O almirante Othon Pinheiro é considerado o pai da energia nuclear no Brasil. Suas pesquisas e seu trabalho formaram uma geração de físicos nucleares e pesquisadores brasileiros, que legaram ao País o domínio completo da energianuclear, possibilitandooPaís a se apropriar das imensas reservas de urânio em território nacional, fator de importância estratégica para garantir ao Brasil segurança energética. Othon está com 78 anos e foi condenado a 43 anos de prisão pela Lava Jato no Rio de Janeiro. A lista de serviçosprestadosaoPaísfoisimplesmenteescanteadanaaçãopenalque levou o almirante a uma tentativa de suicídio, no momento em que o Ministério Público Federal decidiu arrastar até sua filha para o processo.
Nesta edição, o Diário da Manhã reproduz as entrevistas que o almirante concedeu à revista Carta Capital e também ao ex-presidente da OAB-RJ, o deputado federal Wadih Damous (PT). Nestas entrevistas, Othon Pinheiro disse que não tem dúvidas de que sua condenação serviu aos interesses dos Estados Unidos, que se sentiram “afrontados” com a política energética encampada pelo governo brasileiro nas últimas décadas.
Ele também comentou sobre os “absurdos” que sofreu durante a prisão imposta pela Lava Jato e deixou claro que, apesar de todas as arbitrariedades, ele segue com o desejo de continuar trabalhando para levar energia elétrica barata para os cantos mais isolados.
Em vídeo, ele relatou que procuradores abusaram quando quebraram o sigilo médico de sua esposa, que sofre de Alzheimer. Othon Pinheiro se emocionou ainda quando foi lembrado da tentativa de suicídio que encampou na prisão militar, onde ficou por 2 anos. Segundo ele, foi um ato para mostrar toda a indignação com a tirania praticada contra sua filha. Ele disse que sofreu “pressão” por causa dela.
Pinheiro também classificou como episódio ditatorial algumas decisões do Judiciário, como a que negou seu pedido de liberdade provisória com base em uma “mentira”. Segundo seu advogado de defesa, é comum na operação, chama atenção que um “ouvi dizer” pronunciado por um delator premiado bastou para mandar à cadeia e com pena recorde na Lava Jato, só equiparável àquela do ex-governador Sérgio Cabral, um pesquisador e inventor que dedicou a vida ao País e à alta tecnologia nacional.
DEFESA
Segundo o advogado Fernando Augusto Fernandes, o seu cliente é inocente de todas as acusações que levaram à sua condenação a 43 anos de reclusão pela Lava Jato, na ação penal que investiga supostos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço a investigações, evasão de divisas e organização criminosa na construção da usina nuclear de Angra 3.
“O almirante Othon de fato recebeu cerca de 3 milhões de reais quando era presidente da Eletronuclear, não por ato realizado na presidência da empresa nem relacionado à obra de Angra 3, mas por um estudo feito anteriormente em que empenhou seu conhecimento científico. O detalhe fundamental está aí”, sublinha Fernandes.
“Para constituir crime de corrupção, teria de haver a indicação, pelos delatores, de algum ato que ele tenha realizado como presidente da Eletronuclear, ou anterior a isso, na forma de promessa, que gerasse alguma vantagem. Não existe”, acrescenta o advogado.
A carreira em prol do País, as honrarias que lhe foram conferidas no Brasil e no exterior, a importância estratégica das suas descobertas e a truculência dos inquisidores, que o levaram a uma tentativa de suicídio na cadeia, são narradas abaixo pelo almirante.
INDIGNAÇÃO
“Uma das coisas que mais indignou foi que enquanto eu estava preso em Curitiba, e tinha aquele período de 5 dias da prisão temporária que depois se converte em prisão preventiva. Foi consultado o Ministério Público [sobre a prisão]. Eu havia sido convidado pelo senhor [Rodrigo] Janot duas vezes para um painel de debate, e numa das vezes ele me chamou de 'cidadão ilustre'. O parecer dele [sobre a prisão] foi que eu, nas ruas, implantava maior perigo para a sociedade do que um criminoso comum. Eu tenho esse parecer. Dizer isso é uma atitude midiática e desonesta.”
HABEAS CORPUS NEGADO
“Foi negado habeas corpus com o argumento de que eu tinha um telefone na minha cela, o que é uma grande mentira. Foi negado baseado numa mentira! Outra mentira é que preso em casa, eu teria contato com a empresa [acusada de repassar propina]. É mentira! Nunca mostraram nada. As pessoas escrevem aquilo e vira verdade. É muito difícil viver num sistema em que o camarada diz uma coisa e vira verdade.”
SUICÍDIO
“Eu fiquei indignado com o negócio da minha filha [que também virou alvo da Lava Jato]. Eu pensei em tirar cordões de 3 calções, estava achando que estava escondido, que estava fazendo uma cordinha, que ficaria escondido. Mas teve um oficial que estava me observando pela televisão, chegou lá [na cela] e revistou. Mas com mais 10 minutos, eu não chegava atrasado. Não foi, assim, por vergonha, foi revolta! Eu queria chamar atenção! Eu imagino que ele [o reitor da UFSC que cometeu suicídio] deva ter querido chamar atenção, muito revoltado com o que ocorreu com ele. Fizeram uma indignidade com ele.”
INTERESSE DOS EUA
“Eu gosto de me basear em fatos, porque opinião, cada uma tem a sua. O fato é: eu estava preso em Curitiba e 10 dias depois e veio uma comissão dos Estados Unidos para discutir de novo um protocolo que o ministro Jobim, no governo Lula, se recursou a assinar porque feria nossa Constituição. Ele permitiria que a casa de qualquer brasileiro fosse invadida a qualquer momento se um mandado fosse expedicionado. À época, eu fui a Washinton para assessorar [Jobim]. Acompanhei o ministro Jobim ao Pentágono, e saí de lá - onde nunca esperava ter entrado - com uma certa premonição.”
“Eu não afrontei [intencionalmente os interesses dos EUA em relação à energia]. Eu não sou anti-americano. Eu separo as duas coisas (...) Eu separo o povo americano, que é o povo como a gente, do sistema que o explora. Esse sistema, tudo o que a gente fez, mesmo que a gente não quisesse afrontar ninguém - mas a gente quis dar meios para o Brasil ter orgulho danado da gente... - certamente [chegamos a afrontá-lo].”
“[O que incomoda é que] Se a gente usar com racionalidade nossos meios, tem energia mais barata, e isso dá competitividade. Internacionalmente, o povo que tem competitividade desequilibra o mundo. É o caso da China, por exemplo. O fato de se tornar uma sociedade mais eficiente, mesmo não querendo afrontar ninguém, isso desequilibra, tira de determinada zona de confronto determinador grupos. E isso sempre afronta.”
OBRA
“Fui o gerente-coordenador do programa de desenvolvimento tecnológico que assegurou ao Brasil, com esforço nacional, o domínio das tecnologias de todos os aspectos estratégicos da energia nuclear. Coordenei simultaneamente dois grandes projetos denominados pela Marinha, na fase sigilosa, de Ciclone e Remo. São dois desenvolvimentos diferentes: o primeiro implicou a viabilização, comtecnologianacional, doenriquecimento isotópico de urânio e de todas as demais etapas do ciclo do combustível nuclear.
O segundo consistiu no desenvolvimentoeinstalaçãonuclearpara submarinos, incluindo a fabricação, no Brasil, de todos os equipamentos ecomponentesnecessários. Paragarantir a qualidade da instalação de propulsão nuclear, foi realizado um programa de testes e verificação experimental sem precedentes na história tecnológica brasileira.
Em nenhuma outra nação a mesma pessoa gerenciou simultaneamente esses dois projetos, ambos com sucesso. Nos outros países, as Marinhas trataram apenas do desenvolvimento da propulsão nuclear. Na diretoria da Eletronuclear, gerenciei a definição do mais moderno programa de construção de centrais nucleares e armazenamento de rejeitos.
Esse programa provocou grande impacto no cenário internacional. Uma evidência disso é o fato de eu ter recebido, em um mesmo dia, na sede da Eletronuclear, as visitas do subsecretário de Energia dos Estados Unidos e do ex-primeiro-ministro da Rússia e presidente da empresa estatal de energia atômica Rosatom, Sergey Kiriyenko”.
ESTUDO
“O preço cobrado por esse estudo (feito por ele Othon à Eletrobrás) foi de 3 milhões de reais, os mesmos referidos na data de entrega do relatório, em dezembro de 2004. Se compararmos esse preço com os valores cobrados pela equipe de ingleses que modelou o sistema elétrico brasileiro na década de 1990, concluiremos que foi muitíssimo baixo.
Além de que, diferentemente dos ingleses, que transplantaram para o Brasil soluções similares às utilizadas na Inglaterra, onde o sistema é quase 100% térmico e controlado pelo homem, no sistema elétrico brasileiro a maior parte da energia é proveniente de hidrelétricas e fontes renováveis que sofrem as variações que a natureza impõe.
O estudo, “Porto de Destino para o Sistema Elétrico Brasileiro” preconiza a construção de centrais nucleares para evitar o aumento abusivo dos preços da eletricidade e estabilizar o sistema. Nos trabalhos de consultoria por mim realizados nos 11 anos na Aratec (empresa de consultoria), o valor do homem-dia de consultoria foi sempre dentro da mesma faixa. Os altos valores pagos pela eletricidade pelos brasileiros em 2017 comprovam o estudo por mim realizado em 2004”.
URÂNIO
Quando o Alto-Comando da Marinha me designou para desenvolver o submarino nuclear brasileiro e o combustível necessário para tal, eu era o único oficial com especialização nuclear. Fizemos uma opção arrojada na época, que era a tecnologia adotada para as ultracentrífugas, de minha concepção. O trabalho foi iniciado no segundo semestre de 1979 e, em setembro de 1982, produzimos uma pequena ampola de urânio enriquecido e outra de urânio empobrecido.
Foi o maior evento tecnológico do Hemisfério Sul naquele ano. Com um avançado método de gerenciamento de pesquisas que desenvolvi e denominei Sistema Matricial Dinâmico de Gerenciamento de Pesquisas, o aumento do número de equipes e o auxílio da comunidade científica brasileira, o País atingiu a maturidade na tecnologia nuclear. O Brasil detém grandes reservas de urânio, que é visto como mineral estratégico por todas as grandes potências.
Nada como uma equipe dedicada trabalhando em um ambiente saudável para atingir os resultados. Quando fui transferido para a reserva, em 1994, a Coordenação de Projetos Especiais da Marinha tinha um quadro de 600 engenheiros e físicos que, somados às equipes do Ipen, totalizavam uma elite de 980 engenheiros e físicos de alto nível. Isso foi muito importante para o País.