto de ser dividido com políticos, como afirma Ronaldo) e que ao mesmo tempo é sabidamente mortal.
Mesma franqueza ele não demonstrou quando Jr Friboi veio a público afirmar, em entrevista ao Popular, que durante uma das campanhas de Ronaldo Caiado à deputado federal ele o teria ajudado levando pessoalmente em sua casa um “pacote de dinheiro vivo”, ao que Ronaldo negou veementemente e ameaçou processar o Jr, fazendo exatamente o que ele teria que fazer, para assim evitar ele mesmo um possível processo de cassação de seu mandato e de seus direitos políticos, por flagrante caixa 2.
É conhecido nacionalmente o episódio de tentativa de censura de Ronaldo ao escritor Fernando Morais. Um ato infeliz para a literatura brasileira e vergonhoso para os goianos. Foi em abril de 2005. Após um processo por danos morais movido pelo então deputado contra o escritor, o juiz da 7ª Vara Criminal de Goiânia determinou o recolhimento em todas as livrarias do Brasil do livro deste autor intitulado Na Toca dos Leões. O livro trazia um depoimento do publicitário Gabriel Zellmeister sobre o Ronaldo, onde este afirma que “a solução para os nordestinos do país era adicionar à água potável um remédio que esterilizasse as mulheres”. Em junho do mesmo ano, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Ronaldo negou ter dado tais declarações, salientando, inclusive, que sua esposa era nordestina, de Feira de Santana (BA). Ainda em outubro de 2005, por nova determinação judicial o livro foi finalmente liberado para a venda nas livrarias do país. A censura do Ronaldo não vingou nacionalmente. Imagina se a moda pega em Goiás.
Tem-se por verdade que o homem já feito não muda. O político, muito menos. Ele apenas é capaz de incorporar ao seu tronco já torto outros galhos de parcelas da espécie humana com as quais ele simpatiza ou se diz representar. É por isso que as mudanças que almejamos parecem nunca chegar, porque as esperamos de gente que já se inclinou pro seu lado e não muda.
Temos a perfeita consciência de que o cargo de governador estadual é o que há de mais determinante em nossa vidas, assegurando-lhe ambientação e rumo. E é claro, devemos tomar muito cuidado com quem já foi definido pelo também senador e seu ex-principal companheiro de partido como “Uma voz à procura de um cérebro”.
Em estudo publicado em 2014, a Transparência Brasil conclui que "Entra e sai governo, os oligarcas e seus filhos, netos, cônjuges, irmãos e sobrinhos seguem dando as cartas. A transferência de poder de uma geração a outra da mesma família provoca tanto a formação de uma base parlamentar avessa a mudanças significativas como a perpetuação no poder de políticos tradicionais desgastados”. Isto é, passam-se gerações e a alcova familiar permanece como um dos nossos principais ambientes políticos.
Podemos citar o caso dos Andradas, em Minas Gerais, querendo emplacar agora a 6ª geração, porém circunscritos à Câmara dos Deputados, e os clãs Calheiros em Alagoas, os Barbalhos no Pará, os Ferreiras Gomes no Ceará e os Sarneys no Maranhão. Porém, nenhum destes chega perto dos Caiados, que mais nos lembra uma dinastia intermitente, com seu mais de um século de duração.
Façamos figas. Toc toc toc na madeira. O cavalo branco montado por Ronaldo Caiado na sua decepcionante candidatura a presidente do Brasil, em 1989, está agora novamente em marcha, dessa vez querendo aprofundar as marcas de suas patas no futuro límpido dos delicados domínios do chão de Goiás.
(Px Silveira, Instituto ArteCidadania, presidente)