A política de saúde no Brasil, e, mais especificamente no município de Goiânia, tem sofrido os impactos da falta ou ingerência de investimentos e também de gestão. São várias as implicações...
Os nobres vereadores, escolhidos pelo povo goianiense, desde a gestão passada têm demonstrado interesse pela política de saúde. Organizaram caravanas, visitaram, conheceram a realidade das unidades de saúde e divulgaram na mídia suas condições precárias. E quais foram suas ações?
O que se tem conhecimento, o que chega à população são noticias de projetos de Lei para dar nomes às unidades de saúde, as barganhas para indicar gestores nas unidades e as intervenções para priorização de atendimento e liberação de procedimentos àqueles que os procuraram. Porém fica a questão: é esta a contribuição do poder legislativo para as políticas públicas e especificamente para a politica de saúde?
Política, democracia... São meras palavras? Os representantes eleitos pelos cidadãos a cada eleição em qualquer das esferas de governo entendem o sentido e o valor destas palavras? Os cidadãos ainda sabem do que se trata? Ou se tornaram palavras banais? A política se tornou politicagem, moeda de troca? E a Democracia se tornou antidemocratismo, despotismo?
Quando se pensa em política a tendência da grande maioria dos cidadãos é confundir esta palavra com a deturpação de seu significado e torná-la politicagem.
A palavra política tem sua origem na palavra grega polis, que significa cidade-estado e refere-se ao estudo, planejamento e aplicação da melhor forma de se gerir a polis. Assim, para muitos estudiosos a definição de política é considerada como a arte de governar e, para governar,
a União está divida em três poderes, independentes e harmônicos entre si. São eles o Legislativo, que elabora leis; o Executivo, que atua na execução de programas ou prestação de serviço público; e o Poder Judiciário, que soluciona conflitos entre cidadãos, entidades e o estado. (Portal Brasil Publicado: 17/11/2009, modificação: 01/03/2016)
Norberto Bobbio (2004, p.163) por sua vez, afirma:
A palavra política deriva de politikós, do grego, e diz respeito àquilo que é da cidade, da polis (na Grécia Antiga), da sociedade, ou seja, que é de interesse do homem enquanto cidadão. Já na Grécia Antiga, um dos primeiros a tratar da política como uma prática intrínseca aos homens foi Aristóteles, com seu livro A Política.
Portanto, política diz respeito ao coletivo. A política de Aristóteles a que Bobbio se refere, é essencialmente vinculada à moral. Para ele o fim último do estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e tudo aquilo que for necessário para que esta ocorra. Se o estado é organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual, e fundamento primeiro da suprema atividade contemplativa, a política tem como objetivo, a coletividade, diferente do estado, que tem como objetivo a moral e o indivíduo. Assim, ética é doutrina moral individual e a política é a doutrina moral social.
Democracia para Rousseau é assembleia dos cidadãos. Modelo clássico de Atenas nos séculos IV e V quando os cidadãos não passavam de poucos milhares.... (Bobbio, 2004, p. 87). Tal modelo de democracia denominado "assembleia dos cidadãos" é impossível se efetivar em um país como o Brasil que possui dimensões continentais.
O Brasil é um país governado sob o regime de uma democracia representativa, com escolha de seus representantes pelo voto obrigatório para todos os cidadãos e cidadãs a partir dos 18 anos.
A aprovação da Constituição Cidadã em 1988 trouxe em seu bojo o sonho de uma democracia participativa mesmo em um país com dimensões continentais, diferenças culturais e étnicas. A concretização deste sonho deveria ocorrer com a participação do controle social que vem sendo utilizado como sinônimo de controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, especificamente no campo das políticas sociais, desde o período da redemocratização dos anos de 1980, propiciada pela conjuntura de lutas políticas pela democratização do país frente ao Estado autoritário, implantado a partir da ditadura militar.
Nos últimos anos temos assistido a onda de corrupção aumentar por todos os cantos do Brasil. Já não se sabe onde buscar a verdade, a ética, o direito, a justiça. Pessoas se candidatam e muitas vezes após eleitas para representar a população, usam indevidamente o espaço a elas confiado.
Muito frequentemente candidatos são eleitos usando pessoas e situações como trampolim. Contudo, uma vez eleitas abusam, maltratam, agridem, exploram, manipulam aquelas pessoas que as elegeram de forma que passam a acreditar que dependem do politico para conseguir o que é direito fundamental.
Alguns vereadores, deputados, senadores, que deveriam em suas esferas específicas, trabalhar para elaborar leis que assegurem os direitos fundamentais que estão fundados nos princípios dos direitos humanos, garantia à liberdade, a vida, a igualdade, a educação, a segurança, dentre outros, ao viabilizarem, à conta gotas, alguma migalha daquilo que é direito, acabam por manipular pessoas para que pensem que estão fazendo a elas caridade. Oferecem como favores o acesso a bens e serviços que são direitos legais, mas servirão como uma troca pelo voto no processo eleitoral seguinte.
Aos vereadores eleitos neste pleito é importante questionar: os senhores entendem qual é a sua missão? Ou ocupam este espaço apenas como um cargo em que além de um excelente vencimento terá direito a alguns "súditos" e acesso à barganha de cargos para pessoas que os ajudarão a se reeleger em quatro anos por pensar que lhes devem alguma coisa?
Em menos de dois meses, temos acompanhado com atenção para ver se há qualquer novidade na maneira de atuar dos senhores, visto que muitos estão começando pela primeira vez um mandato como servidor público, eleito pelo voto. É de se surpreender que as primeiras ações não sejam para contribuir no sentido de consertar os trilhos para que o município que mais parece um comboio desgovernado possa seguir viagem.
Temos uma Câmara de Vereadores com muitos integrantes novos, pessoas em quem o eleitor goianiense apostou e escolheu para representá-lo e ser o elo entre o governo municipal e o povo.
É perceptível que, ao contrário de iniciar um estudo em que se possa viabilizar melhoria de investimentos em áreas mais fragilizadas, como a saúde, que a Constituição afirma como direito de todos e dever do estado, os senhores com poucas semanas de trabalho, estão mais preocupados em assegurar cargos aos seus apadrinhados do que em realizar estudos e análises para desenvolver projetos de leis que viabilizem melhorias na saúde, segurança, educação dentre outras.
Promessas de campanha, todos fizeram. São elas viáveis e necessárias? Quais delas são realmente factíveis e trariam benefício para a maioria da população? A pergunta que os senhores deveriam fazer ao poder executivo seria: "Como posso contribuir para que todos os cidadãos tenham melhor qualidade de vida"?
O controle social democrático, quando respeitado em seu formato legal, é atualmente, sem medo de errar, a forma mais legítima que se tem, para resgatar a cidadania e o real sentido da política e da democracia. Um controle social forte, com princípios éticos claros é o caminho e o espaço fértil de diálogo entre o poder público e a sociedade.
É importante enfatizar que somente por meio de uma assumência coletiva em espaços de controle social que a população brasileira provocará mudanças, visto que historicamente as políticas sociais só foram efetivadas a partir de movimentos sociais na saúde, educação, assistência social, previdência, habitação entre outras. Diante dessas ponderações, volta a questão: a política se tornou politicagem, moeda de troca? E a democracia se tornou antidemocratismo, despotismo?
As Conferências de Saúde são instâncias deliberativas de controle social, legalmente estabelecidas pela Constituição de 1988 e consubstanciada pela Lei Orgânica da Saúde. Desde a 7ª Conferencia Municipal de Saúde (2007) tem sido pautada e aprovada a forma de gestão que poderia mudar a realidade em que cargos de gestão se tornaram moeda de troca. A 9ª Conferência realizada em 2015 aprovou como forma de escolha de gestores, a consulta ampliada entre servidores concursados, com formação superior na área da saúde e experiência em gestão.
Acompanhando o controle social temos conhecimento pleno da situação da saúde no município. No governo passado alguns vereadores visitaram unidades de saúde chamaram a atenção pelos meios de comunicação e redes sociais, para o estado de calamidade em que se encontram diversas unidades de saúde. Falaram inclusive da falta de segurança. Questiona-se: qual é o papel do vereador em relação à saúde para viabilizar os recursos necessários para que esta seja uma política pública de qualidade e ofereça à população usuária e trabalhadora condições dignas de atendimento e funcionamento?
Um alerta aos senhores: apontar o problema já conhecido sem oferecer propostas viáveis para resolvê-lo, de nada adianta. Também não contribui para solucionar o problema da saúde, cobrar solução e não assumir junto com a gestão e a população a busca da solução. É ainda um desserviço quando os senhores atuam para passar pessoas à frente na fila de espera, solicitar priorização para casos que talvez nem sejam tão urgentes, exigir direitos que negam o princípio da equidade.
Audiências públicas são espaços para se discutir direitos coletivos. É instrumento de participação popular que dá oportunidade para discutir e encaminhar situações com a participação do povo, portanto, dá voz ao povo. Ao realizar audiências públicas, pergunta-se: como os senhores podem contribuir efetivamente na resolução do problema? Afinal, o executivo depende da sua aprovação de recursos a serem aplicados. Para o bem da sociedade, e para a cidadania plena, os senhores não podem tornar seu poder uma moeda de troca e deixar a população refém de seus interesses.
Enfim, tem-se consciência da precariedade das unidades de saúde do município de Goiânia. Poucas estão instaladas em sede própria e a maioria encontra-se funcionando em imóveis locados e em péssimas condições. A atual gestão da Secretaria Municipal de Saúde tem envidado esforços para atuar de forma ética, comprometida e técnica para encontrar, dentro das limitações orçamentárias, alternativas imediatas para amenizar os problemas existentes. O controle social acredita e aposta na proposta de mudança iniciada. E, juntamente com o poder legislativo, cada qual exercendo aquilo que lhe é de competência poderá mais rapidamente mudar a atual situação da saúde deste município, fazendo com que este "trem descarrilado retorne ao seu trilho e chegue ao destino em segurança".
É importante que os cidadãos goianienses fortaleçam as atividades do Conselho Municipal e dos Conselhos Locais de Saúde e participem das plenárias mensais como espaço de fiscalização, resistência, organização e multipliquem iniciativas como ocorreu no último dia 22 de fevereiro na região noroeste; momento que foi realizado um fórum com a temática "saúde bucal" para discutir a situação dos atendimentos de odontologia nas 51 equipes de estratégia de saúde da família na região. Quiçá espaços como este fossem fortalecidos e valorizados para que os temas tratados fossem realmente efetivados.
E, mais importante ainda, é a tomada de consciência de políticos e cidadãos comuns, da sociedade civil e do estado, de que a política é a arte de governar para o povo e pelo povo, e assim deve ser exercida. Mas a politicagem é um jogo de interesses sujo e injusto em que o cidadão comum, trabalhador, cônscio e cumpridores dos seus deveres levam a desvantagem de não receber o que é o seu direito. E deve ser repudiada.
Referências
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Campus Editora. 13º Tiragem. São Paulo, 2004.
______ . O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo. Paz, 13º ed. São Paul/rio de Janeiro. 2015
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa 43a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
RIBEIRO, Paulo Silvino. Idéia de Política em Norberto Bobbio; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/ideia-politica-norberto-bobbio.htm>. Acesso em 25 de fevereiro de 2017.
http://www.brasil.gov.br/governo/2009/11/entenda-como-funciona-a-estrutura-do-estado-brasileiro. Acesso em 25 de fevereiro de 2017.
2 Politicagem é a política mesquinha, estreita, de interesses pessoais, de troca de favores, ou de realizações insignificantes. (AURÉLIO, 1986, p.1358)
(Irmã Joana Mendes, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Goiânia (2015-2017), religiosa da Congregação das Irmãs de São José de Rochester, graduada em Ciências da Religião (1999, Nazareth College de Rochester, N.Y). Serviço Social (2012, PUC Goiás), tradutora intérprete, especialista em metodologias ativas)