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Disco traz 39 gravações inéditas do lendário guitarrista Jimi Hendrix

São temas, esboços e arranjos inacabados que foram gravados pelo artista no estúdio Electric Lady, em 1970

Jimi Hendrix, guitarrista - Foto: Divulgação Jimi Hendrix, guitarrista - Foto: Divulgação

Erra quem diz que Jimi Hendrix se foi em 18 de setembro de 1970. O solo continua saindo da guitarra. Raio libertário levando fé. Só mesmo James Marshall Hendrix pra distorcer a vida.

Penso na linhagem blueseira, aquela iniciada com Robert Johnson, nos anos 1930. Então levo cursor do mouse até texto assinado pela crítica Ana Maria Bahiana. Roquenrol me assalta desde já pra acabar com esse papo-furado: frouxidão existencial gostosamente pulverizada.

É som novo lançado após permanecer às escondidas por cinco décadas nos baús do rock. As faixas acabam de entrar nas plataformas de streaming. Coisa fina, pungente, sentimental.

São 39 gravações inéditas realizadas pela banda Jimi Hendrix Experience entre junho e agosto de 70, em Nova York. Nas baquetas, o soberbo Mitch Mitchell soa como sempre soou, com seu inconfundível R&B jazzy e funky. O baixo de Billy Cox, amigo dos tempos de exército, desenfeita-se para não transformar música hendrixiana em cemitério de sensações.

Autodidata e intuitivo (jamais estudou teoria musical), Hendrix guia-se em estúdio por palmas, conversas e cores. O blues lhe ensinou que as notas devem penetrar as entranhas da batalha entre Eros e Tânatos. Para o músico, os dedos caminham pelo braço da Fender Stratocaster à procura de sons seus, sons nossos, não importa de onde viessem.

Bahiana escreve que Hendrix é homem do blues. “A chamada-e-resposta, a plangência cortante, o uivo de indignação do blues mais básico que sua guitarra apreende e traduz, amplificando uma dor ancestral com seus recursos da tecnologia e as tempestades de um espírito livre”, analisa a crítica, autora do livro “Jimi Hendrix, Domador de Raios”.

“Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision”, o disco recém-lançado, surge como trilha sonora de documentário homônimo. Não há data para lançamento no Brasil, todavia. Talvez chegue às plataformas de streaming. Dirigido por John McDermott, o filme traz entrevistas com instrumentista Steve Winwood, ex-Traffic, e membros do estúdio Electric Lady.

Concebido no início de 1969 — em espaço que fora movimentada casa noturna —, o Eletric nasceu de esforço conjunto entre Hendrix, o empresário Michael Jeffrey e o engenheiro de som Eddie Kramer. Era o primeiro estúdio comercial de Nova York erguido para astro roqueiro gravar suas canções. Ali, como num exílio criativo, o guitarrista fugiria da fama.

À revista “Rolling Stone”, em 1969, mostrou-se insatisfeito com holofotes, pressão e chatice do sucesso. “Não quero mais ser um palhaço, não quero ser um astro do rock and roll”, avisou. Entre 1968 e 1969, Hendrix excursionou pela América do Norte. Antes disso, porém, já metera pé na estrada, tocando com Little Richard, Ike & Tina Turner, Otis Redding.

O guitarrista, com apetite sonoro e obsessão artística, pretendia experimentar novas possibilidades. Seu passatempo predileto sempre foi isolar-se do mundo em estúdio (no começo, sabemos, era alugado; em seguida, construiu o ideal) e tocar sem objetivo, por horas. Assim, de maneira totalmente mediúnica, o músico criava riffs, desenhava solos e elaborava temas — ou, para citá-lo, fazia as “paisagens sonoras” que nos arrepiam até hoje.

Não é difícil imaginarmos o que ficou guardado desde 1970. Na elogiada biografia “Scuse While I Kiss the Sky”, publicada nos anos 1980, o escritor estadunidense David Henderson revelou que havia 33 fitas com registros musicais e improvisos feitos por Jimi Hendrix, bem como 600 horas de temas criados, faixas quase arranjadas e esboço de composições.

Agora, parte desse material está no abundante “Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision”. O disco abre com overdubs saturados na guitarra inigualável tocada por Hendrix: “Ezy Ryder”. Já a sensual “Lover Man” nos excita com notas fáceis de amar. Gemidos eletrificados, uau que tesão!, são ouvidos ainda na abusada “Dritter´s Escape”.


		Disco traz 39 gravações inéditas do lendário guitarrista Jimi Hendrix
Gravações são lançadas em três discos. Foto: Sony/Divulgação


Ouvido no futuro

Visionário (Rolling Stones, David Bowie, Led Zeppelin, The Clash, Taylor Swift e Marcelo D2 gravaram no Electric), Hendrix achava um pé no saco o pop. Sabia que anos 70 encerrariam era da música impulsionada pelos Beatles. Para o guitarrista, “qualquer um pode sair por aí apertando mão de bebês, beijando mães e dizendo que isso é muito legal”.

“Para mim, a música não mente. Concordo até que ela possa ser mal interpretada, mas não mente”, filosofou, em sua última entrevista, à revista britânica “Melody Maker”. Quando lançara pela Warner/Reprise álbum “Band of Gypsys”, reclamou de que até a guitarra estava desafinada. E, mesmo assim, a música “Power To Love” tem riff de frases hipnotizantes.

Jimi construiu base onde pudesse registrar tudo o que sentia" Janie Hendrix, irmã de Jimi

Após as sessões no Electric Lady, em agosto de 1970, Hendrix embarcou para a Inglaterra, onde faria show no Festival Ilha de Wight. O músico, preocupado com saúde do baixista Billy Cox, desmarcou datas restantes na Europa. Morreu 18 dias depois, enquanto dormia, e laudo aponta causa da morte para “inalação de vômito devida intoxicação por barbitúricos”.

Janie Hendrix, irmã do guitarrista, afirma que o irmão “construiu base onde pudesse registrar tudo o que sentia”. Impossível, simplesmente impossível, seguir parâmetros textuais objetivos quando tenho diante dos meus ouvidos algo como “Electric Lady Studios: A Jimi Hendrix Vision”. Não dá! E, entenda, é inviável ficar aqui sentado. Vou levando fé.

JIMI HENDRIX VISION

39 faixas, 3h14 min

Três discos

Rock, blues

Disponível no streaming

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