A seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil está às voltas com mais um problema financeiro para solucionar: uma ação trabalhista de quase meio milhão de reais que dirigentes “torcem” para ser julgada improcedente. Os detalhes da ação dão mais substância ao que conselheiros e advogados inscritos na OAB-GO pretendem quanto à transparência na administração da entidade e aplicação dos recursos arrecadados com anuidades e outras receitas.
A ação trabalhista que tramita na 2ª Vara do Trabalho de Goiânia foi ajuizada pelo advogado Ricardo Oliveira de Souza em favor do administrador de empresas Antônio Carlos Costa Filho e o pedido principal é da ordem de R$ 488 mil. A fundamentação da reclamatória e termos acessórios como notas fiscais chamam a atenção pelo ineditismo e pelas particularidades.
Antônio Carlos Costa, conhecido no meio somente por Costa, é um administrador competente e requisitado por empresas para fazer consultoria em gestão de negócios. Ele foi contratado para prestar serviços na OAB-GO em janeiro de 2010, quando o presidente ainda era Henrique Tibúrcio Peña, que renunciou ao cargo para ser secretário do Governo do Estado. Costa era amigo do tesoureiro da entidade, Enil Henrique de Oliveira Filho, atual presidente. A amizade fraterna dos dois aproximou Costa da OAB e sua fama de bom profissional lhe rendeu outros postos para prestar serviços como o próprio escritório de Henrique Tibúrcio e a Caixa de Assistência dos Advogados de Goiás (Casag).
O contrato inicial era de R$ 6 mil para que ele laborasse no mínimo 24 horas por mês, fazendo o que estava pactuado no contrato. Isso incluía “analisar e definir, junto à diretoria, novas estratégias, diagnosticar, sugerir e implantar melhorias, rever processos e rotinas, implantar nova cultura organizacional e elaborar e executar junto à estrutura a gestão organizacional”.
Tudo ia tão bem que a diretoria entendeu por bem que ele deveria dedicar mais tempo para os projetos já iniciados na entidade e a pactuação inicial foi alterada para que ele passasse a dar expediente mínimo de seis horas diárias na sede da OAB. O valor da remuneração também foi mudado para R$ 16 mil.
Na petição inicial da reclamatória, o advogado explica que Costa possui “larga experiência no estudo de viabilização técnica e econômico-financeira de qualquer empreendimento empresarial”. O autor da demanda frisa que Costa “sempre foi empregado” da OAB-GO e não “um mero prestador de serviços” como a defesa da entidade colocou na contestação. Isso pode ser comprovado, segundo ele, com os requisitos previstos na legislação trabalhista, como serviços não eventuais, pessoalidade, exclusividade, remuneração e, sobretudo, subordinação.
Além de ter de comparecer diariamente à OAB durante o tempo em que autuou no cargo. Costa tinha a sua disposição sala com computador e internet, telefone fixo e celular corporativo, secretária para auxiliá-lo e cartão de visita contendo expressamente o cargo ocupado: assessor da diretoria. Detalhe adicional que o advogado pretende justificar, a relação trabalhista é que as 12 últimas notas fiscais emitidas por sua microempresa para receber mensalmente só tiveram como destino à OAB, significando que ele não trabalhou para mais ninguém nesse período.
Adicionais
As notas fiscais emitidas após a ampliação do trabalho de Costa na OAB são um capítulo à parte. A descrição dos serviços prestados e o valor saltam na exposição feita na ação trabalhista: o valor do contrato original, de R$ 6 mil é mantido como “consultoria fechada” e logo abaixo aparece o relativo a “horas adicionais” no valor de R$ 10 mil. Todas as notas fiscais foram juntadas na reclamatória para instruir o julgador.
Torcida
Um dirigente da OAB-GO, quando questionado por um advogado sobre a ação trabalhista e sobre o efeito que isto teria sobre os trabalhos da diretoria, esse alto membro, disse que eles deveriam “torcer” para que Costa não tenha sucesso na demanda.
Na contestação feita na Justiça do Trabalho à OAB-GO, a advogada, que promoveu a defesa, frisou que Costa “jamais foi tratado como empregado, jamais laborou em regime de subordinação ou mesmo cumpriu jornada de trabalho”. Disse ainda que “sua atuação sempre se pautou na condição de consultor e gestor autônomo, legítimo profissional liberal na área de administração de empresas”.
Procurado pela reportagem, o presidente Enil escalou para fazer pronunciamento oficial o secretário-geral da Ordem, Júlio César Meirelles. O secretário disse que a direção tem confiança de que a defesa promovida será aceita pela Justiça do Trabalho e que a ação será julgada improcedente.
Fac-símiles da primeira e última página do contrato (esquerda e direita), com assinaturas das partes interessadas. Abaixo, a nota fiscal 076 que discrimina os valores na prestação de serviço da consultoria
Pedido de prestação de contas punido
A desarmonia que se desenvolveu após a eleição de Enil Henrique teve mais um lance recente. A conselheira Carla Sahium Traboulsi (foto) foi destituída de seu cargo de presidente da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem por ato do presidente.
Em ofício datado do último dia 7, Enil comunica a ela que “face à quebra de confiança” ocorrida, por decisão irrevogável ela não presidia a comissão. Sem maiores prolegômenos, o presidente agradeceu a colaboração da conselheira Carla Sahium com um até breve.
Antes, porém, Enil Henrique disse que o real motivo da destituição do cargo era porque Carla e outros conselheiros protocolaram um pedido de prestação de contas detalhado da OAB-GO e fizeram uma notificação extrajudicial para que ele– Enil e a diretoria – não contraiam mais empréstimos nem alienem bens da OAB sem conhecimento do Conselho Seccional. Para Enil, o pedido e a notificação tiveram “reflexos que essas atitudes trouxeram à Instituição na mídia e nas redes sociais”.
EMPRÉSTIMOS
Carla Sahium e outros advogados promoveram em março um pedido de prestação de contas para Enil e que não fossem feitos novos empréstimos.
“Para efetivação das dívidas, que a direção da OAB-GO contraiu e os imóveis da Ordem serem dados em garantia, havia determinação expressa contida no regimento interno para que isto seja constado em atas de nossas deliberações”, explicaram os advogados.
A postura do presidente Enil de retaliar a conselheira porque ela requereu prestação de contas, pode significar algo que a direção queira ocultar, avaliam alguns advogados. Um outro conselheiro ressalta que “apesar de o presidente dizer que não há caixa-preta na OAB-GO, ele tenta, a todo custo, não abrir a contabilidade de modo algum”, se valendo até da censura e da violência de destituir uma conselheira da presidência de uma comissão temática.