Nos últimos anos, dezenas de projetos de lei têm sido apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado com o objetivo de alterar a forma como o País aprova, produz e comercializa agrotóxicos. Como muitos têm propostas similares, os textos foram condensados e apensados ao projeto de lei 6.299, apresentado em 2002 pelo então senador Blairo Maggi. Ele é atualmente ministro da Agricultura.
O tema envolve não só agricultura, mas também segurança alimentar, saúde e meio ambiente, e os dispositivos estão sob análise de uma comissão especial na Câmara. Políticos ambientalistas, movimentos de luta por terra, professores, o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ibama criticam o projeto de lei, do outro lado estão os que defendem como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) e grandes produtores rurais e empresários.
Pela proposta, o termo “agrotóxico” deixaria de existir. Entraria em seu lugar a expressão “produto fitossanitário”. A responsabilidade por conceder registros de novos agrotóxicos também mudaria de mãos. Hoje Ibama, Ministério da Saúde e Ministério da Agricultura tomam decisões de forma conjunta. Com a mudança, o Ministério da Agricultura concentraria todo o poder decisório.
O Brasil é a nação que mais consome agrotóxicos no mundo. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), as vendas de pesticidas no País atingiram a marca de US$ 9,6 bilhões em 2015.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (Ibope) sobre a percepção do cidadão em relação aos agrotóxicos mostra que 81% dos entrevistados consideram que a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.
Num esforço de convencimento da população, associações de produtores criaram um site da “Lei do Alimento Mais Seguro”, onde apresentam justificativas para a aprovação da lei. Dentre os argumentos, está a ideia de que as alterações propostas no projeto incentivarão a produção nacional de agrotóxicos. No entanto, para o professor de pós graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Luiz Côrtes, nada no texto garante isso, já que não estão previstos instrumentos legais que sirvam de incentivo à indústria brasileira de defensivos agrícolas. A afirmação, para ele, é nada mais que uma suposição.
Alega-se também que a nova lei zelará pela segurança dos consumidores, do meio ambiente e dos trabalhadores envolvidos na aplicação dos agrotóxicos. Na direção oposta, o professor afirma que é justamente o contrário o que se observa nas proposições do projeto. “O texto sugere que produtos declarados como equivalentes a outros já autorizados podem obter registro temporário por período indeterminado, sendo comercializados sem análise prévia. Dessa forma, produtos possivelmente nocivos podem estar em circulação, sem que se conheça os riscos causados pelo seu consumo ou manuseio”, disse.
200 MIL MORTES
De acordo com a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o direito à alimentação, Hilal Elver, e o especialista das Nações Unidas para os direitos humanos e substâncias e resíduos perigosos, Baskut Tuncak, os pesticidas são responsáveis por 200 mil mortes por intoxicação aguda a cada ano no mundo.
Eles apontaram que cerca de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento. “O uso excessivo de pesticidas é muito perigoso para a saúde humana e para o meio ambiente, e é enganoso afirmar que eles são vitais para garantir a segurança alimentar”, afirmaram os relatores em declaração conjunta.
Eles destacaram que a exposição crônica aos pesticidas tem sido associada ao câncer, ao Alzheimer e Parkinson, bem como a distúrbios hormonais e de desenvolvimento e esterilidade.