Cultura

Antologia mostra que poetas vivem da terra ao compilar versos de Jim Morrison

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 26 de novembro de 2021 às 15:06 | Atualizado há 4 meses

Jim
Morrison não foi feito para ter cabelos brancos, rosto enrugado e deixar-se
fotografar na terceira idade andando pelas ruas de Los Angeles ou bebendo
uísque nos cafés parisienses. Um dos mais notórios membros do chamado clube dos
27, com o qual divide espaço ao lado de Robert Johnson, Brian Jones, Jimi
Hendrix, Janis Joplin, Kurt Cobain e Amy Winehouse, ele deixou uma marca cravada
na história do rock e transformou o comportamento para as gerações seguintes e,
no final das contas, Jim não precisava fazer muito esforço para soar mais
moderno que seus contemporâneos.

Dono de bagagem literária que ia de Charles Baudelaire a Jack Kerouac, o artista dizia que seus pais estavam mortos – o que era mentira. Assim que ingressou no curso de cinema da Universidade da Califórnia (UCLA), rompeu com a família – sobretudo os laços que tinha com o pai, um almirante da marinha dos Estados Unidos. Quando famoso, após lançar o disco “The Doors” (1967) e botar nas paradas hits como “Break on Through”, passou ao largo da histeria provocada pelo sucesso dos Beatles e Rolling Stones: queria saber de poesia, viajar em William Blake, foda-se o rock ´n´ roll.

Jim, nas
palavras de Pati Smith, foi um dos grandes poetas e intérpretes, cujo conjunto
de sua obra durará para sempre. Se ele enchia a cara para escrever poesia, como
os escritores dos quais era fã, também estranhamente lamentou pelo seu pau
estar dolorido e crucificado e profetizou que a forma, essa camisa de força que
nos amarra à cama da conformidade, “é um anjo de alma”. “Música sexo &
ideias são as correntes da conexão”, sentencia o mítico vocalista do The Doors,
em “A Forma É Um Anjo”.

Leitor
de Blake, Jim compreendeu que ‘a estrada do excesso leva ao palácio da
sabedoria’ e foi imoderado, para usar as palavras do poeta beat e amigo Michael
McLure. Ou os poetas chegam à sabedoria, diz McLure, porque são de fato poetas,
ou nunca lá chegam porque são loucos divinos: “Jim foi um herói metamórfico que
nos emocionou com a sua energia e a sua coragem”. Sim, ele alterou seus
sentidos com álcool – sagrado para Dionísio, deus do drama, do teatro e da
embriaguez -, com ácido e com “o elixir interior da sua própria exaltação e
exuberância”.

É daí
que parte “Destruam as Portas Entre Nós”, antologia de versos criados pelo
vocalista dos Doors em sua febril passagem pela Terra. A ideia da obra, lançada
pela editora Bombs Not Books, partiu do poeta IkaRo MaxX que, ao ingerir um
potente LSD, ou um delta sublingual, quem sabe?, concebido nos laboratórios do
êxtase sob a regência de Jim, deparou-se com a coisa batendo, espancando-lhe:
saiu, então, a tradução hackeada dos gestos e pantomima poética, como detalha o
próprio IkaRo.

Guardadas
as devidas proporções, é mais ou menos o que IkaRo e Jim fazem em “Destruam as
Portas Entre Nós”, ao trazer a palavra pantomima (representação dramática com
um dançarino e solista ou interpretação de uma história exclusivamente com gestos),
mas sem que a essência da mudez seja perdida em meio à “floresta petrificada
recheada de televisões insistentes em esculpir o nosso inconsciente”.

“Aqui não há medo de desconectar os teores ocultos que saem da coxia das palavras pois Jim sabe que o mistério é um camaleônico incessante – um animal que se mescla ao almanaque do tempo, que a cada que é desvendado, desmembra-se em novos fractais de cores que não constam no dicionário do arco-íris do xamã, que insiste na selvageria dessa zona psicodélica que muitos chamam de amor”, explica texto da orelha da obra IkaRo, enaltecendo a transgressão inerente à poesia de Jim.

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Jim em registro do fotógrafo Joel Brodsky

“Se tudo o que é falado significa isso, seu oposto, e tudo o mais ou onde estão minhas mulheres silenciosamente sonhando pegas como anjos na escura varanda de um rancho de veludo”, como diz Jim, a hora para dançar com o corpo quieto é hora. “Afinal não é todo dia que um xamã te convida para pisotear o vidro da tua alma, e dos destroços, para construir outras almas”, advoga o poeta Roger Tieri, na quarta capa.

Como um todo, os poemas de Jim não diferem do conteúdo cantado por ele nas letras eternizadas pelo rock lisérgico do The Doors, mas é interessante perceber a maneira na qual ele se entrega ao êxtase das formas, das visões alucinadas, embaladas por um ácido, um trago, ou pelas jornadas espiritualizadas em experiências de transcendência que encontram na pele arrepiada pelo embalo da liberdade a luxúria da aventura. Preparam-se, pois os caminhos percorridos em “Destruam as Portas Entre Nós” prometem uma estrada de prazer que só poderia ser proposta por alguém como Jim.

Destruam
as Portas Entre Nós

Autor: Jim Morrison

Tradução: IkaRo MaxX

Editora: Bombs Not Books

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