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Terra vermelha de sangue: conflitos no campo matam 29 pessoas em 34 dias

Persiste o massacre de trabalhadores rurais no Brasil. No último dia 24 de maio 10 pessoas foram mortas em ação policial para reintegração de posse no município de Pau d’Arco no Pará. Pouco mais de um mês após as 9 mortes em Colniza (MT) em 19 de abril, na mesma semana em que completaram-se 21 anos dos 19 trabalhadores mortos pela polícia militar em Eldorado do Carajás (PA) e que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou o relatório anual “Conflitos no Campo Brasil 2016” no qual destacou 61 assassinatos ocorridos em 2016, o maior número registrado desde 2003, que foram 73 homicídios, e o segundo dos últimos 25 anos.

Foram 29 mortes identificadas em um intervalo de 34 dias: além das 19 mortes nas chacinas de Pau d’Arco e Colniza, em 29 de abril, foi registrado um triplo homicídio em Vilhena (RO); em 1º de maio, quatro pessoas foram encontradas mortas e carbonizadas em Santa Maria das Barreiras (PA); em 4 de maio, ocorreu homicídio de trabalhador rural novamente em Eldorado do Carajás no Pará, com sinais de tortura; no dia 23 de abril, Silvino Nunes Gouveia foi executado no Vale do Rio Doce (MG); e, em 4 de maio, Kátia Martins foi morta em Castanhal (PA).

Além das mortes, no dia 30 de abril, dezenas de indígenas Gamelas foram atacados em Viana (MA), com 22 pessoas feridas por golpes de facão e tiros, inclusive crianças e adolescentes Esse cenário explica o histórico de conflitos no campo, marcado pela combinação entre brutal violência e impunidade. Esse grave cenário de violência está relacionado a questões fundiárias que via de regra envolvem grandes propriedades, terras griladas, proprietários em dívida com o Estado, poder econômico, influência política, violência policial e negligência de agentes públicos, com destaque para o judiciário.

Mesmo a Constituição Federal de 1988, que consagra a “função social da terra” e reconhecendo a legitimidade da Reforma Agrária, está longe de ser uma realidade e mantém o Brasil como o segundo país em concentração fundiária no mundo. É muita terra nas mãos de poucas pessoas, e milhões de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem qualquer forma de propriedade e em condições de extrema dificuldades, amargando situações de miséria e exploração, em condições de trabalho análogas à escravidão e expostos a outras tantas formas de violação dos direitos humanos.

A dramaticidade da situação está fartamente comprovada por dados e escancarada nos corpos continuamente tombados no chão. Ao longo de quatro décadas de existência, a CPT registrou mais de 28 mil situações de conflitos no campo e aproximadamente 2 mil mortes.  Em 2016, pelo 5º ano consecutivo, o Brasil figurou como líder mundial em mortes em conflitos de terra, conforme pesquisas da ONG britânica Global Witness. A violência no campo é cotidiana, mas com pouca visibilidade nos grandes meios de comunicação nacional. Porém, ao longo das últimas décadas, vários crimes foram impossíveis de serem ignorados, pois tiveram repercussão internacional.

Chico Mendes, seringueiro e sindicalista, conhecido pela defesa da Amazônia e dos povos que nela habita, executado por madeireiros no Acre em 1988. Massacre de Corumbiara, Rondônia, 1995, oficialmente nove camponeses assassinados pela PM e pistoleiros. Em 1997, Eldorado do Carajás no Pará, 19 trabalhadores sumariamente executados pela Polícia Militar. Chacina de Felisburgo, 2004, em Minas Gerais, cinco trabalhadores rurais mortos por jagunços contratados por fazendeiro. Nova Ipixuna (PA), José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, casal de extrativistas e lideranças comunitárias, mortos em emboscada a mando de fazendeiros em 2011. Quedas do Iguaçu no Paraná, dois trabalhadores rurais mortos em 2016 pela PM…

Para compreender a situação da violência no campo contra trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras e extrativistas, é essencial refletir sobre o contexto, os agentes e as consequências dos homicídios citados e dos milhares que permanecem no anonimato.

Marcados pelo uso desproporcional da força policial e pela cumplicidade de parte do Poder Judiciário para defender interesses de latifundiários e pela impunidade – pois a maioria dos crimes não são devidamente investigados e, quando os autores e mandantes são identificados a morosidade da Justiça (a mesma que é ágil para reintegração de terra), colabora com a absolvição.  Sem falar da criminalização da luta daqueles que buscam garantir permanência e/ou conquistar o direito à terra, para a produção de comida, o sustento de suas famílias e de toda sociedade.

A barbárie desse cenário é revelada no simbolismo da morte da Irmã Dorothy Stang, mulher, idosa (com 73 anos), dedicada à defesa de populações extrativistas e pequenos agricultores da Amazônia, executada com seis tiros, um na cabeça, em Anapu, Pará, 2005. Crime encomendando por um “consórcio de fazendeiros”, segundo o Ministério Público. Entre os mandantes identificados, os dois passaram por vários julgamentos, com cancelamento de um veredito condenatório de 30 anos. Foram finalmente condenados em novos julgamentos, mas permanecem livres e impunes. Já os executores, foram julgados e condenados, situação rara nesses casos, porém, atualmente todos estão em liberdade.

Quantas mulheres, crianças, homens, jovens e idosos, ainda irão tingir a terra de vermelho?

(Gabriel de Melo Neto, geógrafo e mestre em Geografia pela UFG/Catalão, doutorando em Geografia pela UFU, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (IF Goiano), membro da Diretoria Executiva Nacional da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB))

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