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Maior bloqueio de bens da história de Goiás

O magistrado Ricardo Prata determinou o bloqueio de bens num valor total superior a R$ 2 bilhões de duas empresas e dez réus envolvidos em um esquema de fraudes na contratação para o fornecimento de refeições para presos do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia que teria por trás o empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlos Cachoeira. Conforme a promotora de Justiça Fabiana Lemes Zamalloa do Prado, que apresentou ação de improbidade administrativa, foi realizado com apoio de agentes públicos do governo de Goiás “uma verdadeira farsa, ou seja, uma disputa suja entre duas empresas, patrocinada por agentes públicos e particulares, de acordo com seus interesses”.

As principais provas para imputar os ilícitos ao grupo de Cachoeira foram colhidas por meio de interceptações telefônicas permitidas pela justiça goiana. Um advogado consultado pelo DM afirma que este deve ser, seguramente, o maior bloqueio em valores da história de Goiás. Além de Cachoeira, os réus Edilson Divino de Brito, Ronald Christian Alves Bicca, Henrique Rogério da Paixão, Kleber Guedes Medrado, Rosana de Freitas Santos, Wladimir Garcêz Henrique, Edemundo Dias de Oliveira Filho, Antônio Carlos de Lima, Joaquim Cláudio Figueiredo Mesquita, além das empresas Coral Serviços de Refeições Industriais Ltda. e Cial Comércio e Indústria de Alimentos Ltda, tiveram os bens bloqueados.

Fabiana Lemes Zamalloa do Prado diz que o processo de contratação da empresa teria ocorrido de forma direta para o fornecimento de refeições prontas para o Complexo Prisional. O fato ocorreu em 2011, quando foi fechado um termo de ajuste de conduta (TAC), celebrado com o Ministério Público de Goiás. A promotora diz que ele objetivava atender a uma necessidade de brevíssimo período de tempo, até que se concluísse o processo licitatório regular para o fornecimento das refeições.

Conforme detalhado, esse fornecimento de refeições também deveria ser por pouco tempo, cerca de seis meses, conforme definido pela extinta Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (Agsep) no compromisso com o MP-GO, até que se concluísse a reforma da cozinha industrial do Complexo Prisional.

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Irregularidades

De acordo com a ação, o fornecimento irregular, sem base contratual, iniciou-se com o incêndio da cozinha industrial do presídio, em 16 de julho de 2011, com a determinação de que a Coral, que havia “vencido” de forma fraudulenta a seleção para a contratação direta, iniciasse, mesmo sem contrato celebrado, o fornecimento. Ocorre que a contratação da Coral foi fraudada pelo então presidente da Agsep, Edilson de Brito, que inseriu a proposta da empresa no processo de seleção do fornecedor, feito por meio de carta-convite.

A Coral foi a “vencedora” do certame à frente da Cial por apresentar proposta apenas dois centavos menor, por item, que a segunda colocada. Consta ainda que a Coral não estava regularmente registrada no sistema comprasnet (Cadastro de Fornecedores do Estado de Goiás) e que a terceira empresa convidada foi inserida na disputa por Brito sem sequer ter como objeto social a prestação de serviços de nutrição e alimentação.

A Coral não possuía documentos para sua qualificação, notadamente o balanço patrimonial, já que a empresa comprovou possuir capital social de R$ 2,4 milhões montante inferior ao exigido para habilitação. Todavia, o então procurador-geral do Estado, Ronald Bicca, manifestou-se pela licitude da dispensa de licitação e pela imediata contratação.

Assim, se por um lado havia irregularidades em relação à contratação da Coral, por outro, a Cial também estava na “disputa” utilizando-se de artifícios ilegais e visando beneficiar o grupo ligado a Cachoeira, o qual foi contrariado diante da artimanha empreendida por Edilson de Brito.

Apurou-se que a aprovação da proposta da Cial estava sendo preparada pelo então gerente de Aprovisionamento Alimentar, Kleber Medrado, e pelo diretor de Gestão Planejamento e Finanças, Henrique da Paixão. De acordo com a ação, mesmo antes de as empresas enviarem as propostas para fornecimento, os dois réus expediram a requisição de Despesa nº 22/2011 com valor total de R$ 13,7 milhões, supostamente baseada nas propostas apresentadas mais de dez dias depois e coincidente com o valor apresentado pela Cial, que, em realidade, apresentou proposta em branco. Conforme apurado, a proposta da empresa foi parcialmente retirada dos autos, sendo possível, no entanto, verificar que, apesar de assinada e rubricada por seu representante, os campos de preço apresentaram-se em branco.

Desse modo, de acordo com a promotora, travou-se uma verdadeira guerra de interesses para que a Cial retornasse à disputa. Segundo interceptações telefônicas, Cachoeira articulou para que Wladimir Garcêz trabalhasse em favor da empresa. Para tanto, eles utilizaram da influência que exerciam sobre pessoas ligadas ao governo estadual. Esta articulação resultou na decisão que era necessário declarar nulidade da contratação da Coral.

A “solução” para o impasse foi dada com a revogação da ordem de serviço expedida à Coral por Edilson de Brito que, no mesmo momento, expediu outra em favor da Cial. Esta, por sua vez, apresentou proposta R$ 0,02 menor, para ajustar-se à da Coral. Para concretizar esta manobra, a gerente de Licitações, Rosana Santos, poucos dias depois, recomendou a anulação da dispensa de licitação em favor da Coral, o que foi acatado em seu inteiro teor por Edilson de Brito.

Contudo, mesmo diante da insatisfação dos presos com a qualidade da refeição fornecida, a qual era de má qualidade, a ponto de causar revolta entre os detentos e agentes prisionais, determinou-se que a empresa prosseguisse com o fornecimento irregular, até que fossem celebrados, no dia 22 de novembro de 2011 os Contratos nº 23 e nº 24, com “divisão” do objeto.

Isso gerou disputa judicial, que acabou por possibilitar a abertura de nova licitação. Em mais de uma conversa, interceptada com autorização judicial, comprovou-se que os envolvidos fizeram acordo de bastidores para evitar que o processo licitatório fosse deflagrado e todos “saíssem perdendo”. Assim, foi acordo que o melhor seria proceder com a “divisão” do contrato.

Flagra em gravação telefônica

Em diálogo entre Wladimir Garcêz e Carlinhos Cachoeira, Garcêz garante ao contraventor que Ronald Bicca daria anuência a este acordo. De fato, no dia 31 de outubro de 2011, o então procurador-geral do Estado assinou o Despacho nº 7691/2011, no qual pronunciou-se favoravelmente à contratação direta das duas empresas, apesar da flagrante ilegalidade da medida.

Essa contratação fraudulenta vigeu por 180 dias, portanto, até 21 de março de 2012. A partir de então, também em razão da omissão do então presidente da Agsep, Edemundo Dias, o fornecimento passou a ser feito sem base contratual, via indenizatória, até 1º de março de 2013, quando foi celebrado o Contrato nº 4/2013 com a Cial e até 21 de março daquele ano, quando foi celebrado o Contrato nº 5/2013 com a Coral. Para Fabiana Zamalloa, o réu foi omisso em dar andamento ao processo de licitação regular para a contratação de empresa para o fornecimento de refeições, que já havia sido deflagrado no ano de 2011 e não havia, ainda, sido concluído, ou de concluir novo processo de dispensa, para evitar o fornecimento de refeições sem base contratual.

Assim, segundo sustentou, a conduta omissiva e tardia de Dias, bem como a conduta do então diretor de Gestão, Planejamento e Finanças, Antônio Carlos de Lima, de suspender o processo para nova contratação emergencial deflagrado, sem razão jurídica para tanto, foram determinantes, naquele momento, para que a situação ilegal, outrora sedimentada, prosseguisse. Posteriormente, ao retomar o processo de contratação direta, suspenso em 21 de maio de 2012, que culminou com a celebração dos Contratos nº 4 e 5, os gestores da Agsep não adotaram as medidas necessárias para a garantir a publicidade indispensável à obtenção da melhor proposta.

Segundo sustentou a promotora, a violação à publicidade, à legalidade e à eficiência macularam, de modo inexorável, também essa “seleção” e consequentemente os Contratos de nº 4 e 5 de 2013, “que não passaram, de igual forma, de uma ‘farsa’, apenas para ‘legalizar’ a situação de fato que se instalara anteriormente. Por essa razão, tais contratações também causaram prejuízo ao erário pois, em razão da violação aos princípios constitucionais, a competitividade resultou comprometida, o que inviabilizou à administração pública obter a melhor proposta”, afirmou a promotora. Essas contratações ilegais e inconstitucionais perduraram por mais 180 dias, quando o fornecimento passou a ser feito, novamente, sem base contratual, o que se estendeu até 1º de setembro de 2016.

Ocorre que neste período, em agosto de 2014, foi deflagrada a abertura do Pregão Eletrônico nº 58/2014, o qual objetivava a contratação de empresa para a preparação e fornecimento de refeições na cozinha do Complexo Prisional. Realizado o pregão, com a participação de dez empresas, somente a terceira colocada conseguiu atender a todas as exigências do edital e do termo de referência e sua proposta foi aprovada sem ressalvas.

No entanto, Joaquim Mesquita revogou subitamente o procedimento sob a argumentação de que as duas primeiras colocadas foram inabilitadas e que a terceira colocada não reduziu sua oferta ao preço da primeira colocada. Contraditoriamente ao argumento dado, a aceitação da proposta traria melhor aproveitamento dos recursos públicos, principalmente pela redução de gastos em valor de R$10 milhões ao ano.

Desse modo, somente em 2016 foi retomada a utilização da cozinha do complexo, com a execução do Contrato nº 49/2016 entre a empresa Vogue Alimentação e Nutrição Ltda. e o Estado de Goiás, para a preparação e fornecimento de refeições no Complexo Prisional. Apesar de constituída aproximadamente no ano de 2001, somente em 2011 a empresa Vogue teve seu objeto social alterado para produção e fornecimento de alimentação e seu ex-sócio administrador é tio e cunhado dos proprietários da Cial.

Conforme rememorado na ação, a cozinha do Complexo Prisional ficou pronta em 10 de junho de 2013, mas pela omissão e ineficiência de Edemundo Dias e Joaquim Mesquita, então secretário estadual de Segurança Pública, ficou inutilizada, por aproximadamente três anos. “Tivessem os réus agido com a eficiência exigida pelo cargo e pautados pelo que estabelece o artigo 37 da Constituição, teria a administração pública economizado, desde 10 de junho de 2013 a quantia de R$ 10.595.520,00 anuais, diferença entre o que a administração pagou à Coral e a Cial, sem base contratual, a partir de quando a cozinha ficou apta à confecção de alimentos até o início da execução do Contrato nº 49/2016”, asseverou Zamalloa.

Assim, ao longo de cinco anos, foram contratados, em processos fraudulentos de licitação (dispensa de licitação) e sem base contratual, as empresas Coral e Cial, o que, sem dúvida, causou um dano ao erário, em razão de a conduta dos réus ter comprometido a competitividade e impedindo à administração obter a melhor proposta. Por sua conduta, os réus causaram um dano ao erário no valor de R$ 221.717.783,51, valor do dano, acrescido de correção monetária e juros legais.

Por fim, a promotora afirmou que “sem dúvida, a Operação Monte Carlo desvendou um dos maiores, talvez o maior, esquema de corrupção instalado no seio da administração pública estadual dos últimos tempos, que desestabilizou instituições do Estado e colocou em cheque a sua credibilidade pela sociedade goiana e brasileira”.

Bloqueio

Na ação, apesar de a promotora haver requerido o bloqueio de bens para assegurar o dano moral difuso e coletivo, o magistrado ponderou que a indenização depende de comprovação efetiva do dano, “o que só poderá ser seguramente detectado após a manifestação dos réus e produção das provas em juízo”, assegurou. Desse modo, Ricardo Prata acolheu o pedido da promotora de Justiça no tocante à indisponibilidade de bens dos réus apenas no que se refere ao suposto dano material ao erário e à multa civil.

Na definição dos valores, conforme análise do juiz, foram considerados os períodos de atuação de cada réu, ficando o valor bloqueado, de modo individualizado, multiplicado por três, em razão não apenas do dano em si, mas também de eventual multa a qual serão condenados.

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