Opinião

Seo Manoel Tristão

Diário da Manhã

Publicado em 25 de janeiro de 2018 às 00:00 | Atualizado há 7 anos

A Rua San­to An­tô­nio tor­nou-se mais va­zia, pois não mais te­rei o gran­de pra­zer de cum­pri­men­tar Seo Ma­no­el, pai de meus ami­gos de in­fân­cia: An­tô­nio, Le­lo, Lu­ci­a­no e Inês. Ele nos dei­xou na úl­ti­ma sex­ta, 20, in­do ao en­con­tro de sua ama­da es­po­sa do­na Ani­nha.

Seo Ma­no­el, des­de a mi­nha in­fân­cia, sem­pre es­ta­va à ja­ne­la ou no al­pen­dre de sua ca­sa nos fi­nais das tar­des e às noi­tes, on­de gos­ta­va de fi­car. Ca­be­los sem­pre pen­te­a­dos, bi­go­de apa­ra­do, bar­ba fei­ta, lem­bra­va-me mui­to a fi­gu­ra do ga­lã Clark Ga­ble. Era de pou­cas pa­la­vras, mas sem­pre mui­to edu­ca­do. Mi­lha­res fo­ram os meus bons-di­as, bo­as-tar­des e bo­as-noi­tes.

Ca­sa­do com do­na Ani­nha Ka­ne­do, fa­le­ci­da em 2014, sou­be com mui­ta hom­bri­da­de e tra­ba­lho cri­ar sua fa­mí­lia. Ad­je­ti­vos pa­ra de­fi­nir o ca­sal se­ri­am: tra­ba­lho, ho­nes­ti­da­de e in­te­gri­da­de. Ele, pe­drei­ro; ela, cos­tu­rei­ra das me­lho­res. Nun­ca os vi du­ran­te o dia sem es­ta­rem tra­ba­lhan­do, ali­ás, di­fi­cil­men­te con­se­guia ob­ser­var do­na Ani­nha pa­ra­da. Mi­nhas lem­bran­ças de­la são sem­pre à má­qui­na de cos­tu­ra ou co­zi­nhan­do.

Cu­i­dar da “san­ti­da­de” do trio (An­tô­nio, Le­lo e Lu), que as­se­me­lha­va a mi­nha, não era ta­re­fa fá­cil. Ma­ria Inês era mui­to cri­an­ça, e ven­do-a ho­je com seus fi­lhos, sin­to-me ve­lho.

Es­sa trí­a­de do bem é fei­ta de meus me­lho­res ami­gos na in­fân­cia. Erá­mos sim­ples­men­te ter­rí­veis e nos­sas aven­tu­ras eram cons­tru­ções de ca­sas em ár­vo­res; ca­var ca­ver­nas nas pi­çar­ras dos enor­mes bu­ra­cos, dei­xa­dos pe­los es­cra­vos na ca­ta do ou­ro; ba­lan­çar em ci­pó; na­dar no Rio Ver­me­lho e em la­go­as e po­ços (sem­pre sem au­to­ri­za­ção); jo­gos de be­te e bo­li­nhas de gu­de na rua – en­fim, brin­ca­dei­ras que não mais exis­tem e que fi­ze­ram par­te do co­ti­dia­no de nos­sas in­fân­cias. Quan­ta sa­u­da­de!

Her­da­ram a pro­fis­são do pai: Le­lo e Lu­ci­a­no (Lu). An­tô­nio é co­mer­cian­te e fun­cio­ná­rio da Sa­ne­a­go, e Inês, uma ab­ne­ga­da edu­ca­do­ra de nos­so mu­ni­cí­pio. Fa­mí­lia hon­ra­da, gen­te tra­ba­lha­do­ra, ho­nes­ta e que exem­pli­fi­ca a es­me­ra­da edu­ca­ção re­ce­bi­da de seus pa­is.

O va­zio de mi­nha rua tem au­men­ta­do. A au­sên­cia do Seo Da­mi­ão; Do­na He­le­na Vi­ei­ra; es­po­sa do Seo Zi­qui­nho; Seo Ar­mí­rio e es­po­sa (pa­is de Fran­cis­co e Vi­cen­ti­na); Seo Ke­na (ca­mi­nho­nei­ro); do­na Yo­ne do Bor­ges; meu pai Otá­vio Pe­rei­ra do Va­le; Vô Ju­ca e Vó Te­re­za; Seo Acrí­sio e Do­na Car­me­li­ta; Ge­ral­da, Gui­nha e Ira­ce­ma; Seo Lu­iz e do­na Ma­ria; Seo Adão; Po­lô­nia; pro­fes­sor Ama­de­us Ka­ne­do; Do­na Ani­nha e Seo Ma­no­el Tris­tão; Zi­co Fa­brí­cio (fla­men­guis­ta apai­xo­na­do); tia Vi­ta­li­na; pro­fes­sor Al­da­ir Ai­res (gran­de es­cri­tor go­i­a­no); Seo Ci­co (ca­mi­nho­nei­ro); Do­na Io­ne, Co­ti­nha, Cla­ri Ra­mos, Dr. Ra­mon e o jo­vem Fer­nan­do (fi­lho da Ci­da); Seo Pe­dri­nho (com sua ale­gria ine­nar­rá­vel e con­ta­gi­an­te); Seo Di­mas e Do­na Ca­cil­da, en­tre ou­tros que mi­nha re­cor­da­ção não cla­reia nes­te mo­men­to. Eles não são re­mi­nis­cên­cias, mas pre­sen­ça vi­va de um po­vo bom e que sem­pre des­per­ta sa­u­da­de.

Con­for­ta-me sa­ber que a fa­mí­lia Tris­tão es­tá an­co­ra­da nos prin­cí­pios da dou­tri­na kar­de­cis­ta. São as­sí­duos fre­quen­ta­do­res e tra­ba­lha­do­res do Cen­tro Es­pí­ri­ta Alan Kar­dec, le­van­ta­do sob a égi­de do in­can­sá­vel Dr. Or­lan­di­no Bar­bo­sa.

Car­los Drum­mond de An­dra­de dis­se: “Não há vi­vos, há os que mor­re­ram e os que es­pe­ram a vez”. O de­sen­car­ne é al­go ine­vi­tá­vel. Ali­ás, a úni­ca cer­te­za que te­mos da vi­da. É pre­ci­so que sai­ba­mos acei­tá-lo com mais re­sig­na­ção e cre­du­li­da­de – in­de­pen­den­te da re­li­gi­ão que pro­fes­sa­mos. O es­tá­gio nes­te pla­ne­ta de pro­vas e ex­pi­a­ções nem sem­pre é o mes­mo pa­ra to­dos, há os que cum­prem su­as mis­sões mais ce­do.

A par­ti­da de en­tes que­ri­dos sem­pre nos cau­sa tris­te­za e amar­gu­ra. Por mais que não o quei­ra­mos, a me­lan­co­lia e uma in­con­ti­da sa­u­da­de aca­bam por in­va­dir nos­sa al­ma. Tu­do is­to é o ape­go à ma­té­ria e o amor que nos une nes­ta e em vi­das pre­té­ri­tas, e de que não é fá­cil nos des­pren­der, mes­mo que tem­po­ra­ria­men­te.

À fa­mí­lia de meus ami­gos dei­xo meu abra­ço fra­ter­no e mi­nha so­li­da­ri­e­da­de nes­te mo­men­to de se­pa­ra­ção que, bem o sa­be­mos, não é eter­na.

Fi­quem em paz!

 

(Cle­ver­lan An­tô­nio do Va­le, ad­mi­nis­tra­dor de em­pre­sas, ges­tor pú­bli­co, pós-gra­du­a­do em Po­lí­ti­cas Pú­bli­cas e Do­cên­cia Uni­ver­si­tá­ria, ar­ti­cu­lis­ta do DM – cle­ver­lan­va­[email protected])

 


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