O programa é importado na sua origem e faz sucesso, deixando os telespectadores em pânico ou contaminados pela alegria, surpresa, fofocas, brigas, fazendo do vídeo a janela da convivência em grupo diário. Mas haveria algum conteúdo prático, algum aproveitamento nas discussões diárias, mesmo que o prêmio da convivência numa casa isolada seja um milhão (ou mais) de reais em dinheiro, sobretudo em época de crise econômica? Muitos membros da casa depois são conhecidos nas ruas e exibem o currículo de “ex-BBB”. Qual a lição que fica de cada cena, discussão e com o paredão da exclusão? O Grande Irmão levanta questões e fontes de reprovação. Somente as pessoas que participam do reality show ou tem amigos ou parentes envolvidos podem ganhar alguma coisa, segundo a minha opinião. Nada tenho contra a Rede Globo, até sou um fã de suas novelas, principalmente a consagrada depois do telejornal. O personagem do senhor Gibson vivido pelo ator José de Abreu, faria Hitler ficar com inveja social, mas a novela conserva bons momentos e discussões. Já o popular e banal “BBB” não deixam aprendizados, vantagens culturais ou reflexões positivas. Alguém já disse que se você pegar um pedaço de pau e mostrá-lo todos os dias na televisão ele acaba se tornando um ídolo. Assim é a contaminação cultural do BBB, sobretudo num país em desenvolvimento e não subdesenvolvido, como alguns apregoam.
O apresentador Pedro Bial é um jornalista competente e um poeta nato, mas faz o seu trabalho apenas pelo valor do dinheiro, já que vivemos num regime capitalista. O que teria o jeito de ser do apresentador com as biografias e comportamentos dos membros do programa televisivo? Creio que nada. Sabemos em tese que as pessoas fazem muitos trabalhos que nada têm a ver com sua conduta, personalidade, formação. O Brasil é rico por suas praias, natureza, paixão pelo futebol, celebração do carnaval e dom de seu povo acolhedor. Mas um programa onde todos se estudam e se condenam num paredão semanal não valoriza a arte brasileira. A televisão não deve ser usada como mero penico cultural, jogando fora o que não tem essência, valor, brilho próprio. Brigas de vizinhos ou brigas de famílias são cenas comuns na rotina de um povo ou nação. Não é necessário a exacerbada exposição no vídeo dos conflitos com diálogos cheios de gírias e até corpos com excesso de tecido adiposo. O Brasil é rico em artistas, jogadores de futebol e homens e mulheres de grandes talentos. Seria o “BBB, Big Brother Brasil” a vergonha familiar com audiência em horário nobre?
Em tese não seria bem mais útil cultivar o hábito de ler um bom livro ou mesmo conversar com os amigos na frente da casa, mesmo correndo o risco de ser assaltado? A televisão é o eletrodoméstico mais popular deste imenso país tropical, e há tantos outros motivos e programas para serem exibidos. Gosto é um ângulo que não se discute, apenas se lamenta, haveria tantas comadres para dar uma espiadinha na fofoca da telinha? Cobramos muitas atitudes dos políticos, contudo em alguns casos agimos bem pior que eles, sem critérios, bom gosto, setas positivas. Triste Brasil de grandes debates sociológicos e antropológicos, muitas vezes acomodado numa imagem que rouba nossa paciência. A novela é uma trama bem feita, mas o “BBB” é o depósito das baixarias e contrastes humanos. O homem é um ser competidor, embora cada país tenha a competição que mereça. Tudo que é jogado em larga escala, com ou sem estética e conteúdo ganha o destaque medido em forma de audiência. O Brasil de Cora Cora Coralina, Fátima Leão, Gilberto Freire, Glauber Rocha, Chico Anísio, Jorge Amado, Paulo Coelho, Carmo Bernardes não é o mesmo Brasil das cenas teleguiadas pela Internet e depois mostradas no vídeo desolador dos diálogos sem contextos. Nem tudo que é divulgado em larga escala pelo milagre da comunicação deve ser aplaudido, curtido, seguido. O Brasil está em desenvolvimento e “BBB” é panorama de país subdesenvolvido, que tira nota zero na prova de redação do Enem. Os patrocinadores e anunciadores do programa ganham a sua bela fatia na exposição, mas a população não incorpora bons valores assistindo as brigas na casa global. Inclusão social sim, mas excluir as pessoas no paredão institucional, semanal, não vinga o tempo perdido. O Brasil é bem maior que os personagens expostos numa casa hipotética, “onde vale tudo por dinheiro”. Vale a pena dar uma espiadinha? Creio que não.
(José Carlos Vieira, escritor, jornalista do Jornal Folha da Cidade, Rio Verde, E-mail [email protected])