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OPINIÃO

O drama das crianças da Lua e o serviço social

Ao avaliar a situação do sujeito-usuário, o assistente social deve levar em conta quem é essa pessoa, basicamente, acerca da sua etnia, do seu gênero, da sua formação e da realidade socioeconômica na qual ela está inserida. Todos esses fatores, especialmente as hostilidades e os perigos enfrentados podem incorporar um senso alto de inferioridade e baixa autoestima, tornando a pessoa mais propensa a se menosprezar ou depreciar a sua própria inteligência, os seus talentos e ambições.

A condição social e humana das chamadas “crianças da Lua” pela literatura médica, que sofrem de xeroderma pigmentoso – doença genética rara, causada por um gene recessivo, que deixa a pele com sensibilidade extrema à luz solar – requer conhecimento e compreensão dos assistentes sociais, diante do sofrimento desses pacientes. O apoio e o atendimento do Serviço Social, aliado a uma equipe multiprofissional, é essencial para o resgate dessas crianças.

Como não têm sistemas de reparo de DNA, o código genético deles é danificado pelos raios do Sol, o que leva ao desenvolvimento de câncer e envelhecimento precoce. A recomendação médica é para que evitem o contato com o sol e usem proteção ao saírem de suas casas.

É comovente o sofrimento dessas crianças, que padecem com os sintomas de XP, uma doença ainda sem cura, que geralmente aparece antes de 1 ano de vida. Com o tempo, começam a apresentar tumores nas regiões expostas à luz do Sol. As recomendações são bem rigorosas, o que exige dos pacientes extrema cautela em seu dia a dia. Precisam usar sempre um protetor solar de, no mínimo, fator 50, cujo preço é bastante salgado e, de certa forma, inverter o dia pela noite, evitando a luz.

Este cenário está evidenciado como sério problema de saúde pública no Recanto das Araras, um povoado do município de Faina, que apresenta uma alta incidência dessa doença genética, com grande impacto na vida daquela comunidade. Naquela localidade reside a maior concentração mundial de pessoas bastante sensíveis à radiação ultravioleta do Sol.

Por incrível que pareça, o único espaço oferecido pelo Poder Público para as crianças brincarem – uma quadra de esportes, em situação muito precária –, não tem cobertura. Sem outra opção, elas realizam as suas brincadeiras, atividades esportivas e de lazer, inocentemente, nessa quadra. Ficam expostas ao Sol escaldante da região, o que é extremamente nocivo e letal para a saúde delas. A instalação da cobertura na quadra permitiria minimizar os efeitos da luz solar nos pacientes xeroderma pigmentosum que a utilizam.

Onde está a sensibilidade e o rosto humano do Estado diante dessa cruel sentença imputada às crianças? Se nelas, as lesões de pele se desenvolvem em tumores, na face, braços, mãos e pernas, justamente devido à exposição à luz solar, por que o governo não torna aquele equipamento de esporte e lazer acessível a essas crianças?

Além do preconceito e da discriminação, que afeta tanto a autoestima desses pequenos, eles enfrentam um inimigo muitas vezes pior do que a própria doença e o Sol forte: a omissão do Poder Público, que não se envergonha de torrar milhões em farras e propinodutos pelo País, mas não tem dinheiro para proteger as crianças da Lua e assegurar-lhes o direito ao lazer?

Especialistas em XP de outros estados e países, que visitam o Recanto das Araras, ficam indignados com a falta de acessibilidade e proteção às crianças e à comunidade em geral. A doença que essas crianças contraíram ainda no ventre materno não tem cura. Só resta se protegerem totalmente contra a luz do Sol. Neste caso, o Estado poderia ajudar, cumprindo o seu dever com a saúde da população e a garantia dos meios à acessibilidade de grupos vulneráveis, como está escrita na Constituição Federal.

(Eudimara Mourão, bacharel em Serviço Social pela UFG e membro do Cress-GO)

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