A cara da derrota
Diário da Manhã
Publicado em 10 de julho de 2018 às 21:25 | Atualizado há 4 meses
Amigo torcedor, amigo secador, quando o juiz apitou o final da partida entre Brasil e Bélgica vi gente chorando na rua; vi proletários reclamando que não haverá mais desculpas para matar trabalho no meio da semana com objetivo de beber cerveja, fazer churrasco e abrir bares às segundas-feiras pela manhã; vi homens e mulheres pisando com ódio em cima da camisa verde e amarela que minutos antes fora sagrada; vi bêbados arremessando garrafas contra a parede; vi senhores, que assistiram Pelé, Garrincha, Rivelino, Sócrates, Zico, Romário, Ronaldo e Ronaldinho desfilar elegantemente pelos gramados do mundo com a cara triste, sem ter força para dizer absolutamente nada; vi rapazes e moças celebrando a derrota para não ficar sem o que comemorar; vi boêmios ouvindo Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano e Chrystian e Ralf madrugada adentro na terra do pequi; vi internautas bradando impropérios racistas ao volante Fernandinho por conta do gol contra e da falha no contra-ataque belga que culminou no segundo tento dos europeus.
E chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados em função dos cinco títulos mundiais que exibimos ao lado esquerdo do manto canarinho, é um instrumento para a renovação da nossa vida, para a renovação de nossos hábitos de torcedores, para nos deixar mais humildes em relação aos adversários, para a renovação de um ciclo que há de ter início na seleção brasileira – e se possível com Tite à frente, pois o treinador é o que menos tem culpa pela tragédia da última sexta-feira.
Ora, imagine só se apenas ganhássemos e não tivéssemos experimentado nunca o gosto amargo do fracasso? Seria terrivelmente chato e sem graça, não é à toa que do tricampeonato mundial na Copa do México, em 1970, para o tetracampeonato na Copa dos EUA, em 1994, esperamos 24 anos. Perder, citando o poeta Carlos Drummond de Andrade, em crônica publicada no Jornal do Brasil após a dolorosa Tragédia de Sarriá, na Copa do Mundo de 1982, “implica na remoção de detritos”.
Sem dúvida, fizemos quase tudo que estava ao nosso alcance para ganhar o Mundial da Rússia. Todavia, em futebol será que “quase tudo” basta para triunfar, ou é necessário algo mais? Não seria sensato atribuir ao acaso, ao Sobrenatural de Almeida, como titio Nelson Rodrigues se referia àquilo que foge da compreensão humana durante uma partida, ou até mesmo ao absurdo, ao surrealismo, ao dadaísmo, às estatísticas com o objetivo de explicar o inexplicável, especialistas sem especialidade, os lances que nos afugentam nessa ressaca pós-Copa?
Na realidade, e eu seria cretinamente desonesto ao não levar este fator em consideração, a imprensa esportiva contribuiu para semear o mito de que nosso camisa 10, Neymar, possui desvio de conduta. Longe de jogar bola como os grandes do futiba brazuca, ele foi execrado pelos idiotas da objetividade em suas crônicas chinfrim. Resultado: o craque teve dezenas de tentativas de homicídio quando procurava fazer alguma jogada diferente, daí a fama de cai, cai.
Bem, a verdade é que não voltamos de mãos vazias para a casa porque fracassamos em trazer a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, talvez o entendimento de que já não somos a pátria de chuteiras e, além de tudo, para ir à contramão da verborragia midiática das mesas-redondas, vestimos sandálias da humildade. Sim, porque não suplantamos nenhuma seleção poderosa, apenas caímos feito soldados em uma batalha sangrenta no quinto jogo. Em peleja nervosa e desequilibrada, a sorte foi um fator que passou longe dos jogadores brasileiros e dos belgas, que sabiam muito bem o que estavam fazendo em campo e não precisaram dela.
Por fim, gostaria de conversar rapidamente com Tite e seus jogadores, como Thiago Silva e Miranda, e reservas e reservas de reservas, como Firmino, Gabriel Jesus e Renato Augusto. Queria lhes explicar, especialmente aos zagueiros, que defensores não podem ser gentis com marcadores. Enfim, às favas com tudo isso, pois ainda hei de berrar aos borbotões “Brasil é hexacampeão do mundo”. Enquanto isso, que nossa abstinência de craques, tal como nos acostumamos no passado, seja atenuada com o campeonato brasileiro das séries A e B, futiba nosso de cada dia.
Sem mais.