Em recente decisão proferida pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, a magistrada Márcia Maria Nunes de Barros declarou nula a patente de invenção da farmacêutica Astrazeneca AB, que compreende a rosuvastatina cálcica, e um sal de fosfato tribásico de cátion multivalente, referente ao medicamento Crestor, destinado ao tratamento de altos níveis de gordura no sangue, principalmente colesterol e triglicerídeos.
A patente de invenção em apreço busca resolver o problema de instabilidade da estatina rosuvastatina, substância utilizada para reduzir os níveis de gordura no sangue.
Porém, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos – Pró Genéricos, autora da ação, a referida patente “carece de novidade e atividade inventiva, tratando-se de mera descoberta que sequer pode ser considerada como invenção”.
Ao julgar procedente o pedido da associação, a magistrada observou que o emprego da rosuvastatina é de domínio público e que já há indicação de que o fosfato tribásico de cálcio é potencialmente útil para estabilização de estatinas.
Assim, concluiu que a patente não preenche a totalidade dos requisitos necessários à sua concessão, por ausência de atividade inventiva, dado que a combinação dos referidos elementos “apresenta um número finito de soluções óbvias de serem tentadas, que motivariam um técnico no assunto a chegar à solução reivindicada na patente anulada, constituindo, pois, matéria decorrente de maneira comum ou óbvia do estado da técnica, devendo ser declarado nulo o ato concessório”.
Nos termos da Lei nº 9.279/96, para se obter uma patente no Brasil tem-se que demonstrar que a tecnologia para a qual se pretende a exclusividade é uma solução técnica para um problema técnico determinado, ou seja, é um invento ou invenção. A definição de invento ou invenção é vaga justamente para poder abarcar uma variedade de objetos. Uma invenção, para ser patenteada, tem que apresentar, obrigatoriamente, os três requisitos de patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Atualmente, o projeto de lei nº 5.402/13 de autoria dos até então deputados Newton Lima Neto (PT/SP) e drª Rosinha (PT/PR), em discussão no Congresso Nacional, propõe um endurecimento no processo de concessão de patentes na seara farmacêutica, como por exemplo a impossibilidade de patenteamento de segundo uso para polimorfos (a exemplo da Índia) e maior rigor no requisito da atividade inventiva, o que evitaria patentes relativas a inovações ínfimas ou incrementais.
Observa-se, destarte, que o patenteamento no setor farmacêutico tem sido objeto de grande discussão entre os atores envolvidos, especialmente após a aprovação do Acordo ADIPC (Trips em inglês). Um dos problemas que vêm sendo apontados tem sido as estratégias utilizadas pelo setor farmacêutico, que visam tanto ao prolongamento dos prazos de proteção, no chamado evergre- ening, quanto ao bloqueio do mercado à concorrência.
O fato é que tais estratégias de evergreening, em geral, não podem ser facilmente detectadas. O evergreening é verificado quando a indústria se utiliza do patenteamento sequencial e recorrente de modificações desprezíveis de seu produto, visando prolongar o prazo de exclusão da concorrência. A estratégia é particularmente preocupante quando a exclusão é garantida por ações judiciais, no fenômeno conhecido como sham litigation, que são custosas e demoradas, inviabilizando a entrada do medicamento genérico concorrente no mercado. Com isso, a única opção de compra é o medicamento de referência, com preços mais elevados, impedindo o acesso de uma fatia da população de menor poder aquisitivo e inviabilizando a disponibilização do medicamento pelo governo, devido aos orçamentos restritos.
O fato é que a decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro demonstra a tendência do Poder Judiciário em rejeitar patentes de medicamentos que não preencham os requisitos patentários, e, com isso, impeçam o acesso da população a tais medicamentos, tendo em vista o elevado valor para o respectivo tratamento, onerando, ainda, o orçamento público.
Tal realidade impacta diretamente no estado de Goiás, que possui um dos maiores pólos farmoquímicos do Brasil, posicionado estrategicamente no Distrito Agro-Industrial (Daia) de Anápolis. No Daia estão atualmente 20 indústrias do setor de medicamentos em atividade. Além disso, na cidade de Anápolis, fora do distrito, outras seis indústrias farmacêuticas têm suas instalações, fazendo com que a cidade concentre grande parte do PIB do estado. Ainda em Anápolis, outras 17 indústrias do setor químico mantém suas plantas fabris.
A região já é considerada a segunda maior produtora de medicamentos genéricos do país, já que grande parte da produção destas indústrias está focada para este tipo de medicamento.
Conclui-se, assim, que tais empresas têm muito a ganhar com esse posicionamento que vem galgando espaço no panorama jurídico brasileiro, reforçando o papel estratégico do estado de Goiás na produção de medicamentos genéricos e, em última instância, na promoção do direito à saúde e ao acesso universal a medicamentos seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis.
(Jordão Horácio, advogado e membro da Comissão de Políticas Públicas e Processo Legislativo da OAB/GO, graduado em Direito pela UFG, e Relações Internacionais pela PUC, especialista em Direito Internacional pela UFG, mestre em Saúde Global e Diplomacia da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz, e doutorando em Saúde Global e Sustentabilidade pela USP - [email protected])