Cultura

Eddie Vedder comove em belo disco com o qual invade território do Pearl Jam

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 15 de fevereiro de 2022 às 01:35 | Atualizado há 3 meses

Vira e mexe, o cantor Eddie Vedder, 57, nos impressiona ao se distanciar do Pearl Jam para flertar com novos horizontes artísticos. Entre uma música e outra, com versos engajados em causas sociais, é difícil dissociá-lo da banda em que se tornou um dos artistas mais importantes do rock nas últimas três décadas: o Pearl Jam, com seu estilo setentista meio The Who de “Quadrophenia”, está para o vozeirão em barítono de Vedder como os riffs para as letras que ele cria, ou seja, qualquer esforço solitário de um membro de banda que está há tempo na estrada pode lhe pôr em perigo.

Vedder escapou da autoindulgência e fugiu dos delírios do estrelado. Em “Ukulele Songs”, disco charmoso que lançou em 2011, o vocalista evitou meter-se em problemas dessa natureza. Mas seu novo álbum, já disponível nas plataformas de streaming, vai pelo caminho inverso. Muito mais ambicioso que o sucessor, “Earthing” conta com participação especial de Stevie Wonder, Elton John e Ringo Starr e foi produzido por Andrew Watt, conhecido por sacar a fórmula do sucesso em hits de expoentes do pop contemporâneo, como Justin Bieber, Post Malone e Miley Cyrus.

Belo e comovente, é o lançamento solo mais revelador feito pelo vocalista. Da primeira à última faixa, como se ele fosse um poeta beat fã de Jim Morrison, “Earthing” nos apresenta Vedder tal como já o conhecemos. Tudo está no disco, o rock acelerado, meio namorando o punk dos Ramones, ou até mesmo flertando com a levada sensível do country e do folk, à la Neil Young e Bob Dylan, além das baladinhas épicas, verdadeiras ternuras para a voz inconfundível do vocalista cantar. Sim, nada escapa do garimpo musical promovido por Vedder, dono de volumosa coleção de discos raros.

Earthling”: O novo disco de Eddie Vedder. – Entre Acordes
Capa do disco ‘ Earthing’, novo disco de Eddie Vedder

Assim como havia feito no disco em que trouxe de novo Ozzy Osbourne aos holofotes, Watt montou uma banda cuja missão era deixar a cama assentada para que Vedder pudesse compor. A guitarra de Josh Klinghoffer, ex- Red Hot Chili Peppers, é um tributo ao rock, casando-se numa simbiose perfeita com a voz de Vedder, o que apenas Stone Gossard e Mike Mccready fazem em álbuns aclamados, a exemplo de “Ten” e “Vitology”, ambos clássicos do rock feito nos anos 1990. Em “Earthiling”, estão num matrimônio com o groove das baquetas, o baixo, os solos.

A marca registrada de Vedder? Ora, a maneira com a qual ele pode soar confiante e vulnerável na mesma medida e, não à toa, nos momentos em que consegue chegar a esse equilíbrio representam os melhores de “Earthiling”. Em “Brother The Cloud”, por exemplo, ele fala sobre a partida de uma pessoa querida, certamente está canalizando a morte de Chris Cornell, enquanto expressa espasmos de dor: “entenda que não foi fácil para meu amigo”. De fato, Vedder, não foi. Na próxima faixa, “Fallout Today”, Vedder aborda a fragilidade e pensa sobre “segundas chances concebidas mais de uma vez”.

Até
que, entre um solo matador de guitarra, numa canção perfeita, admite: “todos
nós precisamos compartilhar e sacudir a dor.” Traçando um paralelo com a
discografia do Pearl Jam, a faixa poderia com tranquilidade estar no repertório
de “Vitalogy”, de 1994, um disco marcado por baladas como “Better Man” e
“Nothingman”.  Já os riffs de
“Earthiling” parecem uma releitura mais requintada do grunge de “Vs”, álbum de
93, que conta com as agitadas “Animal” e “Dissident”, além da balada
“Daughter”.

Em
“Earthiling”, Vedder está rejuvenescido, gritando no ritmo proposto pelas
baquetas de Chad Smith. A levada de Smith ainda brilha em “Rose Off Jerico”, um
hard-rock com groove funkeado e singelamente desequilibrado que é conduzido por
um riff entrelaçado a um discurso agressivo de Eddie Vedder sobre meio ambiente.
Semelhante ocorreu em “Gigaton”, disco lançado pelo Pearl Jam no ano retrasado,
quando esbravejou contra Donald Trump, mas agora o cantor persegue o novo.

A
abertura, com viradas na bateria, dedilhados no violão e uma guitarra porreta,
é incendiária: “Invincible” representa o cartão de visitas perfeito para ser
escutado no máximo do escárnio. Em seguida, agitadérrimas, “Power of Right” e
“Try”, culminando no ponto alto de um disco nota dez. Se a primeira tem um
vigoroso riff de guitarra, que fácil fácil levanta fãs em shows ao redor do mundo,
a segunda não demonstra calmaria, pelo contrário, no início gozamos de um solo
de gaita majestoso.

Quem
toca? Ninguém menos que Stevie Wonder. Dizem que isso é prazer raro que só os
próximos a Stevie têm o privilégio de vivenciar. Olivia Vedder, a filha do
cantor, participa da faixa. Outra canção que tem uma palinha especial é “Mr.
Mills”, pop rock, sem nenhum jeito de Beatles, com Ringo Starr comando os tons,
surdos, pratos e tambores. Em “Picture”, entre o country e folk, as baquetas
ficam por conta de Abe Laboriel Jr., músico do primeiro escalão e da banda fixa
de Paul McCartney, e o piano é tocado por um certo Elton John. Aqui, sem exageros,
dá vontade de chorar.

Inspirado pela poesia beat e versos escritos por Jim Morrison, a quem Eddie Vedder já confessou ser seu ídolo e com cuja banda se apresentou quando os The Doors foram indicados ao Hall da Fama do Rock, as letras mostram um artistas em permanente estado de mudança, como se a vida fosse um rio que desagua no mar, porém por onde passa antes arranca suspiros gostosos e deliciosos. Fazendo uso dessa metáfora, assim podemos definir o disco lançado pelo mestre Eddie Vedder. Não deixem de ouvir.


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias