Cultura

Tambores do Orum movimenta ruas da região Norte de Goiânia

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 26 de janeiro de 2024 às 15:32 | Atualizado há 3 meses

Já dizia o mestre Jorge Ben lá em 63: “sai da minha frente, eu quero passar”. Pois então, ao ritmo do samba esquema novo, Goiânia assiste neste fim de semana ao desfile dos Tambores do Orum, primeiro bloco afro da capital. Os foliões saem às ruas na tarde do sábado, 27, e do domingo, 28, com concentração às 17h. Segundo os organizadores, o itinerário abrange os residenciais Nossa Morada e Morada do Bosque, localizados na região Norte da cidade.

A movimentação tem início no Bar da Poliana, Nossa Morada, próximo ao campus Samambaia. Ali, as pessoas curtem aquele samba de preto velho que é misto de maracatu. Depois, ainda com suingue no pé, outro local recebe concentração no domingo, 28: rua MB 2, Morada do Bosque. Nos dois dias, o bloco apresenta enredo que combate intolerância religiosa, numa sonoridade cuja tônica evoca o clássico “Os Afro-Sambas”, obra-prima gravada pelo violonista Baden Powell e pelo poeta Vinícius de Moraes, em 1966.


		Tambores do Orum movimenta ruas da região Norte de Goiânia

Cultura afro-brasileira: travessia será feita ao som de instrumentos ancestrais.

Fotos: Lucas Almeida/ Divulgação


“Apresentaremos ode litúrgica teatral musicada dos deuses que ousam dançar, cantar e festejar junto aos que os cultuam com alegria, diversão e amor”, afirma Raquel Rocha, diretora-geral e produtora do projeto. Marcelo Marques, que divide direção e produção com Raquel, complementa: “Onã é aquele que nos auxilia para que as trilhas de nossa jornada estejam sempre livre de obstáculos. Ele nos lembra que o caminho está livre”.

Oña ao qual se refere Marcelo é Exú Onã, orixá dos caminhos. Trata-se de entidade responsável por nos lembrar que devemos percorrer nossos caminhos com sabedoria. A travessia pelas ruas goianienses será feita ao som de instrumentos ancestrais, com quatro naipes tocando alfaia, atabaque, agogô e xequerê, sob regência de Noel Carvalho, um músico cuja relevância no cenário musical goiano tem se mostrada cada vez mais notória.

Durante o trajeto percorrido pelo bloco Tambores do Orum, haverá ainda dramaturgia representando a dança dos orixás e voduns. Com coordenação de Terená Kanoute e Setchegon Sokenou, eles encenam com seus corpos os passos dos orixás no plano terreno, no qual demonstram a estética, a beleza e a força da ancestralidade trazida pelos povos negros. Dada a relevância cultural, convém compreendê-los como contraponto ao Ilê Aiyê, primeiro bloco afro-brasileiro, de Salvador, e entendê-los como representantes dos Orixás do Orum.


		Tambores do Orum movimenta ruas da região Norte de Goiânia

Batuque: bloco apresenta para público sons da diáspora.

Fotos: Lucas Almeida/ Divulgação


Além disso, pernas de pau trazem para as ruas Exú, Iemanjá e Xangô. Raquel afirma que o Tambores de Orum surge não como um movimento carnavalesco preocupado apenas com diversão ou lazer, mas carrega consigo também uma preocupação de natureza sociopolítica, de olho numa necessidade de se pensar a conscientização corporal a partir da positivação das belezas negras e da estética afro diaspórica: “nosso lugar de promover entretenimento de rua tem valor agregado em forma de educação e formação antirracista”.

Autora da composição e dos figurinos, Raquel define o grupo como “panafricanistas, afrofuturistas, levando para as ruas educação e cultura afro, somadas às tecnologias de terreiro”. O projeto possui ainda Angela Rocha como assistente de figurino, Rafaela Rocha na produção, Lucas Almeida (fotos dele ilustram esta reportagem) como fotógrafo e Milca Francielle no canto. Já Marcelo Marques está na coordenação das pernas de pau.

100% negro

Com violão dedilhado, percussão cobrindo os espaços e baixo suingado, Gilberto Gil canta: “que bloco é esse? Eu quero saber. É o mundo negro que viemo mostrar pra você. Que bloco é esse? Eu quero saber. É o mundo negro que viemo mostrar pra você”. Na próxima estrofe, ele fala que é crioulo doido bem legal e tem cabelo duro black power. “Branco, se você soubesse o valor que o preto tem/ Tu tomava um banho de piche, branco, e ficava preto também”, diz o tropicalista, numa poesia que enaltece a beleza da cultura afro-brasileira.

Gil celebra o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, surgido em 1974. Quatro décadas depois, Goiânia tem seu primeiro bloco composto só por pessoas negras. O incômodo dos fundadores do Ilê é o mesmo compartilhado pelos fundadores dos Tambores de Orum. “Eles perceberam, em Salvador, que até então os blocos eram compostos majoritariamente por pessoas brancas. Vemos nas ruas de Goiânia blocos hegemonicamente brancos e, com exceção de alguns afoxés, sem nenhuma conexão com a cultura afro”, diz Marcelo Marques.


Tambores de Orum procura dar continuidade para tradição que já ocorre pelo País, como Ilê Aiyê (BA), Filho de Gandhi (BA) , Òrúnmilá (RJ), Alafin Oyó (PE) e Ilú Obá de Min (SP). Esses blocos discutem a necessidade desapropriar o Carnaval dos brancos, devolvendo-o aos negros. Marcelo Marques, diretor-geral do Tambores, afirma que um dos princípios do aprendizado dentro da cultura afro diaspórica é absorver os conhecimentos e sabedorias dos ancestrais: “todo conhecimento preto foi trazido de forma dolorosa pelos escravizados”.

Segundo Marcelo, os blocos de Carnaval são extensão dos terreiros para as ruas. “A musicalidade do Carnaval é uma derivação dos acentos e células das cantigas de terreiro. O Carnaval brasileiro como conhecemos não existiria sem os ritos das afro-religiosidades com suas rezas tocadas e cantadas”, explica o diretor-geral, Marcelo Marques.

Tambores do Orum

Sábado e domingo

Concentração às 16h

Saída às 17h

Bar da Poliana,

Res. Nossa Morada, Rua Omari L. Martins

Rua MB 2 esquina com MB 10, Res. Morada do Bosque

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