Opinião

Aborto – questão legal ou existencial?

Diário da Manhã

Publicado em 12 de julho de 2017 às 22:07 | Atualizado há 8 anos

O ju­iz Mar­ce­lo Pi­men­tel, ti­tu­lar da Dé­ci­ma Va­ra Cí­vel de Vi­tó­ria, au­to­ri­zou que uma par­tu­ri­en­te in­ter­rom­pes­se a gra­vi­dez em vis­ta da com­pro­va­ção de que o be­bê nas­ce­ria sem cé­re­bro.

Se ma­gis­tra­do da ati­va ain­da fos­se, da­ria a mes­ma de­ci­são que foi pro­la­ta­da pe­lo dig­no co­le­ga.

Não se tra­ta de acon­se­lhar o abor­to, nes­ta e em ou­tras si­tu­a­ções. Tra­ta-se de com­pre­en­der o dra­ma do se­me­lhan­te e agir com ca­ri­da­de à fa­ce do ca­so con­cre­to.

Em mi­nha pe­re­gri­na­ção pe­las es­tra­das da Jus­ti­ça, de­fron­tei-me com al­guns ca­sos de abor­to.

O jul­ga­men­to pro­la­ta­do por Mar­ce­lo Pi­men­tel pro­vo­cou, no meu es­pí­ri­to, a lem­bran­ça de dois pro­ces­sos.

O pri­mei­ro epi­só­dio que vem a mi­nha me­mó­ria é o ca­so de uma jo­vem que ha­via pra­ti­ca­do abor­to e que to­da noi­te em­ba­la­va um ber­ço va­zio, co­mo se no ber­ço hou­ves­se uma cri­an­ça.

Per­ce­bi que não era su­fi­ci­en­te ab­sol­vê-la. Era pre­ci­so li­ber­tá-la do sen­ti­men­to de cul­pa que a ator­men­ta­va.

Dis­se-lhe en­tão: “Ma­da­le­na, vo­cê é mui­to jo­vem, sua vi­da não aca­bou. Es­ta cri­an­ça que iria nas­cer não exis­te mais. Vo­cê po­de­rá ter ou­tras cri­an­ças que ale­grem sua vi­da. Vo­cê vai pro­me­ter não mais em­ba­lar um ber­ço va­zio.“

Ela pro­me­teu que iria se­guir o con­se­lho. Eu fi­na­li­zei a de­ci­são di­zen­do:

“Es­te ju­iz, que é ape­nas um mor­tal, a ab­sol­ve. Mas an­tes de mim, Je­sus Cris­to, cu­ja ima­gem  es­tá nes­ta sa­la, já a ab­sol­veu. Que San­ta Ma­ria Ma­da­le­na, a san­ta que tem seu no­me, a pro­te­ja. Não sei se vo­cê sa­be que Ma­ria Ma­da­le­na ti­nha si­do pros­ti­tu­ta e veio a ser, den­tre os pri­mei­ros cris­tã­os, a pre­di­le­ta de Je­sus.“

Ela res­pon­deu: “Sei sim, ju­iz, eu co­nhe­ço a his­tó­ria de Ma­ria Ma­da­le­na. E da­qui em di­an­te vou re­zar pa­ra ela to­dos os di­as.“

Ou­tro ca­so que a me­mó­ria oc­to­ge­ná­ria con­ser­va é da mo­ci­nha que pra­ti­cou abor­to e qua­se à mor­te foi le­va­da pa­ra um hos­pi­tal que a so­cor­reu e co­mu­ni­cou de­pois o fa­to à Jus­ti­ça. O Pro­mo­tor, no cum­pri­men­to do seu de­ver, for­mu­lou de­nún­cia, que re­ce­bi. De­sig­nei in­ter­ro­ga­tó­rio. En­tão, pe­la pri­mei­ra vez, eu me de­fron­tei com o ros­to so­fri­do da mo­ci­nha. Aque­le ros­to me en­ter­ne­ceu. Pro­fe­ri ab­sol­vi­ção li­mi­nar.

Aos jo­vens, que quei­ram fa­zer car­rei­ra e che­gar aos pin­ca­ros da ma­gis­tra­tu­ra, não acon­se­lho que si­gam meu exem­plo. Fui apo­sen­ta­do co­mo sol­da­do ra­so, ape­nas Ju­iz de Di­rei­to. Não fui a De­sem­bar­ga­dor.

 

(Jo­ão Bap­tis­ta Herke­nhoff, ju­iz de Di­rei­to apo­sen­ta­do (ES) e es­cri­tor. E-mail: jbpherke­[email protected] / Si­te: www.pa­les­tran­te­de­di­rei­to.com.br)

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