Cultura

Xico Sá analisa como os novos meios de informações transformaram a notícia

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 26 de outubro de 2021 às 12:51 | Atualizado há 4 anos

Xico
Sá, 59, ri e diz que o ideal é o escritor iniciar o texto – seja um romance,
uma crônica, um conto e, por que não?, uma reportagem – bêbado e lapidar as
palavras na sobriedade, como se o andaime da revisão, aquela hora em que você
ajeita a sinfonia, o ritmo e as frases de efeito, que não obrigatoriamente
estarão bem pontudas ali, fosse sendo ajustado no suor do labor. “Nem precisa
ir no Bukowski. Reinaldo Moraes tem isso que eu falei, mas depois ele trabalha
como um desgraçado. Tem o bêbado e o operário. É o que dá uma grande obra”,
afirma Xico, por telefone, ao Diário da Manhã.

Francisco
Reginaldo de Sá Menezes, cearense do Crato, formado em jornalismo pela UFPE, repórter
investigativo que encontrou o paradeiro de PC Farias no Collorgate, cronista, romancista,
comentarista de futebol, devoto a Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos e
Antonio Maria, existencialista fã de Jean-Paul Sartre, amigo de Doutor Sócrates,
boêmio, santista… Xico nunca negou que exibe uma extensa ficha corrida. É o
que ele compartilhará nesta terça-feira, 26, a partir das 19h30, no Teatro
Goiânia, durante o terceiro bate-papo do ciclo de palestras Diálogos
Contemporâneos.

Escriba
‘mal diagramado’, como ele mesmo já chegou a se definir em crônica publicada na
Folha de S. Paulo, Xico analisará como as mídias tradicionais e os novos meios
de comunicação transformaram a maneira na qual a notícia é veiculada e
consumida. Seu currículo, inclusive, lhe legitima: passou pelas redações dos
principais jornais brasileiros e se tornou figura cativa também na televisão ao
participar de programas no Sportv e GNT, exibindo um bom-humor com tiradas que trouxeram
o cronista à tela.

“Não
podemos generalizar e dizer que é o tempo todo que a imprensa brasileira
esquenta dólar, mas a dita empresarial, a chamada grande mídia, que assim a
definimos ao longo do tempo, majoritariamente controlada por poucas famílias, é
muito hereditária”, explica. “Isso vale e fica mais evidente quando se fala dos
grandes meios de Rio e São Paulo, mas em todos os estados temos duas ou três famílias que controlam a mídia e essas famílias
têm interesses, do jogo das grandes empresas, o que faz dela em muitas ocasiões
mais uma assessoria de imprensa do capital.”

Xico
conhece – e bem – as regras do jogo. Durante o Collorgate, por exemplo, ficou
próximo de PC Farias, homem que abriu o bico e abalou a república, quase a
implodindo. Como conseguiu ficar próximo dele? Segundo o escriba, por não ser o
tipo de jornalista sério, cujas fontes são personalidades ligadas ao tabuleiro
da política. Quem lhe dava informações, ou melhor, onde apostou suas fichas
seguindo o faro de repórter no paradeiro de Farias eram os porteiros, garçons,
prostíbulos, todo mundo em tese é chegado a molhar a palavra nas bodegas, por
que seria diferente com PC?

Para
Xico, esse tipo de jornalismo hoje se tornou inviável, difícil. “Acabamos
falando muito dessa grande mídia mais empresarial, mas você tem, como se fossem
pequenos jornais, pequenas redes, que vem com esses assuntos que você não vai
ver com facilidade na grande imprensa: divulgação de pautas de direitos
humanos, indígenas, movimento negro.” Foram as pequenas mídias alternativas,
diz, que acabaram criando uma opção de comunicar que nunca houve no Brasil:
“essa rede é uma salvação. É o lugar desses assuntos que não serão acolhidos
com facilidade na grande mídia.”

Mas,
Xico, e a pós-verdade? “A mesma internet vem com essa usina de fake news. Ajuda
o bolsonarismo com essa indústria do ódio”, problematiza. Sim, existe um lado
perverso e é preciso ser sábio e ligado para jogar esse jogo de comunicação.
“Podemos combater no varejo, desmentindo, mostrando fatos que destroem. É quase
uma política de combate permanente. Não tem uma receita”, aponta Xico, defensor
do uso de recursos da linguagem literária como componente sedutor para o texto
jornalístico. “É tão pouco usado, mas é sempre a grande saída, e está longe de
ser uma novidade.”

Nos
Estados Unidos, jornalistas como Gay Talese, Tom Wolfe, Joseph Mitchell e
Hunter S. Thompson mudaram as regras textuais na imprensa. “Esse atrativo da
literatura é muito pouco usado. É uma burrice. É um chamado para a leitura. Você
fazer um texto mais atrativo, com diálogos, com armas da velha e boa
literatura, oferecerá ao leitor um atrativo, um presente, que no geral os jornais
não se preocupam, pois seus textos são áridos e objetivos”, atesta o autor de
“Os Machões Não Dançam” (2015), “A Pátria em Sandálias da Humildade” (2016) e
“Big Jato” (2012).

Crônica

Cronista
que empilha referências oswaldianas numa velocidade metafórica, gracilianas na
concisão das frases e rodrigueanas na irreverência do sabor do amor e desamor, Xico
Sá explica que a crônica se supunha morta nos jornais na década de 1990, um
pouco antes de a internet se tornar parte de nossas vidas. Mas com o novo meio
de comunicação, por ser um texto de natureza enxuta, lírica, afetuosa, ou uma
conversa de dois amigos entre uma cerveja e outra e um café e outro, o gênero
renasceu: “hoje temos uma boa fartura de cronistas, embora eu use uma
referência mais antiga.”

Quem
são os mestres aos quais recorre? Lima Barreto e João do Rio, além – claro – de
Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos e Antonio Maria. “Podem ser aplicados a
qualquer assunto de hoje, pra contar essa nossa história, em relação aos
costumes, à cultura, à política, às artes. Dá pra aplicar a crônica com
relativo sucesso a qualquer hora. É quase como se puxasse uma cadeira no bar e
bebesse um trago, uma cerveja, ou tomasse um café, pra não ficar só em quem
bebe, com o leitor. Quando vou escrever uma crônica me sinto sempre com essa
imagem na cabeça”, revela.

Desprovida
do compromisso do historiador, ou do grande sociólogo, a crônica se consolida
nos pequenos fatos, na mudança de costume, deixando seu testemunho da história.
“Não está fazendo o grande livro do registro histórico, mas você está contando
por outras vias o que se passa. Por exemplo, durante a pandemia, você vai ter
todas as polêmicas e tudo o que aconteceu através dos cronistas. Tá lá o cara
falando dos teimosos que não usam máscara, outro falando da estranheza em
tirá-la para tomar uma cerveja”, conta o cronista, citando a dificuldade que
teve ao se trancar em casa e esbarrar na falta de assunto, já que sua
matéria-prima está no cotidiano.

Xico,
autor do romance “Big Jato” que foi adaptado para o cinema pelo cineasta
Cláudio Assis em 2014, diz que terminou uma obra que deve ser publicada em
março ou abril do ano que vem. Em certo sentido, em matéria de livro, é o que
Belchior cantou na música “Divina Comédia” – “mais angustiado que um goleiro na
hora do gol.” “Tinha uma obsessão pela figura
solitária do goleiro: é o único que pega a bola com a mão. É o cara que não
pode falhar, tem essa missão”, reflete o escritor.

De fato, os dez podem, de certa forma, errar e não será fatal, mas
o arqueiro jamais: carrega toda essa obsessão de ser eficiente o tempo todo,
estar atento, defender o time. Xico transporta isso para vida, a ideia de sermos
24 horas bons. “Nesse sentido, é um romance existencialista. Em 90 minutos, o
que se passa na cabeça do goleiro? Eu via muito futebol na infância e ficava
pensando o que o goleiro pensava, como ele estava vivendo esse momento de uma
certa solidão embaixo da trave”, antecipa.

Para o ciclo de palestras Diálogos Contemporâneos, nesta
terça-feira, 26, no Teatro Goiânia, Xico Sá dá a letra: “vai ser como se
estivéssemos no botequim conversando.”

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