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Cura do câncer vai parar na Justiça

Jamais na história do Brasil um medicamento atraiu tantas polêmicas e disputas judiciais como a fosfoetanolamina. O remédio é considerado um achado no combate de determinados tumores e tem sofrido forte reação dos órgãos de saúde e de fiscalização. E mais recentemente da própria Justiça.

No final de setembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)  colocou fim à liberação da substância que funciona como  marcador químico. Ao entrar em contato com a célula – relatam inúmeras pesquisas apresentadas pelos defensores – ela atrai o sistema imunológico até às células doentes, que as destrói.

O princípio ativo da fosfoetanolamina é o mesmo de cosméticos e conservantes de alimentos e age diretamente nas células com câncer.  A substância é uma facilitadora para  o combate das células doentes. Estes sinalizadores fazem com que as células fiquem visíveis ao sistema imunológico, que vai até elas e destrói as células comprometidas.

A defesa incondicional do uso da fosfoetanolamina é tão grande que centenas de grupos foram formados nas redes sociais e em aplicativos como  Whatsapp para pressionar pelo fim do  banimento da substância.

Conforme o presidente do  TJ-SP, José Renato Nalini, não existem provas conclusivas de que a substância seja eficaz, por isso a produção e consumo estão proibidas em São Paulo.

Dois oncologistas consultados pelo Diário da Manhã afirmam que não existem provas suficientes e relatos científicos de que a fosfoetanolamina tenha as propriedades descritas pelo pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice. “É um tema que não interessa no momento aos médicos, pois procuramos utilizar medicamentos aprovados e inseridos dentro da regra do jogo. Se ainda está no âmbito científico e de produção de provas, não nos é autorizado nem falar nem discutir a sua eficácia”, diz um dos profissionais.

Mas a forte militância que se posiciona favorável ao uso da droga tem se desdobrado para conseguir apoio de outros agentes científicos e mesmo políticos. Uma petição online recolhe assinaturas para que os usuários possam ir até Brasília e pressionar o Congresso Nacional a interferir nas ações tomadas pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os estudos com a substância datam da década de 1930, mas no Brasil sua análise tornou-se mais sistemática a partir de 1990. A defesa da fosfoetanolamina começou  quando  Chierice era professor titular da USP, em São Carlos.  Documento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) diz que resultados da pesquisa mostram condições para que a substância seja usada no combate ao câncer.  O documento afirma que os cientistas consideram o “projeto bastante interessante”. Ao DM, Salvador Neto, do Instituto de Química da USP, diz que a exigência de que os pesquisadores abram mão da patente – como deseja a Fiocruz - é inadmissível.

Em nota enviada para a redação do DM, a Anvisa diz que não foi procurada pelos pesquisadores para que a substância seja testada em humanos e faz ressalvas quanto aos procedimentos administrativos necessários para que a fosfoetanolamina seja prescrita nas terapias médicas.

A agência alerta ao DM que  existem “pessoas relacionadas à produção e distribuição da substância” que podem ser penalizadas: “A venda ou distribuição de qualquer medicamento sem registro, fora do contexto de uma pesquisa clínica aprovada ou fora de qualquer outro programa de acesso à medicamentos experimentais, é uma prática irregular segundo os princípios de segurança adotados pelas principais agências reguladoras de medicamentos do mundo”.

Morador de Brasília, o professor Fernando Lagares de Souza, que procura uma solução para o câncer da mãe, diz que existe forte pressão da “máfia da quimioterapia” contra a descoberta de Chierice. “Só não vê quem não quer. De todos os jeitos, a fosfoetanolamina é impedida de se revelar, de se mostrar eficaz. Existe uma campanha orquestrada por médicos, hospitais, indústrias inteiras no mundo. Como que um grupo de pesquisadores e algumas pessoas necessitadas, como minha mãe, podem enfrentar o poder destes laboratórios?”, diz.

Salvador Neto, do Instituto de Química da USP, afirma que exigência de que os pesquisadores abram mão da patente   é inadmissível

Decisão  do TJ-SP não interfere no restante do país

Morador de Santa Catarina, após curar mãe, começou a produzir por conta própria fosfoetanolamina: Carlos Kennedy Witthoeft foi detido por conta de suposta ilegalidade

A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo paralisou os efeitos de 360 liminares que permitiam acesso ao medicamento para pacientes indicados. Mas não impede que outros pedidos sejam protocolados no restante do país.

O problema é que a “cura” do câncer tem provocado excessiva polêmica a ponto da própria Universidade de São Paulo (USP) rejeitar o produto.  O Instituto de Química de São Carlos, onde trabalhava  o pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice, diz que desconhece estudos que comprovam a eficácia e também opta em concentrar a pesquisa apenas em Chierice e sua equipe, além de colaboradores de fora da USP.  A universidade também diz que não tem condições de produzir a fosfoetanolamina sintética. “A Universidade de São Paulo, ademais, não possui o acesso aos elementos técnico-científicos necessários para a produção da substância, cujo conhecimento é restrito ao docente aposentado e à sua equipe e é protegido por patentes”, diz nota da instituição.

Pesquisa intensa

A partir da década de 2000, os pesquisadores da fosfoetanolamina começaram uma cruzada contra o tempo. Com a suspeita de que existam interesses de grandes instituições em tomar a fórmula dos descobridores, um grupo passou a intensificar a pesquisa e registro dos estudos. Em 2007, por exemplo, foi registrada a “Avaliação das propriedades anti-tumorais da fosfoetanolamina sintética in vitro e in vivo no melanoma B16F10”.

Adilson Ferreira, líder do grupo de pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), alertou para a necessidade de novos estudos em células diferentes da que investigou.  No estudo, ele comprovou a eficácia em camundongos.

Luciana Veronez, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,  defendeu tese de doutorado em que também encontrou resultados satisfatórios. “O desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas ao melanoma é de particular importância devido à sua baixa resposta aos tratamentos tradicionais. Utilizamos modelo de melanoma murino experimental para estudarmos os efeitos da fosfoetanolamina (PEA) sintética sobre o desenvolvimento deste tumor. Nossos resultados demonstram que o fosfomonoéster apresentou efeito inibidor da proliferação de células da linhagem B16F10 in vitro, induzindo apoptose após estimulação por 24 a 72h”, diz a pesquisadora no resumo de sua investigação..

No tratamento de animais por meio oral também foi possível encontrar bons resultados: “In vivo, o tratamento (via oral) de animais portadores de melanoma com diferentes doses de PEA (10, 20 e 40mg/Kg), durante 10 ou 20 dias consecutivos, resultou em volumes tumorais pelo menos 70% menores que o de animais controle e diferenças macroscópicas consideráveis. PEA induziu, de maneira dose-dependente, aumento da apoptose e diminuição da proliferação de células tumorais”

Justiça goiana concede direito de uso à paciente

Há 11 dias a Justiça goiana também  entrou na discussão referente ao uso da fosfoetanolamina.  O magistrado Thiago Boghi concedeu a José de Alencar  Pereira o direito de usar a substância, que deverá ser ministrada pelo Instituto de Neurologia de Goiânia.  A ação de “obrigação” de fazer estipula multa caso o hospital ignore o direito à vida do paciente.

Conforme a decisão, o paciente encontra-se "com estado geral grave, sedado, com respiração mecânica (por meio de aparelho)".  Alencar teria  sarcoma no abdome com metástase no pulmão e segundo familiares o medicamento "consegue destruir as células cancerígenas de maneira eficaz, sinalizando-as ao sistema imunológico".

Em sua decisão, o juiz disse que o direito à saúde é pressuposto para o exercício dos direitos fundamentais e que requer urgência, daí  seu interesse em conceder a tutela antecipada à Alencar. “Sabido, também, que a cannabis sativa ainda não é registrada na Anvisa para o seu uso medicinal, inclusive podendo configurar crime apenas o fato da compra do produto visando a proteção de um bem maior, que é a vida”, compara o magistrado, recordando a recente celeuma que envolve a liberação do uso da substancia da maconha em determinados pacientes.

O magistrado ordena, contudo, que a substância seja ministrada na frente de familiares: o medicamento fosfoetanolamina, que será fornecido pelos autores, sempre na presença dos familiares, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) pelo descumprimento da obrigação”.

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