Está em discussão, na Academia de Ciências de Lisboa, o projeto de reedição do seu Dicionário, cuja primeira edição data de 2001. Foi organizado pelo competente filólogo Malaca Casteleiro, um grande amigo do nosso saudoso imortal Antônio Houaiss, a quem se deve o esforço maior pela sonhada unificação ortográfica da língua portuguesa.
Segundo o presidente da ACL, escritor Artur Anselmo, que nos recebeu com muita fidalguia, o dicionário deverá estar pronto, com 100 mil verbetes, na primavera de 2016. Entre suas inovações, como informou a professora Ana Salgado, figuram as palavras selfie e sustentabilidade, além de cerca de 800 termos do lexical galego. A sua plataforma digital pertence à Universidade do Minho, que se tornou parceira da ACL, nesse importante projeto.
Anotamos duas premissas essenciais, na visita à Academia de Lisboa. A primeira delas refere-se à convicção de que ninguém é dono da língua portuguesa. Portugal e suas antigas colônias têm hoje cerca de 30 milhões de usuários da língua portuguesa, enquanto o Brasil passou dos 200 milhões. Essa desproporção não confere a nenhuma nação uma incômoda hegemonia.
A segunda observação é mais delicada. Há uma tendência, na elaboração da 2ª edição, de privilegiar, na escolha dos verbetes, uma visão euro-africana. Isso quer dizer que a nossa contribuição ficaria adstrita a “brasileirismos”, que é um conceito naturalmente muito limitado e excludente.
Tendo recebido a chance de me manifestar, mostrei a dificuldade de estabelecer essa linha de conduta. Dei como exemplo a palavra pau-Brasil, criada pelos primeiros colonizadores que chegaram ao Brasil, todos portugueses, para identificar na nossa língua o que os índios tupis chamavam de ibirapitanga (madeira vermelha). Hoje, pode-se afirmar que a palavra composta pertence à língua portuguesa ou é um simples brasileirismo?
Praticamos em nosso país – e com imenso prazer – a língua portuguesa. Houve tentativa de escritores ilustres, como Lima Barreto e Afrânio Coutinho, de criar a língua brasileira. Não vingou. Ficamos com a língua portuguesa, inculta e bela, na plenitude do seu emprego, que não despreza a forma como se fala nas oito nações da comunidade lusófona.
Provocado pelo acadêmico António Valdemar, confessei o desejo de trabalhar pela perfeita comunhão dos nossos povos, com o respeito às características da língua portuguesa, seja ela falada desta ou daquela maneira. A fonética não nos deve separar.
Assim trabalhamos na elaboração do Vocabulário Ortográfico da ABL, desde a década de 80, com os seus 360 mil verbetes e que hoje já se encontra na 5ª edição. O mesmo pode ser dito em relação ao nosso Dicionário, inclusive o míni, sob os cuidados do dedicado filólogo e acadêmico Evanildo Bechara.
Os nossos irmãos portugueses podem estar certos de que, da parte do Brasil, jamais faltará colaboração e carinho, no objetivo maior de servir à língua de Camões e Machado de Assis.
(Arnaldo Niskier da Academia Brasileira de Letras, presidente do Ciee/RJ e professor emérito da Eceme)