Estou aprendendo a cultivar boas coisas da solidão, a minha solidão criativa. Esta que foge completamente da pior espécie de solidão: aquela em que as pessoas vivem a ilusão de que não estão só porque estão no meio da multidão, a solidão acompanhada. Esta é a solidão que eu não quero, a que é a angústia das pessoas vazias, que não se encontram, que não conhecem a si mesmas.
Eu sou um solitário por opção. Isso não faz de mim um avesso às relações afetivas, ao inter-relacionamento social. Ao contrário. Por ser a minha solidão algo não patológico, uma dificuldade ou impossibilidade de relacionar-me, posso canalizar meus momentos de introspecção para tornar-me seletivo em minhas escolhas sobre as pessoas com as quais aceito relacionar-me, compartilhar da companhia. Na relação afetiva, ao contrário do que muitos possam imaginar, a minha solidão torna-se uma grade aliada, pois possibilita um convívio alicerçado no respeito à individualidade, ao espaço do outro, ao momento consigo mesmo. Ser solitário, em nada tem a ver com ser sozinho, um eremita, um sociopata, um misantropo, ou que signifique impossibilidade de relacionar-me com outras pessoas. Todavia, devo confessar que tenho sim uma intolerância com o “senso-comum”, ou o que denomino de “idiotice coletiva”. As feministas são um exemplo dessa espécie detestável. Poucas coisas são tão chatas e insuportáveis. Uma feminista falando é uma verborragia nauseante. A solidão exige de quem opta por ela maturidade, elevação espiritual e, claro, uma boa dose de respeito a si mesmo, ao mundo, à realidade que o cerca, que o envolve, e contemplação às inquietudes – física, metafísica. Fazer opção por ser solitário torna-nos mais preparados para uma relação afetiva confiante, lúcida, convicta; faz das relações fruto de uma escolha e, por esta razão, tendente a ser plena, intensa, verdadeira, duradoura. Para o psiquiatra Flávio Gikovate, na solidão o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Nesse tipo de ligação há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pela pessoa amada.
A solidão também pode ser uma grande oportunidade para se desenvolver o potencial criativo. O filósofo e escritor alemão Friedrich Nietzsche, produziu suas grandes boras em fases de sua vida de profunda solidão e isolamento. Igual a ele, muitos outros gênios da humanidade desenvolveram importantes legados envoltos na solidão. Dizia Nietzsche: “A minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência de pessoas. Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia.” Em “Assim fala Zaratustra”, Nietzsche vê na solidão uma oportunidade de aprofundar-se em si mesmo, percebendo os males que a vida com a presença de muitas pessoas nos retira do espaço necessário para o cultivo da singularidade, massifica o ser humano, anula-o e priva-o daquilo que é-lhe peculiar. As relações sociais podem ser prejudiciais ao ser humano pois cerceiam o seu potencial criativo e a sua contemplação existencial e, com suas regras coletivas ou os chamados “senso-comum”, cerceiam-lhe as possibilidades de aprimorar-se como ser humano.
Comumente, pessoas de um corpo social empenham-se em agir como patrulheiros, censores das condutas humanas, sempre prontas a dardejarem o rótulo de “desagregado”, “desviante” ou “desajustado social” contra aquele que apresenta um comportamento ou um discurso que destoe do estabelecido pela maioria. Não por acaso, a sociedade moderna adota a postura simplista de estigmatizar quem se atrever a argumentar de maneira que fuja do padrão estabelecido, aquilo que é repetido pela massa. Com isso, percebe-se que as pessoas não dialogam mais, elas limitam-se a reproduzir discursos. Ousar apresentar pontos de vistas diferentes é dar motivos para ser prontamente expulso do grupo ou, sob uma realidade mais moderna, ser excluído dos contatos ou relação de “amigos” nas redes sociais. Esse engessamento de ideias, que transforma as pessoas em indivíduos autômatas, repetidoras de clichés, faz com que os relacionamentos tornem-se enfadonhos e insuportáveis. Convidar um amigo ou grupo de amigos para sair, e ao bar, tem se torando algo maçante, desprazeroso e cada vez mais evitável. Cada um sabe que após os primeiros vinte minutos não haverá mais nada de diálogo a ser compartilhado. Se o grupo for composto de mulheres, então o tempo de diálogo verbal reduzirá pela metade. Se forem feministas, tudo se reduzirá a um lamento sobre frustrações, geralmente de natureza sexual. Tudo se resumirá à meras monossilábicas repetições de conceitos e previsíveis concordâncias com tudo o que for proferido. O objetivo do encontro, que seria o compartilhamento, a interação de ideias e de novidades, resumir-se-á e se transmutará em um deprimente e mórbido silêncio, aumentando o sentimento de solidão, provocado pela ausência de conteúdo que, fatalmente, impelirá os presentes a recolherem-se, individualmente, aos seus aparelhos de telefone celular. Por mais absurdo que pareça ser, eu já vi pessoas sentadas à mesma mesa de bar ou restaurante trocarem mensagens através de aplicativos, como WhatsApp e Facebook, muito embora estivessem sentadas frente à frente. Essa é a solidão patológica, a solidão danosa, a que existe no meio da multidão, enquanto alguém encontra-se rodeado de pessoas. É a solidão não optativa, mas compulsória, imposta por uma séria de fatores, dentre eles a incapacidade de dedicar-se a si mesmo, possibilitando o conhecimento de si próprio, compreendendo melhor o ser humano e a sociedade em que vive. Privando-se da possibilidade de conhecer-se a si mesmo, o ser humano se vê impossibilitado de conviver e compreender as diferenças, os valores individuais e, consequentemente, não disporá de uma bagagem intelectual que possa compartilhar na vida gregária.
Não faz muito tempo, fui a um restaurante jantar e tomar vinho com minha namorada. O ambiente proporcionava-nos um jatar agradabilíssimo, onde se podia conversar em tom ameno, considerando que o assunto só interessava a nós mesmos. Coisa rara de se ver em terras goyazes. Em seguida, adentra uma família, tão numerosa quanto barulhenta e, por óbvio, sem educação. Todos tomaram seus assentos, arrastando cadeiras, falando alto, inclusive sobre questões íntimas que deveriam conservar no ambiente privado. Após uns vinte minutos de barulho ensurdecedor, impõe-se um silêncio intrigante. Eu comemoro com a minha companheira: felizmente foram embora. Ela responde que não, estavam todos ali. A curiosidade compele-me a virar para vê-los. Estavam todos ao celular. Pai, mãe, filhos; eles não tinham argumento algum para compartilharem. Imaginei o quanto são solitários e vazios, todos aqueles daquela família, considerando que, ao tomarem a decisão de irem ao restaurante, buscavam uma maneira de disfarçarem a solidão e o tédio que os atormentam em casa, em suas relações cotidianas, na completa ausência de diálogo no ambiente familiar. Na verdade, o ser humano alcançou um ponto de sua existência de extremo egoísmo e individualismo, mas precisa conservar uma aparência de é gregário e sociável. Essa aversão à coletividade torna-se mais acentuada dentre aqueles que não cultivam uma “solidão nietzschiana”, no sentido de conhecer-se a si mesmo, permitindo o desenvolvimento de suas capacidades, livrando-se das amarras da “moral das multidões”. Não fazendo isso, o indivíduo faz-se prisioneiro de “verdades” estabelecidas, tornando insuportável a convivência, que passa a ser mera obrigação protocolar. Por isso, muitas pessoas – e isso é um dos males da modernidade – preferem permanecer em suas zonas de conforto e se relacionam através das redes sociais. Por este meio, fica mais fácil disfarçar a incapacidade para o diálogo, sendo muito mais prático adicionar ou deletar pessoas que elas sequer conhecem.
Para o sociólogo e escritor polonês Zygmunt Bauman, a solidão é a grande ameaça nesses tempos individualistas. A “zona de conforto” provoca nas pessoas uma inabilidade social. Talvez uma das grandes dificuldades da sociedade atual seja a de se envolver em um diálogo. Para Bauman, as redes sociais não ensinam a dialogar porque evitam a controvérsia. Muita gente as usam não para unir, para interagir, para socializar-se. Mas para fechar-se em si mesmo, onde o único som possível é o eco de sua própria voz.
A solidão criativa, por sua vez, ao cultivar o autoconhecimento, a introspecção, permite ao indivíduo a aperfeiçoar-se como pessoa, desenvolvendo o respeito às diferenças, às individualidades. Tendo o conhecimento de si próprio, desperta o interesse pelo saber do outro, o que provoca, inevitavelmente, uma convivência social e afetiva mais gratificante e salutar, valorizando-se a dialética.
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – [email protected])