História da beleza e da feiura – Final
Redação
Publicado em 11 de agosto de 2015 às 21:46 | Atualizado há 10 anosNessa parte final da História da Beleza e da Feiura, ouso abordar, nos meus limites, sobre a “Feiura” que, já nos bons dicionários se contrapõe à Beleza, em diversos significados ou ideias, querendo dizer que há muita coisa sem beleza, de aparência desagradável, desproporcional, disforme, sem esquecer o lado ruim das inúmeras palavras adotadas em sentido figurado, como as que inspiram desprezo, tais como nojo, vergonha, dentre outras que não se dão com a Beleza que, já no léxico, tem até caráter virtuoso, devendo ser por isso que, além da “beleza interna”, que não acredito tão acentuada na população de hoje em dia, a sabedoria popular continua ensinando que: “Quem ama o feio, bonito lhe parece”, “o diabo não é tão feio como o pintam”, se não bastassem sinônimos esquisitos como: “Não há nome mais feio do que o nome de covarde” (Rebelo), causar má sorte, má impressão, má figura, fazer feio, dentre outros e os não sei quantos aforismos, estudados e conhecidos pelos mestres do folclore, sendo de se pensar como seria o feio no mundo clássico, sabiamente estudado no 1º capítulo.
Como diz “orelha” esquerda do livro, História da Feiura (2007), surgido na sequência ao precedente História da Beleza, ambos organizados pelo ilustre professor, escritor e notável medievalista, Umberto Eco. “Aparentemente beleza e feiúra são conceitos com implicações mútuas e, em geral, entende a feiúra como oposto da beleza, tanto que bastaria definir a primeira para saber o que seria a outra. No entanto, as várias manifestações do feio, através dos séculos, são mais ricas e imprevisíveis do que se pensa habitualmente.”
Essa erudita e inegável diferenciação desses dois conceitos, pode ser notada nos intrigantes 14 capítulos de História da Feiura, assim como nos da História da Beleza, sem esquecer o que há na sábia introdução onde, de certo modo e sentidos, a história da feiúra tem algumas características em comum com a História da Beleza, embora tenha de buscar seus próprios documentos visuais ou verbais de coisas ou pessoas, deixando, por certo, como um dos seus objetos de estudo o estranho sentido feio de palavras como: indecente, tosco, repugnante, repelente, monstruoso, hediondo, desengonçado e muitas outras que, por incrível que pareça, ao serem usadas com talento e arte, chegaram a fazer alguém a exclamar: “Como é bela a feiura!”, fato que mostra que a arte consegue suavizar ou adoçar o feio, podendo ser um bom destaque a pintura da “mulher que chora” (1937), de Pablo Picasso, que chegou a ser exposta numa Galeria de Londres.
Isto fica melhor visto nas imagens ou pinturas expostas no livro, como nos antológicos textos da obra, onde acredito ser um oportuno relevo as imagens do VI capítulo, no qual há uma visível tradição antifeminina; não se podendo, de nenhum modo, esquecer o assunto a partir do mundo clássico, dominado pelo feio, do 1º capítulo, sendo de se pensar o que ocorre nos demais treze, tendo como último, “O feio hoje”, de todo modo mostrando que o feio não pode ser definido ou visto em caráter absoluto, pois, de certo, é relativo, como, aliás, demonstra o admirável conteúdo dos livros, o que tem muito a ver com os tempos e às culturas, para não dizer civilizações.
Creio ser bom transcrever os nomes dos capítulos na ajuda da compreensão do tema. Assim, A paixão, a morte, o martírio. O Apocalipse, o inferno e o diabo. Monstros e portentos. O feio, o cômico, o obsceno. A feiura da mulher entre a Antiguidade e o Barroco. O diabo no mundo moderno. Bruxaria, satanismo, sadismo. Physica curiosa. O resgate romântico do feio. O inquietante. Torres de ferro e torres de marfim. A vanguarda e o triunfo do feio. O feio dos outros, o Kitsch e o Camp.
Pela opulência dos títulos, percebo que, assim como o fiz com os da História da Beleza, prometo continuar relendo História da Feiura, sistematicamente. Umberto Eco merece. Minha profunda carência de conhecimento, sobretudo da temática abordada, impõe. Contudo, atrevo-me a transcrever lúcido texto de Charles Baudelasire, mostrando que a Beleza não tem fronteiras, pátria, limites; notando-se que aparece inclusive no bizarro de que fala o autor citado:
“O Belo é sempre bizarro. Não digo que seja voluntariamente, friamente bizarro, pois, em tal caso, seria um monstro fora dos trilhos da vida. Digo que contém sempre aquele ponto de estranheza que o faz particularmente belo”.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, UBEGO, AGI, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – [email protected])