O antigo adágio popular “devo não nego, pago quando puder” agora pode levar o empresário/contribuinte para cadeia. Isto porque, no dia 22/08/2018 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o não recolhimento de ICMS em operações próprias, devidamente declaradas ao Fisco, configura o crime previsto no art. 2º, II da Lei nº 8.137/1990, cuja pena é de detenção, de 6 (seis) a 2 (dois) anos, e multa.
A importância deste julgamento está na uniformização da forma como STJ passará a julgar a matéria no âmbito penal, embora o processo não seja afeto aos Recursos Repetitivos, o que vincularia todos os juízes.
O Acórdão publicado dia 31/08/2018, confirma que a vida do contribuinte ficará ainda mais difícil a partir de agora.
A denegação do Habeas Corpus nº 399.109-SC, trata de caracterizar o não pagamento do ICMS declarado como crime, ou seja, o contribuinte que cumpriu todas as obrigações acessórias, declarou corretamente seu tributo, mas não recolheu aos cofres públicos, poderá ser condenado à prisão.
O detalhe está nas palavras “descontado ou cobrado” na descrição do tipo penal, até então, a caracterização do crime ocorria quando houvesse a retenção de tributos de terceiros – apropriação indébita. Que podia ser afastada mediante a comprovação de não ocorrência de dolo.
Agora, a decisão fala de ICMS próprio, sendo este o ponto nodal da controvérsia. Como o STF decidiu que o ICMS não é receita ou faturamento do contribuinte, para fins de base de cálculo das contribuições ao PIS/Cofins, parece razoável então, considerar que o não pagamento do ICMS, configura-se a retenção do imposto cobrado do consumidor final, mas que efetivamente é do Estado.
Uma lógica simples, mas que não condiz com o nosso complexo sistema tributário, especialmente quando falamos de restringir um dos valores mais caros da sociedade – a liberdade.
O Direito é reflexo dos valores sociais em determinado tempo e lugar, a Lei dos crimes tributários, publicada em 1990, ano em que Fernando Collor assumiu a presidência com uma carga tributária de 23,71% do PIB, alcançava uma realidade, e nela coube escolhas legislativas onde algumas condutas relacionadas ao dever de pagar os tributos foram classificadas como crime.
Quase três décadas depois, em meio a uma crise econômica e política, com uma carga tributária de 32%, é possível repensar quais bens jurídicos são mais importantes para sociedade e que merecem a proteção do Direito Penal.
Para o STJ, que dá a palavra final quanto a interpretação das Leis Federais, não recolher tributos é um valor superior ao direito de ir e vir.
Se esta for mesmo a palavra final do Judiciário, talvez, a consideração valorativa deva voltar para o legislativo, especialmente aquele que será eleito este ano, e terá a responsabilidade de fazer a reforma tributária, previdenciária e politica no próximo governo, não necessariamente nesta ordem.
Pois, se há rigor em punir, é hora também da sociedade cobrar com veemência um sistema tributário mais simples, onde o empresário/contribuinte possa com certeza e transparência saber antecipadamente sua carga tributária, sem surpresas no meio do caminho. Cobrar maior rigor e transparências nas contas públicas, para clareza e confiança de que o tributo compulsoriamente cobrado, foi efetivamente utilizado para seus fins e redundou numa sociedade mais justa.
(Fernanda Terra, Terra e Vecci Advogados)