Para o livro de Salles Neto “Confraria dos Bibliófilos de Brasil”, com ilustrações de Elder Rocha Lima.
Bernardo Élis Fleury de Campos Curado, natural de Corumbá de Goiás (15.11.1915), foi padrinho do meu filho Luiz Antônio, ambos aniversariando no mesmo dia, 15 de novembro, da Proclamação da República, e o pai dele, o poeta Erico Curado, dizia que as comemorações do Dia da Independência eram para ele, Bernardo, o que o entusiasmava muito. O nosso compadresco durou mais de 40 anos.
Foi advogado e professor na Escola Técnica Federal de Goiânia. Considerado por Monteiro Lobato um dos maiores regionalistas brasileiros. É o único escritor goiano na Academia Brasileira de Letras. Disputou a cadeira com Juscelino Kubitschek. A sua imensa obra é toda voltada para o seu Estado, Goiás. Tem contos antológicos e um traduzido para o alemão.
Em um almoço na Cantina “Batatais”, na Editora José Olympio, no Rio de Janeiro, Bernardo Élis e eu presentes, também outros convidados da Editora, inclusive Manuel Bandeira, que disse que Mato Grosso tinha um representante na Academia Brasileira de Letras, Dom Aquino Correia, e Goiás não, sendo uma boa oportunidade para Bernardo Élis disputar, depois de ter vencido os prêmios José Lins do Rego e o Jabuti com o livro “Veranico de Janeiro”, e poderia contar com o seu voto.
Bernardo foi secretário da Prefeitura de Goiânia, tinha os originais de “Ermos e gerais” prontos e pediu para o Prefeito Venerando de Freitas Borges publicá-lo, tendo como resposta que não ficava bem a prefeitura publicar livro de um seu funcionário e sugeriu para que se criasse um concurso para concorrer mais escritores, sendo então criada a Bolsa de Publicação Hugo de Carvalho Ramos, em 1944, quando também, além de Ermos e Gerais, foi premiado Veiga Netto, com a Antologia Goiana-Prosadores, Jornalistas e Poetas falecidos- 1838-1944.
Algumas passagens entre nós - Não havia viagem em missão cultural, inclusive folclórica, que ele não ia comigo na minha Kombi. Quase sempre a Regina Lacerda também estava conosco.
Um dia lotei a Kombi com os meus cinco filhos (o Cláudio ainda não tinha nascido) e os três do Bernardo Elis, mais a Leuza e a Violeta, e fomos a Bonfim (Silvânia). A turma tomou o trem de passageiros, eu voltei com o Bernardo na Kombi e fomos acompanhando o trem até Leopoldo Bulhões, onde os pegamos de volta a Goiânia. Mais tarde dei início a uma campanha de Turismo na Estrada de Ferro, que tramita na burocracia.
Houve uma homenagem para Bernardo Élis em Itumbiara, indo ele, Domingos Felix de Souza, eu e as minhas filhas Suely e Nancy, numa sexta-feira. Fomos no meu Impala (1964). Bernardo, às vezes distraído, é quem estava encarregado da viagem. Ao adentrar à cidade brinquei com ele, dizendo que “falta de respeito com o grande escritor goiano, sem nenhuma faixa de recepção na avenida, como soi acontecer”. Ele coçou o bigodinho e concordou. Acontece que quando bateu na porta da casa da professora, promotora da homenagem, foi aquele susto, quando a professora, apurada, disse que a festa seria na outra sexta-feira e não naquela.
Bernardo, nas confusões ficava gago e foi aquela sengraceza de ambos os lados. Disse que voltaríamos na próxima sexta-feira, o que a professora duvidou, pedindo, então, para deixar as meninas com ela, o que foi aceito com muito agrado.
Na década de 1960 eu e ele pegamos o ônibus-leito em São Paulo para o Rio de Janeiro. Levamos os pijamas e material de higiene, nas pastas. Procuramos as cabines, como nos vagões da estrada de ferro, e nada. Passamos a noite sentados, bem mal acomodados. Quando o dia amanheceu, chegando ao Rio, foi que vimos os passageiros em poltronas reclináveis, que eram os tais leitos, que não tivemos o prazer de desfrutá-los.
Em 1946 ou 47, quando eu estava caçando passarinhos na Vila Abajá, vi no aterro de lixo um fogo queimando livros. Fui lá e não é que o que estava queimando eram livros Ermos e Gerais, do Bernardo? Salvei uns 10 ou 12, mesmo alguns chamuscados. Dei a metade para ele, que ficou fulo com o João Paes Esteves, dono da Papelaria Rex. Como amigo do Esteves, procurei saber o porquê e ele me respondeu que não vendia e, portanto, livros pro fogo. De admirar? Aqui não é Brasil?
Uma noite eu, a Leuza, o Bernardo e a Violeta fomos visitar o José Godoy Garcia na sua casa isolada, perto do Botafogo, abaixo do Cine Santa Maria, do lado direito da Avenida Anhanguera; do lado esquerdo ficava a casa do professor Rômulo Gonçalves. Isso deve ter sido na década de 1950. Assim que chegamos o Godoy mandou a Maria passar café pra nós:
– Passar café de que jeito, Godoy, se não tem lenha?!...
Aí ele pegou uma cadeira de madeira espatifou-a no chão e falou:
– Taí a lenha, Maria! Vai passar o café!
Todas as vezes que ele não se entendia com a sua mulher, Violeta Metran, e isso se deu por várias vezes, ele ia para o Hotel Marmo, na Avenida Anhanguera, e deixava as “suas coisas” aqui em casa. No final eu conseguia levá-lo de volta.
Dizem, não sei se foi verdade, que alguns parentes dele se acharam como personagens do livro Ermos e Gerais, não gostaram, compraram o que encontraram do livro e os queimaram em Corumbá de Goiás. Aconteceu que Bernardo estava com um romance pronto, São Miguel e Almas que, neste sim, estavam vários parentes de “corpo inteiro”. Ele confessava que não criava, somente recriava. Tomou a precaução de transformar o romance em livro de contos: “Veranico de Janeiro”, premiado várias vezes. E fui eu quem o datilografou, porque a datilógrafa dele, a Luizinha, se achava doente. Tudo ele fazia em segredo, inclusive eu, que não me contou que iria concorrer, com o livro em concursos da Editora José Olympio e da Câmara Brasileira do Livro, o Jabuti.
Teve um tempo em que o Bernardo entrou em uma fase de “coitadismo”, começou a se queixar que estava muito mal de vida, inclusive pobre, que deu repercussão até na Folha de São Paulo e repercutiu muito mal entre nós, seus amigos e dedicados leitores, até com oferta de ajuda. Acontece que ele tinha cinco aposentadorias, inclusive a de escritor. Tem três filhos intelectuais e laboriosos, o José Simeão, economista, o Silas, cineasta nos Estados Unidos e o Ivo, médico bem-sucedido na capital paulista.
Em uma entrevista ao jornal Diário da Manhã, quando o repórter me perguntou quem era o mais reconhecido escritor de Goiás, Bernardo Élis ou José J. Veiga, respondei que era José J. (Jacinto) Veiga, porque ele era traduzido em 18 países e Bernardo tem apenas um conto traduzido para o alemão, que é “Inhola dos Anjos e a cheia do Corumbá”.
Histórico – Ambos de Corumbá de Goiás, da geração de 1915, Bernardo e Veiga, coincidiu, na década de 1930, irem, não juntos, pois não “se davam”, ao Rio de Janeiro com intenção de ficar. Bernardo se apavorou em ler nos jornais que todo dia morria no Rio um ou dois tuberculosos e voltou para Goiás. Depois foi secretário da Prefeitura de Goiânia. José J. Veiga ficou no Rio, foi redator da revista Seleções, depois foi para a Inglaterra e se tornou correspondente de guerra na BBC de Londres. Voltou e se incorporou à Fundação Getúlio Vargas até seus últimos dias. Teve mais oportunidades de publicar os seus livros no exterior, o que não aconteceu com Bernardo, porque os livros goianos não pulavam o Rio Paranaíba. Veiga não quis pertencer à Academia Goiana de Letras e nem pretendeu a Brasileira. Bernardo não gostou da minha declaração e nunca mais nos falamos.
Quando ele esteve muito mal, uma nossa conhecida Wilma foi visitá-lo e trouxe-me o recado que ele queria falar comigo e para levar o seu afilhado Luiz Antônio. Fomos, a Leuza também, mas a esposa dele não nos deixou entrar, alegando que ele estava repousando e não devia ser incomodado.
Antes de morrer pediu para ser sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Alegou que em Goiás ninguém lhe dava valor. Foi cumprido o seu desejo. Mas se ele fosse sepultado aqui até romaria fariam no seu túmulo.
Macktub!
(Bariani Ortencio. [email protected])