Baleia Azul: mentiras que matam
Redacão
Publicado em 27 de abril de 2017 às 10:38 | Atualizado há 4 meses
Estudante Maria de Fátima, que morava em Vila Rica, no Mato Grosso: família notou cortes nos braços e regras escritas em papel. Polícia apura suspeitas de que jovem possa ter sido induzida ao suicídio pelo jogo “Baleia Azul” (Foto: Arquivo Pessoal)
O jogo que ficou mundialmente conhecido como “Baleia Azul” (tradução livre inglês de blue whale) tem causado pânico em diversos países e reacendeu as discussões sobre depressão e suicídio. Sites ingleses noticiaram em fevereiro a morte de 180 jovens russos que supostamente teriam ligações com o jogo que culmina no suicídio de seus participantes. O que não se sabia, até então, era que as primeiras notícias sobre o jogo eram falsas e serviam de estratégia de marketing de um portal online.
Segundo os sites ingleses os jovens se inscrevem para o jogo e concordam em seguir as instruções que percorrem 50 longos dias de auto mutilação e tortura. As tarefas seriam passadas por um administrador; o estágio final da “Baleia Azul” é o suicídio.
A ampla cobertura da mídia fez com que o jogo ficasse conhecido e que fosse procurado por jovens e adultos curiosos na “brincadeira” que levava à morte. O fenômeno do suicídio não pode ser reduzido apenas há um único aspecto, mas o psicólogo especializado em casos de suicídio, Sam Cyrous, diz que tentativas e suicídios tendem a aumentar quando são fortemente divulgados.
Entra-se então em um dilema: divulgar ou não tentativas de tirar a própria vida? Não há um acordo entre as empresas jornalísticas que as proíbam de comentar sobre os casos, no entanto, os jornais evitam a exposição. O curioso do caso do jogo “Baleia Azul” foi a insistência da mídia em geral em divulgar e espalhar a notícia causando pânico, medo e curiosidade.
Infelizmente, este não é o primeiro jogo que leva jovens a cometer atentados contra a própria vida. Eles surgem a cada decada, de uma maneira nova e atrativa para aqueles que já têm uma predisposição e tendências suicidas. O embate não deveria ser apenas contra o jogo em específico, mas na ajuda e tratamento daqueles que estão com a mente e almas doentes.
Entrevista
Há indícios que a divulgação de casos de suicídio façam com que pessoas com nenhuma predisposição ao suicídio o cometa? E no caso de pessoas que já apresentam indícios de depressão?
Sam Cyrous – Claro que não podemos reduzir o fenômeno do suicídio a um aspecto apenas. Mas em 1974 cunhou-se um termo chamado Efeito Werther, baseado na obra do escritor alemão Göethe de 1774. O seu personagem Werther, após muitos peripécias acaba por tirar a sua vida. David Philips, que cunhou o termo, conclui em uma pesquisa entre 1985 a 1989 que suicídios e tentativas de suicídio tendem a aumentar quando se reporta fortemente um suicídio.
Como nesse caso a mídia influencia essa predisposição?
Sam Cyrous – O papel da mídia é fundamental! É seu dever reportar a verdade e noticiar o que está acontecendo no mundo. Mas quando falamos em uma série de televisão ou um suposto jogo internacional romancear a morte. É por isso que a Noruega tem um código deontológico de jornalismo que impede reportar notícias sobre suicídio, a Turquia não expõe imagens de suicídios e as corporações de jornalismo do Canadá desencorajam a menção ao tema. Ao invés da mídia brasileira ter dado tamanho alerta a uma notícia que começou sendo falsa (o jogo da Baleia Azul) ou falado da série 13 Reasons Why, ela poderia ter encorajado a produção de The Returned ou audiências para Glitch, ambas do mesmo canal de televisão. Isso teria incentivado o efeito Papageno, que demonstra alternativas a comportamentos suicidas e demonstra que a vida vale a pena, apesar de quaisquer circunstâncias. Papageno, personagem de uma ópera, contempla o suicídios até que outros personagens lhe mostrassem formas alternativas de resolver os problemas. Ao invés de 13 razões porque morrer, talvez devamos, através da mídia e das narrativas, descobrir 13 razões para as quais viver!
O que pode ter influenciado na curiosidade das pessoas em descobrir sobre o jogo, participar e chegar ao ponto de se matar?
Sam Cyrous – No caso do suposto jogo, estamos falando de jovens que ainda não têm seu córtex pré-frontal completamente maturado (área cerebral responsável, entre outras coisas, pelas decisões e análise de consequências), há ainda uma insuficiência nos processos dopamínicos (dopamina é a substância bioquímica responsável por sensações de recompensa e prazer). Então, se elementos como presença e afeto parental são ausentes e outros como sofrimento sem sentido causado bullying escolar por exemplo estão presentes, o jovem ou a criança se deixam atrair por relações que parecem ser recompensadoras. A criança e o jovem que não encontra um sentido para o que está vivendo, procura ao invés o poder ou o prazer: de fazer o que quiser com a sua própria vida. Desta forma, o possível vício num jogo, num filme ou a depressão são sintomas de um cérebro ainda não totalmente maturado, mas também de uma sociedade que não sabe lidar com os seus mais jovens. Não podemos dizer que se trata de um problema apenas biológico ou apenas social — todos somos responsáveis pelo que está acontecendo com os nossos jovens.
Não sendo o primeiro desafio onde o objetivo final é o suicídio, como se previne novos jogos ou como blindar país, amigos e familiares de possíveis casos?
Sam Cyrous – Precisamos ajudar pais, mães e escolas a pensarem no grande tema do século XXI: o vazio existencial. Para quê estamos aqui? Com a velocidade com a qual somos expostos a tantas informações, notícias, acontecimentos e novidades, cada vezes dedicamos menos tempo de qualidade para aqueles que verdadeiramente amamos. E quando essas pessoas são jovens e crianças ainda buscando entender o seu papel no mundo, a responsabilidade aumenta. Há grupos que tentam causar essas reflexões com os pais, mas há sobretudo que se compreender que os nossos mais jovens são, nas palavras de Erik Erikson, imigrantes em casa, pessoas tentando descobrir o seu papel cultural, social, sexual, religioso e vocacional. Para isso, recomendo duas coisas aos pais: (1) uma gestão de tempo que não foque em produção e resultados, mas afeto e amor com os membros da família e (2) atividades que canalizam as energias dos mais jovens para o bem social, para que eles se vejam como agentes de positiva mudança social.
A depressão é fator fundamental para o suicídio ou há outras motivações?
Sam Cyrous – Façamos o contrário? Quais são os motivos pelos quais vale a pena continuar vivo? Tratamento psicológico de depressão por um psicoterapeuta com o qual eu criei um vínculo positivo.Tratamento psicoterapêutico e psiquiátrico com remédios caso se trate de uma pessoa com quadro psicótico. Tratamento de substâncias por profissionais competentes. Presença de qualidade na vida daqueles que estão gritando por socorro (não precisa estar 24 horas ao lado da pessoa, mas quando estiver prove que está mesmo). Percepção de que continuar vivo também é uma forma de manter controle da vida (seja perante uma doença terminal, ou uma série de erros cometidos). Encontrar um sentido e um propósito para as nossas vidas, contribuindo para outras vidas.