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OPINIÃO

Jesus cura a filha de uma mulher cananeia

Jesus, partindo dali, retirou-se para o território de Tiro e de Sidom. Tendo entrado numa casa, quis que ninguém o soubesse, mas não pôde ocultar-se. Porque uma mulher cananeia, cuja filha estava possessa de um espírito impuro, ouvindo, pois, falar a respeito dele, saiu daquelas regiões, veio, e prostrou-se a seus pés, gritando:

“Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim. Minha filha está horrivelmente endemoniada”.

Ele, porém, não lhe respondeu uma só palavra. Então os seus discípulos, aproximando-se, rogaram-lhe dizendo:

“Despede-a, porque vem gritando atrás de nós”.

Jesus respondeu: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.

A mulher era grega, nativa da Siro-fenícia. Ela, porém, prostrou-se diante dele, dizendo: “Senhor, socorre-me!”

Ele tornou a responder: “Deixa que primeiro se saciem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos”.

Ela, porém, lhe respondeu: “É verdade Senhor! Mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas que caem da mesa dos seus donos!”

Diante disso, Jesus lhe disse: “Ó mulher, grande é a tua fé! Que te seja feito como queres! Pelo que disseste, vai: o demônio saiu da tua filha”.

E desde aquele momento sua filha ficou curada. Ela voltou para casa e encontrou a menina deitada sobre a cama, pois o demônio tinha saído. (Evangelhos de: Mateus, cap. 15, vv. 21 a 28 – Marcos, cap. 7, vv. 24 a 30).

Ao empreender nova viagem, Jesus e os seus discípulos partem de Cafarnaum rumo à região de Tiro e de Sidom, onde encontraram uma mãe aflita devido a enfermidade espiritual da filha. A mulher cananeia demonstrou amor à sua filha enferma, perseverança ao buscar a cura, fé nos poderes de Jesus e humildade ao reconhecer a natureza da missão do Messias. Diante desse episódio, surgem algumas indagações:

  1. Onde ficava a região de Tiro e de Sidom?


No território da Fenícia, onde residiam os cananeus, que eram marginalizados por muitos israelitas em decorrência de iniquidades praticadas por esse povo no passado. Apesar dessa divergência, houve um tempo de paz entre israelitas e cananeus, entre o rei Hirão de Tiro e o rei Davi, conforme a narrativa do Segundo Livro de Samuel (5:11-12):

“O rei Hirão de Tiro mandou muita madeira de cedro, carpinteiros e pedreiros para a construção de um palácio para Davi. Este deu-se conta da razão por que o Senhor o tinha feito rei e tinha abençoado tanto a sua ação – era porque Deus queria fazer muitos benefícios a Israel, o seu povo eleito.”

Também as Escrituras registram que o profeta Elias, ao seguir a orientação divina, esteve na cidade de Sarepta na região de Sidom onde foi acolhido em decorrência da seca que assolava a Terra Prometida, conforme a narrativa do Primeiro Livro de Reis (17:8-9): “Então veio a ele a palavra do Senhor, dizendo: Levanta-te, vai a Sarepta, que é de Sidom, e habita ali; eis que eu ordenei a uma viúva que te sustente”.

Verifica-se, portanto, que a região de Tiro e Sidom não estava totalmente alheia a história dos israelitas.

  1. Por que Jesus e seus discípulos foram até a distante região de Tiro e de Sidom situada ao norte de Israel?


Dentre outros fatores de natureza espiritual, naquela época as perseguições contra Jesus aumentavam cada vez mais. O Mestre também queria evitar que essas perseguições prejudicassem a sua missão ainda em pleno começo.

  1. Ao chegar na região de Tiro e de Sidom e adentrar numa casa, por que Jesus não quis que ninguém soubesse da sua presença?


Para preparar os seus discípulos e os seus entes mais próximos da região para o trabalho espiritual programado.

  1. Quem o Mestre foi visitar naquela região?


Embora os evangelhos não revelem, deveria ser alguém que lhe era próximo.

  1. Por que a mulher, ao dirigir-se a Jesus o chamou de “Filho de Davi”?


Devido à sua acentuada sensibilidade e ao demonstrar considerável capacidade de argumentação, a mulher cananeia recorreu à um título honroso, designado nas Escrituras a respeito da vida do Messias. Desse modo ela referenciou aquele que curava toda espécie de enfermidade, falava de paz e de amor, e tinha a sua boa fama conhecida por toda a região. A cananeia, do mesmo modo que os seus compatriotas, deveria ter sustentado a sua fé no que estava escrito no Livro de Salmos (72:12-13): “Ele livrará ao necessitado quando clamar, como também ao aflito e ao que não tem quem o ajude. Compadecer-se-á do pobre e do aflito, e salvará as almas dos necessitados”.

Jesus nunca discriminou os gentios ou outra pessoa por qualquer razão. Pelo contrário, chegou a afirmar: “Digo-vos que muitos virão do oriente e do ocidente e se sentarão à mesa com Abrãao, Isaque e Jacó no Reino de Deus” (Mateus, 8:11).

Além disso, os cananeus talvez não soubessem que Jesus demonstrou certo desvelo ao se reportar às cidades de Tiro e de Sidom, segundo a narrativa de Mateus (11:21-22):

“Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza. Por isso eu vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidom, no dia do juízo, do que para vós”.

  1. A mulher era grega, nativa da Siro-fenícia. Como entender a origem da mulher?


Conforme o livro de Gênesis, no capítulo dez, a nação de Canaã foi fundada por Cam, o filho de Noé que foi amaldiçoado por haver zombado da nudez de seu pai. Noé teve três filhos: Cam, Sem e Jafé. Cam teve quatro filhos: Cuxe, Mizraim, Pute e Canaã. Canaã gerou a Sidom. Os cananeus dominaram a costa da Fenícia, inclusive a cidade litorânea de Sidom, nome do filho de Canaã. Os cananeus habitaram Sodoma e Gomorra e daí vem a sua má fama e eram considerados gentios. Também no livro de Deuteronômio (20:17) consta: “Conforme a ordem do Senhor, o seu Deus, destruam totalmente os hititas, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus”. No evangelho de Mateus a mulher é denominada cananeia devido ao fato de que naquela região foi fundada a primeira colônia de cananeus (Gênese, 10:15). No entanto, no evangelho de Marcos ela é considerada siro-fenícia, sendo fenícia da Síria, região romana conquistada por Pompeu, e não fenícia da Líbia, por isso ela falava o grego.

  1. Por que diante da súplica da mulher, Jesus nada respondeu?


O silêncio de Jesus foi o primeiro obstáculo que a mulher encontrou, mas também ela soube permanecer em silêncio até que o Mestre se pronunciasse. Jesus, no entanto, sabia quem era aquela mulher, conhecia os seus pensamentos e sentimentos e por isso atenderia à sua súplica, mas desejava demonstrar aos seus discípulos a comovente fé que a animava. Para o Mestre, era um momento de aprendizado para os seus discípulos e para todos.

  1. Diante do silêncio de Jesus, por que os seus discípulos censuraram a presença da cananeia, dizendo: “Despede-a, porque vem gritando atrás de nós”?


Nesse estágio, a mulher cananeia passa por um segundo momento provacional e ouve, sem revidar, a censura dos apóstolos. Os discípulos intencionavam preservar o Mestre, que desejava discrição quanto à sua estadia naquele lugar; uma cura daquela natureza poderia alardear a sua presença. Afinal, a mulher não se comportou de forma discreta. Contudo, os discípulos deveriam ter evitado esse comentário e confiar na sábia decisão do divino Messias.

  1. A primeira resposta de Jesus à mulher foi negativa, afirmando que ele não deveria operar curas naquela região, pois que a sua missão estava destinada à atender, prioritariamente, aos judeus, ou seja, “as ovelhas perdidas da casa de Israel”. Que pensar a respeito desse posicionamento do Mestre?


Embora o Mestre tivesse vontade de curar a enferma ainda protelou o momento da cura para não reprovar os discípulos na frente de todos e para demonstrar o seu zelo aos seus compatriotas. É a primeira vez que o Mestre nega publicamente um pedido de cura. Esse é o terceiro momento provacional da mãe aflita, que reage ao suplicar com humildade: “Senhor, socorre-me”. Nota-se que ela não disse: ‘Senhor, socorre a minha filha’. Contudo, Jesus ainda reafirmaria o seu compromisso com os judeus.

  1. Diante da negativa de Jesus, a mulher fez uma das mais sentidas súplicas mencionadas no Evangelho: “Senhor, socorre-me!”. Por que o Mestre não atendeu de imediato à súplica emocionante da mulher, pelo contrário, deu a seguinte resposta: “Deixa que primeiro se saciem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos”?


É o quarto momento provacional da mulher cananeia. Naquele instante, Jesus censurou o comportamento dos cananeus que praticavam a iniquidade. A mulher cananeia representava uma comunidade que ainda não correspondia aos ditames do Criador. Jesus recorreu à uma metáfora para justificar a futura cura. Jamais o Mestre negou à súplica de um enfermo ou de quem o representasse. Naquele instante, Jesus também valorizou a família, mesmo com animais de estimação, a prioridade é para os filhos, ou seja para os mais próximos. Todos, porém, ficariam impressionados com a resposta da mãe aflita.

  1. A mulher deveria ser portadora de desenvolvido senso moral porquanto redarguiu ao Mestre, aproveitando de sua metáfora: “É verdade Senhor! Mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas que caem da mesa dos seus donos!”


Com essa resposta em defesa à sua súplica, a mulher cananeia atendeu às perspectivas de Jesus e obteve a cura de sua filha. A partir daquele instante, Jesus encontrou a justificativa almejada, a razão que dava lastro ao pedido formulado pelo sentimento. A mulher havia passado, com êxito, por todos os estágios provacionais. Ela tinha contra si a sua religião, a sua raça, o silêncio de Jesus, a reprovação dos discípulos e a aparente recusa do Mestre, mas soube, com humildade, considerar a lógica do Cristo. Ouviu, então, emocionada, as seguintes palavras do divino Amigo: “Ó mulher, grande é a tua fé! Que te seja feito como queres! Pelo que disseste, vai: o demônio saiu da tua filha”.

A partir daquele instante a filha da mulher cananeia ficou curada. Ao voltar para a sua residência viu a sua filha deitada, convalescente, livre da influência maldosa espiritual.

  1. Além da cura da filha da mulher cananeia, quais foram outros feitos de Jesus naquela região durante essa viagem?


Os evangelhos não tratam de outro acontecimento de relevância durante essa viagem além dessa cura. Ao chegar na região, o Mestre desejou discrição. Na casa em que visitava houve o encontro com a mulher cananeia. Depois desse episódio, é provável que Jesus tenha cumprido a sua programação habitual de pregação e de curas, mas de forma discreta.

  1. De que modo se operou a cura da filha da cananeia?


Jesus curou a menina cananeia, à distância, do mesmo modo que curou, em Cafarnaum, o servo de um centurião romano (Mateus, 8:5-13; Lucas, 7:1-10) e, em Caná, o filho de um oficial de Herodes que se encontrava em Cafarnaum (João, 4:5-13). Os poderes de Jesus eram suficientes para enviar os seus mensageiros para restabelecer o enfermo, sob a sua ação curadora, e de curar, mentalizando o enfermo, restaurando-lhe as células deficitárias ou ordenando mentalmente a expulsão de espíritos obsessores.

A mulher cananeia demonstrou muita fé e sabedoria diante do divino Messias que a elogiou do mesmo modo que enalteceu a fé do centurião de Roma em Cafarnaum depois de curar o seu servo: “Ó mulher, grande é a tua fé!” e para completar o mestre asseverou: “Que te seja feito como queres!” O que lembra Salmos 37:3-5:

“Confia no Senhor e faze o bem; habitarás na terra, e verdadeiramente serás alimentado. Deleita-te também no Senhor, e te concederá os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele o fará.”

Ao dizer, “Que te seja feito como queres”, Jesus deu a mulher mais do que migalhas, mas também a mais especial das refeições: a confiança plena e o reconhecimento do seus valores espirituais. Não apenas a filha cananeia ficou curada, mas também a sua mãe porquanto recebeu de Jesus a alegria de viver, a credencial para evoluir cada vez mais com amor e sabedoria. A mulher cananeia entrou na casa, onde se encontrava Jesus, como uma mãe desesperada em busca de cura para a filha e saiu com o galardão da vitória espiritual capaz de curar outros enfermos e divulgar a Boa Nova do Cristo por toda parte.

Na senda da evolução, não raras vezes nos comportamos tais quais a mulher cananeia, mas somente em sua aflição. Nem sempre sabemos respeitar o silêncio providencial do Alto, ter compaixão diante das censuras do mundo, perseverar mesmo com as adversidades e aceitar a Sabedoria da Vida com as virtudes do amor, da fé, da paciência e da inteligência moral.

Jesus não questionou a respeito das causas da obsessão que assolava a menina enferma. Afinal, são muitas as razões que levam ao contexto obsessivo. Contudo, a menina teve a mãe como intercessora. Aquela mãe rogou ao Mestre a cura para a sua filha e a obteve. Ao cumprir o seu dever de mãe, recebeu o galardão que todos nós anelamos: ouvir do Cristo de Deus as seguintes palavras: “Que te seja feito como queres”. Por isso, cumpramos os nossos deveres morais, por mais simples que pareçam, e seremos os participantes do banquete e não mais os dependentes de migalhas.

(Emídio Silva Falcão Brasileiro, escritor, conferencista, professor universitário, advogado, pesquisador, mestre em Ciências da Educação, doutor em Direito, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia Goianiense de Letras e da Academia Aparecidense de Letras – Site: www.cultura.trd.br)

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