Um vídeo produzido dentro de uma clínica chocou os brasileiros ontem à tarde. Fãs, amigos e parentes do cantor Cristiano Araújo, morto na manhã de quarta-feira (24), se manifestaram com revolta. A gravação mostra um profissional em procedimento de preparação do corpo do artista para o velório e sepultamento. O registro foi realizado por uma mulher, que acompanhava o trabalho.
Em princípio, acreditou-se que a imagem teria sido produzida dentro do Instituto Médico Legal (IML) de Goiânia. Peterson Freitas Moreira, diretor do IML, garantiu ao Diário da Manhã que as pessoas não são funcionários do órgão e que a sala mostrada na imagem não é do IML.
Peterson afirma ainda que estava presente durante todo o procedimento de necropsia e garante que nenhuma pessoa que teve acesso ao corpo estava com celular. Apesar de informar que o corpo passa por outros locais após sair do instituto, Peterson não soube informar a procedência das imagens divulgadas. “Isso é uma falta de respeito com a família do Cristiano. A gente está horrorizado”, afirma o diretor. Ele reiterou que o ato pode configurar crime e que existem leis a fim de proteger a família. “A gente se esforça para fazer um trabalho honesto e decente. Estão fazendo uma imagem negativa do IML”.
O DM apurou que a funerária Paz Eterna realizou o transporte do corpo do IML até a Clínica Oeste Tanatopraxia, onde teria ocorrido a gravação. “Estamos tomando providências internas”, se limitou a dizer uma funcionária da clínica, prometendo retornar a ligação do DM com uma resposta, o que não ocorreu.
Ao final da tarde, um repórter do DM entrou na clínica e acompanhou o drama dos suspeitos por gravarem as imagens de Cristiano Araújo. A suposta autora da gravação e amigas de trabalho estavam abaladas com a repercussão do caso. Elas choravam e temiam represálias dos fãs e da Justiça.
CRIME
O advogado criminalista Alex Neder acredita que a divulgação é falta de respeito com a família do artista, pois ocorre sem autorização e em um momento de profunda dor. Ele explica que o registro é reprovável, mas que os famosos estão sujeitos a isso. Ele cita que casos semelhantes ocorreram com o ex-presidente John Kennedy e o líder político Che Guevara.
Para o professor de Direito Penal e advogado Welliton Carlos, pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), o Artigo 212 do Código Penal deixa claro que “vilipendiar cadáver” é uma “norma penal incriminadora”. Ou seja, o vilipêndio caracteriza um crime na legislação brasileira.
A questão é a interpretação do vídeo e das ações: “Parece que existe uma cena de deboche da mulher. Ela pede para o profissional dar um tchau e em seguida vira o celular para seu rosto, em uma espécie de selfie. Neste caso, o verbo ‘vilipêndio’ pode ser ‘profanação’ e ‘ultraje’. Aí seria um delito”, diz.
Ele explica que tudo dependerá da interpretação: “Se o juiz, que é quem aplica a lei, entender que gravar o vídeo, pedir um tchau, fazer um selfie e divulgar a cena é profanação, ela poderá pegar uma pena de até três anos”, explica.
Secretaria e sindicato defendem IML
A Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado de Goiás informou, por meio de nota, que “a Direção-Geral da Polícia Civil esclarece que: as investigações da Polícia Civil e do Instituto de Medicina Legal de Goiás já constataram que as imagens não foram gravadas em instalações do IML. E apontam que o local pode ser a sala de um estabelecimento de preparação de corpos para velório e sepultamento e as pessoas que aparecem, funcionários da empresa”.
O documento informa também que “o resultado das investigações será encaminhado para o Poder Judiciário. As pessoas que participaram do ato criminoso podem ser condenadas à pena de 1 a 3 anos por vilipêndio a cadáver”.
Já o Sindicato dos Policiais Civis de Goiás (Sinpol-GO) divulgou nota em defesa dos servidores do IML, em que refuta toda e qualquer associação do vazamento das imagens do corpo do cantor Cristiano Araújo ao trabalho dos servidores do IML. “Uma análise mais atenta permite concluir-se claramente que as imagens não foram produzidas nas dependências do IML. O Sinpol lamenta profundamente que tais imagens tenham sido captadas, reproduzidas e distribuídas por canais digitais e que tenham alcançado tamanha repercussão”, afirma o documento.
Câmara exige cassação de alvará de clínica suspeita
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O acidente que vitimou o cantor sertanejo Cristiano Araújo e sua namorada, Allana Coelho, fez reaparecer uma prática que já foi motivo de muita polêmica em Goiânia: grupos que agem em hospitais, clínicas de preparação de corpos e no Instituto Médico Legal (IML) captando negócios para recebimento do seguro do Dpvat.
Segundo o presidente da Câmara Municipal de Goiânia, vereador Anselmo Pereira, a situação é de enorme gravidade e exige providências urgentes. “Vamos cobrar das autoridades uma fiscalização rigorosa para coibir a prática de abutres que se aproveitam da dor de familiares para fazer negócios com a morte principalmente em acidentes de trânsito. Exigimos cadeia para culpados e fiscalização das autoridades”, frisou.
Anselmo reuniu, na tarde de ontem, os envolvidos na questão para uma audiência pública na presidência da Câmara e cobrou ações efetivas para regulamentar a questão em Goiânia. Representantes do IML, das funerárias e da Prefeitura de Goiânia debateram e estabeleceram um protocolo de ações para identificar e prender quem pratica essas ações.
Durante a audiência, chegou ao conhecimento de Anselmo Pereira o vídeo feito durante o embalsamamento do cantor Cristiano Araújo. Mostrado aos presentes na audiência o vídeo chocou pela crueza das cenas e o desrespeito pelo morto. “Isso é um crime. No mínimo, quem fez isto precisa ser indiciado por vilipêndio a cadáver”, cobrou o vereador. Com a presença dos principais responsáveis pelo traslado do corpo, ficou esclarecido que o vídeo foi feito na Clínica Oeste, onde o corpo de Cristiano Silva foi preparado para ser sepultado.
A Clínica Oeste fica na Avenida Oeste, Centro, atrás do Ginásio Rio Vermelho. O proprietário da funerária Paz Eterna esclareceu que sua empresa somente cuidou dos preparativos no local do velório e não teve nada a ver com a preparação do corpo.
Do mesmo modo, o diretor do IML esclareceu que o corpo sequer foi levado para o instituto. Sua preocupação foi maior quando soube que um grupo de fãs do cantor estava na porta do IML querendo depredar o prédio, supondo que o vídeo fora feito lá.
“Vamos exigir uma punição exemplar para quem faz esse tipo de ato criminoso, que vulgariza a morte e aumenta a dor de quem perdeu um ente querido. Esse vídeo foi vendido e há suspeitas de que outros vídeos também tenham sido comercializados, inclusive de menores”, frisou. Anselmo adiantou que a Câmara Municipal irá pedir a suspensão cautelar do alvará de funcionamento da clínica.