- Silvio Costa nos remete ao passado para entender presente
- Sociólogo vê ato fascista, machista, xenófobo e homofóbico
- Cientista político cobra a apuração de escândalos de FHC
- Professor da PUC não descarta possibilidade da volta de Lula
Renato Dias, Da editoria de Política&Justiça
O sociólogo Silvio Costa diz com exclusividade ao Diário da Manhã que as manifestações de rua de 15 de março de 2015, que pediram a intervenção políticas das Forças Armadas, têm cheiro de 1964. Não custa lembrar: como o do movimento que depôs o presidente da República, João Belchior Goulart, e implantou uma ditadura civil e militar que durou 21 anos. Ele nos remete ao passado para entender o presente. O professor da Pontifícia Universidade Católica recorda-se da ascensão de Benito Mussolini, na Itália, a chegada ao poder de Adolf Hitler em 1933, na Alemanha. Em contextos semelhantes. Especialista em Comuna de Paris, ele ataca a mídia, os grandes conglomerados de comunicação no Brasil, que seriam porta-vozes da oposição liberal e conservadora, insiste que os escândalos da era Fernando Henrique Cardoso, que classifica como o 'príncipe dos sociólogos' não foram investigados nem julgados. Mais: intelectual de linhagem marxista, ele não descarta a possibilidade de volta, em 2018, do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que teria iniciado, em 2003, tímidas reformas econômicas, políticas e sociais no País.
PERFIL
Nome completo - Silvio Costa
Idade - 62 anos
Formação completa - Graduado em Ciências Sociais (UFRJ), Especialista em Política Social (PUC Goiás), Especialista em Políticas Públicas (UFG), Mestre em Filosofia (UFG) e Doutorando pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha).
Linhagem ideológica - Esquerda. Marxista.
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DM - Qual a sua leitura das manifestações de 15 de março?
Silvio Costa - Esta manifestação - e outras que provavelmente serão organizadas - foi possível em consequência de um descontentamento difuso contra a situação existente no país, principalmente entre setores das camadas médias e do empresariado. A evidência e exemplo contundente foram as manifestações ocorridas em junho de 2013, que no fundamental, reivindicavam melhorias e aprofundamento das políticas públicas relacionadas à mobilidade urbana, educação, saúde, moradia. Já a deste ano está mais focada e dirigida contra o governo Dilma e o PT e assume posicionamento nitidamente de direita. Isso não quer dizer que tenha atraído pessoas que, mesmo não sendo de direita, são pouco (ou mal) informadas e estimuladas pela grande imprensa, foram às ruas protestar. É necessário destacar que essas manifestações são demonstração da democracia existente em nosso país, permitindo inclusive que apresentassem cartazes conclamando o golpe militar, agora travestido de "intervenção militar constitucional", que jovens desnudas, com os seios expostos e o corpo pintado com verde-amarelo, pregavam o impedimento da Presidenta e cartazes de sofrível nível intelectual e moral. Apesar do superdimensionamento desses fatos pela mídia, que trava verdadeira guerra de informações, para apresentá-la como sendo representante do povo brasileiro, milhões, ela mesmo conseguindo levar às ruas mais de um milhão de pessoas, é até agora minoritária. O que não quer dizer que elas devem ser minimizadas, pois pelo seu caráter e pretensões, pode-se estar sendo "chocado o ovo da serpente". Há outra anunciada, mas tudo indica que poderá reduzir o número de participantes que concordam com esse posicionamento de direita, fascista, agressivo, machista, xenófobo, homofóbico. É importante destacar o apoio, em minha opinião, equivocado e extremamente perigoso para a democracia, vide os exemplos da ascensão ao poder de Hitler e Mussolini, as consequências do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália, e das manifestações que justificaram o golpe militar de 1964 no Brasil. Alguns podem dizer que há exageros nessas comparações, mas não se trata meramente de fazer comparações, mas sim procurar, através do conhecimento histórico, entender não só o passado, mas fundamentalmente, fatos e acontecimentos do presente. Caso a dúvida permaneça, o esclarecimento é simples: basta ler e estudar um pouco de História! Gostaria de pontuar que esse "descontentamento" manifesto é na realidade contra as mudanças - diga-se de passagem, ainda tímidas - implementadas nos últimos doze anos, a partir de 2003, através de iniciativa do primeiro Governo Lula. Em resumo, são parte integrante das disputas pelo rumo a ser seguido pelo Brasil, tanto em nível nacional, quanto internacional. Em 2002, Lula em campanha, para fazer frente a grande pressão de capitalistas brasileiros e estrangeiros - leia-se principalmente ligados ao capital financeiro, aos banqueiros - sinalizou e assumiu o compromisso de respeitar os acordos feitos pelo governo anterior, à época FHC. Esse compromisso, foi tornado público através da famosa "Carta ao Brasileiros". Essa adequação tática durante a campanha eleitoral, possibilitou pela primeira vez em nossa história, que partidos de esquerda liderassem uma coligação de centro-esquerda em aliança com partidos centristas, conquistassem a vitória nas eleições e assumissem o poder. Essa ampla coligação possibilitou a organização de um governo de centro-esquerda com base sólida. Foi iniciada uma política econômico-social voltada para os segmentos até excluídos do acesso aos benefícios produzidos, expressos no combate à crescente pobreza e miséria, ao desemprego, implementou-se melhorias na saúde, educação, moradia, mobilidade urbana. O processo de privatizações do governo FHC/Serra foi interrompido. Mas em uma análise mais estrutural, não podemos deixar de lado a política externa. São iniciadas mudanças significativa através de alterações nos relacionamentos prioritários, saindo da (quase) exclusividade com os EUA e Europa, nas importações / exportações. O Brasil passou a buscar novos parceiros econômicos-comerciais, a articular novos blocos econômico-políticos. Essa política foi muito benéfica, salutar e rendeu bons dividendos para o país. O Presidente Lula angariou simpatias e liderança internacional. Aproximou-se dos dois últimos Presidentes norte-americanos, George Bush e Obama. Participou ativamente da rearticulação do Mercosul, da articulação e fortalecimentos de órgãos latino-americanos e caribenhos, do BRICs. Isso ocorreu em um contexto econômico-político favorável. Aqui, devo destacar que mesmo com os resultados positivos das políticas sociais implementadas durante o Governo, dos dividendos advindos das políticas interna e externa e do elevado índice de popularidade Lula, a oposição capitaneada pelo PSDB em aliança com o PFL/DEM e PPS, continuou sua atuação, minoritária, não conseguiu destacar-se em críticas ao governo, e seus espaços políticos se viram reduzidos gradativamente, possibilitando assim, que a grande imprensa assumisse o papel de oposição, que dependendo da temática e do momento, assumia esse posicionamento de forma mais aberta e raivosa ou não. Nesse contexto, os diferentes segmentos de direita e de extrema direita, minoritários, não conseguem repercussão de suas posições junto à população, ficando reduzida a um ou outro pronunciamento de um determinado deputado ou "general de pijama". Isso, mesmo tendo espaços na mídia. Ao obter apertada vitória eleitoral, assumir e iniciar o segundo mandato, o Governo se vê diante da necessidade de alterações na política econômica que vinha seguindo. A isso se soma o aprofundamento das investigações e é iniciada a prisão de envolvidos nesse "esquema de corrupção". Fatos habilmente explorados habilmente por partidos de oposição que, através da amplificação dos mesmos pela mídia, dirige a responsabilidade exclusivamente para o governo Dilma e o PT, apresentados como os responsáveis pelos "malfeitos". A mídia martela isso, de forma repetitiva e exaustiva, sobre os "cérebros" de seus telespectadores, leitores e ouvintes, contribuindo para criar clima emocional de agressividade. Surge assim, "o reino dos adjetivos monossilábicos", do ódio e agressividade. Esse é o contexto em que estamos! "O ovo da serpente está sendo chocado" pela "nova" direita? Sim!
DM - Não há, hoje, uma aventura golpista das direitas?
Silvio Costa - Esse desejo existe desde o imediato ao pós-queda da ditadura militar e restabelecimento do regime democrático, mas restritos a personagens e pronunciamentos de "caserna". Mas as manifestações de 2013, quando na oportunidade foi dado destaque a críticas aos partidos políticos existentes, aos governos, subsumindo o conteúdo das principais reivindicações - de mais e melhores políticas públicas -, possibilitou o "surgimento" de uma "nova" direita, que agora, tergiversando o que de fato são, defendem e representam, afirma ser articulada por "jovens empresários" e "revoltados on line", "que surgiram do nada", do "sentimento de revolta e indignação", como se fosse possível um movimento político-partidário surgir do "nada", de forma espontânea através das redes social. É o mesmo que dizer para a população: "continuem acreditando em chapeuzinho vermelho", em "Papai Noel" e comportados, ganharão um doce. Infelizmente, o que de fato defendem, é a barbárie!
DM - Dá para ser feito um paralelo entre 1964 e 2015?
Silvio Costa - Há semelhanças. Não só com as manifestações que foram utilizadas como justificativa para o golpe militar, mas também com as atitudes e comportamento de setores abastados frente à proclamação da Comuna em Paris; a possibilidade de ascensão ao poder das classes trabalhadoras na Alemanha e Itália apoiaram o nazi-fascismo; aos acontecimentos que levaram ao suicídio de Vargas em 1954.
DM - O PT é quem inventou a corrupção?
Silvio Costa - Não! Infelizmente, a corrupção, em diversas formas, é endêmica e diga-se de passagem, não só no Brasil. Ela é inerente às sociedades baseadas no "poder da riqueza". Aproveitando a oportunidade, acrescento outra pergunta: A que se deve o fato de não haver denúncias de corrupção no Governo FHC e as que houveram, foram poucas, mas nenhum "escândalo" foi investigado e seus responsáveis punidos? No Governo Collor, houve apuração e punição?
DM - A reforma política deve sair do papel?
Silvio Costa - Sem dúvida! Ela está atrasada há pelo menos uma década. Mas com o fim do financiamento empresarial de campanhas, punição exemplar do denominado "caixa dois", e consolidação e ampliação dos espaços democráticos de organização político-partidária.
DM - Dilma Rousseff pode recuperar espaços?
Silvio Costa - Sim! Depende do percurso do "jogo político" em curso. O governo Dilma tem apenas três meses e ele terá os próximos meses e ano para realizar as correções necessárias e enfrentar os "adeptos ao apocalipse", do "sangramento", "os traíras". Não se esquecendo e deixando de lado os "cavaleiros da barbárie", personificados pela direita e extrema direita, "tradicional" ou "nova".
DM - Lula reúne condições de voltar em 2018?
Silvio Costa - No momento, acredito ser precipitada essa questão. Em termos de possibilidade, dependerá para se tornar real, por exemplo, do desenrolar dos embates políticos, de sua saúde, etc. A sua representatividade é uma realidade inquestionável! Não são os "ciúmes" de um "príncipe dos sociólogos" qualquer que mudará aquilo que já é parte integrante da História Brasileira.
DM - O que o senhor anda lendo?
Silvio Costa - Acabei de ler o livro Cuba, Hoje, do jornalista Renato Dias, e o indico atod@s leitor@s! Entendo ser uma leitura obrigatória!
DM - Projeto de novo livro?
Silvio Costa - Estou pensando em efetivar uma releitura e revisão da grande quantidade de material escrito que tenho, relacionados ao "ciclo das revoluções burguesas", às lutas e guerras religiosas europeias em consequência da reforma protestante.