O homem da lâmpada
Diário da Manhã
Publicado em 1 de agosto de 2018 às 22:57 | Atualizado há 7 anos
Ele era um homem comum vivendo uma vida comum numa fazenda perto de uma cidade comum. Trabalhava como todo mundo e, ao fim do dia, voltava para casa, encharcado de cansaço. Às vezes, quando sentava na velha cadeira de balanço que ficava na varanda, olhava para as estrelas e, por um instante, pensava se poderia ter mais do que o que tinha, se poderia ser mais do que era, mas esses pensamentos eram rapidamente afastados de sua mente pelo alívio anônimo e revigorante do sono. Não sobrava tempo para fabular um futuro que não poderia ter.
Dividia a casa com a mãe, uma velha de sessenta e oito anos, de rosto quase completamente enrugado e as costas curvadas pela idade e pelo labor nas terras que foram sua herança de família; e o marido dela, um longevo corpulento, cabeça semipreenchida por uns poucos fios grisalhos e, embora a vista já fosse tão boa, era dono do bigode de estimação mais bem cuidado de que se tinha notícia.
Com o envelhecer da mãe e a força quase inexistente do pai, coube a ele a tarefa de cuidar da propriedade da família. Acordava sempre cedo, mesmo nos fins de semana. Sempre havia algo para fazer. “Os cavalos não vão saber se a chuva da noite anterior encharcou a beira do bebedouro” dizia o pai, “É preciso cuidar, filho, senão vira um mundo sem dono” completava a mãe. Ele era jovem, mas não desfrutava os prazeres da juventude. Às vezes desejava ser como os rapazes de sua idade, tinha a ambição de grande, famoso, mas há coisas que não são. Simplesmente não são.
O tempo continuou passando e, quando ele percebeu, viu-se dono de uma fazenda cheia de tudo e uma casa vazia. Os pais morreram. Primeiro, o pai adoecera e, quando foi ao hospital, não voltou para casa; depois a mãe despareceu no nada enquanto dormia. Restou ele. E agora? Não teve jeito, continuou a cuidar da fazenda, agora sem as advertências do pai e os conselhos da mãe. Estava sozinho.
Numa tarde, enquanto cavalgava mansamente de volta para casa, o sol se pondo em dourado no horizonte, ele viu um pequeno brilho dourado reluzir do meio da vegetação rasteira. Quase ignorou aquilo, mas como se o chamasse, o objeto reluziu ainda mais forte sob os últimos raios do sol. Desmontou do cavalo e pegou o objeto nas mãos. Era um objeto estranho à primeira vista e, embora lembrasse as velhas lamparinas que sua mãe fez para os dias em que faltasse energia, era diferente, curvilíneo, completamente revestido de um amarelo-ouro, com uma haste volteada de um lado e do outro um longo bico como os do bule café.
Ele passou a mão em uma das laterais do objeto, depois do outro lado numa tentativa mal sucedida de limpar a camada de poeira e barro. De repente, sentiu um leve vibrar do objeto em suas mãos, depois intensificou e pesou de tal forma que ele não pode mais segurar com uma mão só. O peso era tanto que, somado à agitação, não o segurou mais e o objeto caiu no chão com um baque surdo e pesado.
Tamanho foi o seu susto ao perceber que, do objeto que estivera ainda há pouco em suas mãos, brotou uma fumaça verde-esmeralda na ponta do bico de bule e, logo em seguida, espremeu-se por ali um meio-homem sonolento. Não podia ser, encontrara uma lâmpada mágica.
“Onde estou não importa, importa apenas o que sou e o que posso fazer por você!” disse o meio-homem numa voz preguiçosa. “Diga agora qual o seu desejo e eu concederei.”
Ele estava em choque. Sem entender direito o que estava acontecendo, lembrou-se que certa vez seu pai contou uma história com uma lâmpada mágica e um fazendeiro que teve seus três desejos concedidos. Mas era só uma história, não podia ser real. Mas de que outra forma ele poderia explicar que aquele meio-homem acabara de sair de dentro de uma lâmpada.
“Você não existe!”
“Ora, é claro que eu existo. Eu estou aqui!” Disse o meio-homem.
“E de onde você veio?”
“E lá vamos nós! Olha, eu estou meio sem tempo, to precisando dormir por mais alguns séculos então vamos logo com isso.” Disse o meio-homem. “Qual é o seu desejo?”
“Meu desejo?” Quis saber. “Não são três desejos?”
“Que seja!”
Ele pensou por algum tempo e quando se voltou para olhar o meio-homem ele estava quase dormindo.
“Meus desejos são esses.” Disse num tom um pouco alto para despertar o meio-homem. “Quero viver muito; quero ficar rico e quero ser famoso!”
“Concedido!”
Ele ficou imensamente feliz! Ao chegar em casa, organizou um pequeno altar para a lâmpada no centro da sala, o mais confortável possível para aquele que lhe concedeu seus maiores desejos. Agora havia de descansar, o meio-homem concedera-lhe longa vida, dinheiro e fama. Finalmente, ele teria tempo para aproveitar a vida. Nunca mais trabalharia, e não trabalhou.
Mas os anos foram passando e a sua riqueza não chegara, pelo contrário, gastara todos os seus recursos e os bem deixados pelos pais para custear sua vida sem trabalho. O desejo da longa vida estava se realizando, ele já somava sessenta e cinco anos de idade, nisso o meio-homem fora fiel, mas onde estava sua riqueza e sua fama onde andaria?
Aposentara-se e passara a viajar uma vez por mês para a cidade pegar seu salário. Ninguém o conhecia, nem mesmo no banco. Aborrecido, ele resolveu consultar o meio-homem quanto aos seus outros desejos. Passou a mão pela lâmpada como fizera anos atrás e a poeira verde-esmeralda saiu pouco antes do meio-homem brotar ainda mais sonolento.
“Onde estou não importa… Você de novo? Já não lhe concedi desejos suficientes?”
“Não!” Ele disse se sentindo insultado. “Não está vendo que estou em ruínas? E onde está a minha fama? Já estou aposentado e ninguém no mundo sabe o meu nome!”
O meio-homem que passara os últimos quarenta anos dormindo, esquecera-se de conceder os dois últimos desejos do fazendeiro.
“Concedido! E para sua sorte, serão realizados no seu próximo pagamento!” Após dizer isso, o meio-homem volto para o conforto de sua lâmpada.
Revoltado, o fazendeiro jogou a lâmpada dentro do lago que circundava a antiga propriedade da fazenda. No dia estipulado, ele e outros tantos aposentados foram à cidade para receber seu pagamento. Pouco tempo depois de entrar no banco e fazer a retirada de seu salário do mês, dois assaltantes entraram no banco. Pegaram todo o dinheiro dos aposentados e, quando chegou sua vez, ele resistiu. Levou dois tiros no peito. Ao cair, derrubou uma das sacolas de dinheiro da mão de um dos assaltantes, ao ver o montante de dinheiro ao seu lado, pensou “Estou rico!” e, ao fechar os olhos para o mundo, não viu a reportagem de primeira página no único jornal da cidade: “Aposentado Reage a Assalto, é Morto e Vira Herói”. Escreveram sobre ele, trouxeram a televisão para fazer reportagem sobre a bravura do aposentado que reagiu ao assaltou e atrasou os bandidos na fuga o que foi crucial para que a polícia chegasse a tempo de prender os dois ladrões.
Coincidentemente, na mesma hora em que a televisão noticiava a aventura do fazendeiro aposentado na cidade, na fazenda, o lago da antiga propriedade do fazendeiro borbulhava e até hoje não se sabe se o som que se ouviu foi de risos ou roncos.
(Raí Almeida, estudante de Letras na Universidade Católica de Goiás – PUC-GO)