Maria, minha mãe, uma história de luta e superação para todos
Diário da Manhã
Publicado em 21 de junho de 2016 às 02:19 | Atualizado há 9 anos
Dona Maria Polina da Conceição Filha, 81 anos, mãe de 10 filhos biológicos e 7 enteados é um claro exemplo de superação. Como exemplo, ela nos mostra que o resultado da luta é sempre satisfatório ainda que todo o mundo conflua para nos pregar peças difíceis de serem enfrentadas.
Em meados de 1953, com 18 anos, depois de morar toda uma vida com seus pais e irmãos, surpreendentemente perdeu o pai que durante trinta dias vinha queixando de uma forte dor estomacal. Dona Maria Polina já havia perdido cinco irmãos com a idade entre nove e quatorze anos, mas a morte do pai foi segundo ela a maior catástrofe ao redor do mundo dela. O universo desandou! Não se sabe se por fatalidade ou ironia do destino, dois anos mais tarde, sua mãe que havia ficado doente acabou falecendo, deixando Dona Maria Polina numa casa de paredes de pau – a – pique, telhado coberto com casca de árvores nativas, já que a moradia que o pai iniciara a construir não ficou pronta, e, com a responsabilidade de cuidar de duas irmãs, uma de 12 e a outra de 2 anos e nove meses.
Apesar das tragédias sofridas e danos irreparáveis Dona Maria Polina, na época com apenas vinte anos e um fado gigantesco para carregar sobre as costas não baixou a cabeça. Ela partiu em busca de emprego para sustentar a casa. Para ela nada foi fácil, uma vez que não tinha muitas opções de trabalho, já que além da casa do seu pai, apenas uma tia, madrinha da irmã caçula morava por ali. Com muito sacrifício, Dona Maria encontrou emprego na lavoura. Para trabalhar ia acompanhada da irmã de 12 anos, enquanto a tia ficava com a menorzinha. A vontade de vencer era grande e somente Deus mudaria os rumos da vida dela.
Dona Maria Polina começou a trabalhar na roça aos dez anos ajudando o pai, mas era um trabalho mais leve, apenas de apoio, porém, com a perda dos pais o trabalho passou a ser bem mais duro e cansativo ao ponto de ser desumano. Mas, como ela era alimentada pelos seus pais, tão jovem passou a ter três bocas para alimentar. Passou quatro anos em total sofrimento. Não tinha hora para dormir, tampouco para acordar.
Para complicar ainda mais a situação, passados quatro anos que Dona Maria trabalhando ali naquele lugar chamado Sítio ela já não aguentava mais, sua irmã menor morreu e Dona Maria foi acometida por uma doença que trouxe a certeza aos seus tios de que chegara o fim da sobrinha. Do quarto, onde ficava a cama em que ela passava dias e dias deitada ela via as tábuas prontas para serem planeadas e transformadas num caixão após a sua morte. Ouvia cochichos dos parentes que vinham de longe para visitá-la e dizer uns para os outros que ela não passaria daquele dia. Assim foi um ano e nove meses.
Dona Maria Polina, depois de um ano e nove meses, ainda com alguns sintomas da enfermidade, ela e sua irmã foram para a Aroeira, terra dos seus avôs paternos, mas de início não pode trabalhar, pois necessitava ficar em repouso absoluto para a cura total da doença que a deixou muito inchada e fraca.
Já com a idade de 23 anos, ali na propriedade do avô reencontrou Antônio Aurora. Reencontrou porque antes, quando ainda criança, ela morava ali e lhe dava a bênção. Agora Antônio Aurora já não era mais casado, fazia dez anos de separado da esposa. Encantou por Dona Maria Polina e a queria para casar-se, de papel passado e tudo, porém precisava de um tempo de quatro anos, para divorciar-se da outra. Pediu autorização ao avô da moça para levá-la consigo. O avô não aceitou, dizendo não ser Antônio Aurora o homem certo para Maria, pois este já havia sido casado, tido oito filhos, dos quais um veio a falecer com sete dias de nascido. Contudo, ao mesmo tempo em que o avô era contra o “ajuntamento”, todos os demais parentes conspiravam contra ela, dizendo que ela não servia para morar mais ali naquela casa. Foi então quando tomou a decisão de ir embora com Antônio. Com Antônio Aurora ela teve 12 filhos, dos quais 2 morreram com o chamado mau de sete dias que nada mais é que o tétano.
Dona Maria Polina foi morar com Antônio Aurora num local bem próximo da Aroeira chamado Bebedor, na casa da cunhada de mesmo nome, Maria que hoje está com 90 anos. Ficou na casa da cunhada somente um ano e, logo, mudou para o Areãozinho, no Cantinho com o marido e uma filhinha recém- nascida. Ali no Cantinho teve mais uma menina e, depois veio dois homenzinhos que morreram, isto é, teve duas filhas, depois vieram dois filhos que morreram com sete dias de nascido. Quando novamente ficou grávida apavorou-se, temendo a morte de mais um filho. A parteira a orientou a trocar de quarto e bem assim ela fez.
Dessa vez não aconteceu nada, passou a noite em que o menino completou sete dias e veio a madrugada e ele estava respirando, Dona Maria agradeceu tanto a Deus. Depois disso vieram mais sete. Todos com muito vigor. De certo, Deus sabia que futuramente ela precisaria de todos eles.
No Cantinho, por mais de nove anos, Dona Maria dividia suas tarefas entre cuidar dos filhos e “lambicar”, moendo cana para fazer rapadura e cachaça. Durante todo o período suas vestes não passavam de dois vestidos, o chamado “bate e torce”, às vezes, dormia apenas com as roupas íntimas que ela chama de “roupa de baixo”, enquanto o vestido secava para que no outro dia ela pudesse vestir para garrar na lida.
Depois de tudo isso e sem saber o que era ler ou ir à escola mudou com o marido, uma filha de nove anos, outra de sete e o filho homem ainda no colo para Cana Brava e passou a morar numa casa de adobe que o marido comprara com muito sacrifício, juntando o dinheiro do casal, na verdade, vendeu uma casa do Sítio e comprou uma no povoado de Cana Brava, mas logo, trocara por um pequeno sítio dando um revólver calibre 22 como parte do pagamento. O sítio ainda estava em mata virgem, nenhuma trilha a golpes de facão existia. Antônio Aurora construiu com ajuda da esposa, Dona Maria Polina, um casebre de pau – a – pique, um pequeno tanque feito de cavador e um pequeno curral de madeiras. Foi ali com imenso sofrimento e ajuda de vizinhos que continuou a criar seus dez filhos sadios, totalizando duas mulheres e oito homens vivos.
Com 43, logo que deu a luz ao último filho, novamente foi acometida por uma doença que a deixou quatro anos de cama, tossindo, vomitando e escarrando catarro misturado ao sangue vivo. Agora sim, ela pensava que iria morrer, mas nunca perdera as esperanças. Todos os momentos ela pedia a Deus para prolongar seus dias até que seus filhos crescessem e tomassem seus rumos.
Era impossível ir ao médico, uma vez pela questão financeira para sair do povoado e outra porque no povoado não havia médico.
Logo, apareceu um médico chamado doutor Galvão enviado pelo governo federal para atender aos pacientes do povoado. Foi quando ela conseguiu uma consulta e, apesar de o posto de saúde não contar com aparelhagem, foi diagnosticado pelo médico uma suposta tuberculose. O médico lhe receitou uma sacola de remédios e proibiu tudo em relação à friagem. O tratamento durou seis meses, tempo suficiente para ela sentir que estava se curando. Para Dona Maria, depois de Deus, foi doutor Galvão que salvou a vida dela. Médico que ela nunca mais o encontrou. Por isso, Dona Maria não tem outra explicação, acha que doutor Galvão foi um anjo enviado por Deus para salvar a vida dela.
Na década de 1990, tempo em que os filhos já haviam crescido a trouxe aqui em Goiânia para um check-up e os médicos daqui, através de exames feitos a partir de raios-X diagnosticaram sinais da cura da tuberculose e que apesar de ter perdido todo um pulmão e metade do outro ela está totalmente curada. O que ela ainda não conseguiu largar foi o vício do tabaco que carrega desde a adolescência aos dias atuais.
Em 1989, após venda do sítio, mudou novamente com toda a família para o perímetro urbano do antigo povoado de Cana Brava, hoje Wanderley.
Em 1999, já aposentada como trabalhadora rural e após ficar viúva de Antônio Aurora, falecido aos 84 anos, mudou em definitivo com os filhos que ainda moravam com ela para a cidade de Goiânia, onde já morava a maioria dos seus filhos.
Depois de morar de aluguel no Jardim Balneário Meia-Ponte, por um ano e no Setor Urias Magalhães durante uma década, há seis anos dona Maria Polina passou a residir numa casa própria nos Residenciais Jardins do Cerrado, com alguns dos filhos que ainda estão solteiros.
Um detalhe interessante é que Dona Maria Polina não frequentou a escola, é considerada analfabeta, porém, contrariando o esposo colocou todos os filhos na escola. Atualmente, todos eles possuem no mínimo os conhecimentos básicos escolares. Eu, por exemplo, com a ajuda dela sou formado em Letras pela Universidade Federal de Goiás e autor de três obras literárias, caminhando para a quarta. Os outros filhos, uns estão casados e constituíram famílias e os que ainda não se casaram mora com ela.
Minha mãe é uma guerreira, um exemplo para todos, sem ter a oportunidade ela foi tão vitoriosa, imagina o que seria se tivesse conseguido se alfabetizar. Na verdade, eu nem a considero analfabeta, pois pensa num supermercado cheio de variedades, milhares de produtos e se você pedir para que ela compre um extrato, por exemplo, você não vai receber uma lata ou um copo de doce. Analfabeto não é aquele que não teve oportunidade de ser letrado, mas o analfabeto imoral, aquele que estaciona na vaga dos portadores de necessidades especiais, aquele que mesmo graduado não se levanta de um banco do ônibus para oferecer a vaga a uma pessoa mais velha e assim por diante.
Dona Maria Polina, minha mãe, diz que sua maior felicidade é ter vencido séculos, ter conseguido ver os filhos crescerem com saúde e praticar a honestidade que tanto ela quanto o pai os ensinaram desde crianças.
Dona Maria toma algumas medicações para controlar a pressão arterial, mas garante que vive muito bem e feliz. Ela também confessou ser grata ao Estado de Goiás e à cidade de Goiânia por cuidar tão bem dos seus filhos e dela.
(Gilson Vasco, escritor)