Heitor Caetano B. Hedeke Especial para Opiniãopública
Passada uma década da implementação da nova lei que regula a falência de empresas e cria o instituto da recuperação judicial (Lei nº 11.101/2005), ainda observa-se a necessidade de que o mercado brasileiro aceite a legislação. Assim como o Poder Judiciário deve se adequar de forma a dar efetividade ao diploma legal, concomitantemente à dinâmica da vida da empresa.
Não faltam críticas à Lei 11.101/2005 desde a sua concepção até os dias atuais, e o fato é que, com a crise que coloca o pé na porta do empresário brasileiro, o número de pedidos de recuperação tende a crescer. Esse aumento trará a necessidade de que tanto o Poder Público quanto a iniciativa privada acostumem-se, quase que “à força”, a lidar com empresas nesse regime.
Com a nova legislação, o Estado promoveu a modernização da maneira de se lidar com a empresa insolvente. No entanto, a primeira crítica que pode receber a referida Lei é tratar falência e recuperação no mesmo diploma. Isso causa certa confusão, já que na verdade, embora ambos os institutos destinem-se a empresa em crise, falência e recuperação são diametralmente opostas.
O processo de recuperação traz a boa notícia de que o devedor pretende pagar suas dívidas e que o seu negócio não necessita ser encerrado, mantendo-se a produção e os empregos. Já a falência é quando a insolvência da empresa torna-se um óbice ao próprio meio em que ela está inserida, sendo mais salutar que se encerrem as suas atividades (ainda que não se expanda de forma integral a todos). Percebe-se a inviabilidade de se lidar com os institutos de forma unificada.
Com a extinção da concordata, a recuperação foi recebida pelo mercado, de certo modo, como a “nova concordata”. Neste diapasão, o que se percebe, é que uma vez tendo sido deferida recuperação judicial para determinada empresa, os fornecedores e clientes dela ficam todos ressabiados em dar continuidade aos negócios, tratando-a como uma “pré-falida”, o que somente dificulta mais o cotidiano da empresa em recuperação. Ademais, invariavelmente os bancos suspendem linhas de crédito ao saber da notícia que uma empresa cogita fazer um pedido de recuperação.
O Estado, por sua vez, não deixa de ter um comportamento contraditório. O artigo 52, parágrafo II da Lei 11.101/2005 dispõe que uma vez deferida a recuperação, o juiz determinará a dispensa de apresentação de certidões negativas de débitos fiscais para o exercício de suas atividades, “exceto para contratação com poder público”. A Lei 8.666/1993 exigia a comprovação de que a empresa não estivesse em concordata para a participação em certames licitatórios.
Mesmo com a interpretação da legislação sendo mitigada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com alguns precedentes permitindo que empresas em recuperação participe de licitações, o que se percebe à primeira vista é a intenção do legislador de “empurrar” o ônus de contratar empresas em recuperação para a iniciativa privada. Ou seja, o Estado já fez a parte dele em editar a Lei, as empresas privadas, por sua vez, é que terão a obrigação de recuperar efetivamente a devedora.
Conforme afirmado no início, o contexto precisa ser mudado, de forma que o mercado aceite a realidade das empresas em recuperação judicial, as quais não estão necessariamente em estado pré-falimentar. O Judiciário precisa atuar na mesma dinâmica da vida empresarial, de maneira que o processo volte à empresa e seus objetivos, e não simplesmente ao cumprimento dos atos processuais.
Por fim, é necessário que o Estado não enxergue as empresas em recuperação como meras procrastinadoras no pagamento de suas obrigações, o que é compreensível, em um país onde infelizmente muitas vezes o “calote”, seja de dinheiro ou de promessas políticas, é institucionalizado.
(Heitor Caetano B. Hedeke, advogado do setor de processos de recuperação judicial e direito empresarial do escritório AAG – A. Augusto Grellert Advogados Associados)