Opinião

Escola pública, gratuita, democrática, laica e de altíssima qualidade

Diário da Manhã

Publicado em 9 de janeiro de 2016 às 22:48 | Atualizado há 9 anos

“Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.

É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.”

(Bertold Brecht)

 

2015, na educação, entra pra história em Goiás como o ano que não terminou. Sim, já estamos em 2016, porém na educação pública no Estado, ainda permanece um impasse construído pelo governo de Goiás por conta de uma visão verticalizada, unilateral e míope que acredita que os problemas da educação serão resolvidos em um passe de mágica, típico da inocência dos contos infantis. Contudo, a ideia apresentada pelo governo, como solução para educação pública em Goiás, está mais para conto da carochinha.

Mas afinal, por que o governo do Estado quer tanto terceirizar a educação pública em Goiás? O que faz o governante ignorar as múltiplas vozes que solicitam um debate maior, acerca de uma ação que interfere na vida de diversos atores sociais? Qual a intencionalidade do governo ao tratar a educação como mercadoria? Como algo a ser negociável.

No último dia 04 de janeiro, o Conselho Estadual de Parcerias e Desestatização, órgão ligado a Segplan, cujo titular é o Deputado Federal Thiago Peixoto, aprovou a transferência da gestão das escolas estaduais para as organizações sociais, por 36 meses. A ação evidencia como o governo lida com a complexidade da educação no Estado. Um conselho que mal conhecemos, que não sabemos quem o compõe, “autoriza” a terceirização das escolas. Esse governo não é sério. E prova com ações como esta que não respeita o Conselho Estadual de Educação, e nem os diversos atores sociais que compõem a teia complexa das relações que marcam o universo educacional.

A escola pública, gratuita, democrática, laica e de altíssima qualidade é a melhor escola que existe. Ela não é dádiva de nenhum governante ou partido político,mas sim fruto da luta de milhares de pessoas, insere-se como um direito social de tod@s. E qualquer alteração em seu modelo requer sensibilidade, princípio democrático, paritário e relações horizontais, para debater não um modelo, mas modelos de educação.

Na defesa e na luta para que a escola seja pública, gratuita, democrática, laica e de altíssima qualidade não podemos perder de vista a valorização dos profissionais em Educação, envolvendo a mobilização, a profissionalização, a carreira, o piso salarial profissional nacional, a garantias dos direitos sociais e a ampliação dos espaços de cidadania, incluindo as condições de saúde desses profissionais.

A educação básica, suas políticas e gestão, tem sido objeto de ampla reflexão nos últimos anos. Mas quais os desafios da escola hoje? São inúmeros, dentre eles problemas de gestão. Sobretudo, porque o gestor do Estado desconhece e ridiculariza aqueles que lutam e defendem a escola pública em Goiás. Atribuir a uma pessoa que abre mão de passar as festas de fim de ano, no convívio de seu lar, para dormir em um colchonete, em lugares em que sequer há um banheiro com chuveiro para um banho digno, a alcunha de baderneiro e vagabundo, evidencia que a vida do lado de dentro de um palácio é bem distante da realidade da plebe.

A Constituição elegeu a educação como direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205). Os princípios regentes do ensino (educação formal e regular), devem-se pautar na igualdade de condições de acesso e a permanência na escola; na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; na coexistência de instituições públicas e privadas; na gestão democrática; na garantia de padrão de qualidade; valorização dos profissionais da educação escolar, através de piso salarial profissional nacional, planos de carreira e do ingresso por concurso público aos da rede pública (art. 206).

Todos sabem quais os desafios da educação e quais as soluções, porém o que se percebe é que nenhum governante nunca na história desse país elegeu a educação como prioridade. E quando resolve fazer algo, mete os pés pelas mãos, temos propostas privatizantes e neoliberais, como essa do governo de Goiás, de transferência de gestão das escolas para organizações sociais. O neoliberalismo induz uma depreciação dos valores e dos compromissos sociais do Estado brasileiro, atingindo fortemente a educação e demais políticas públicas. A nossa educação pública ainda tem um passivo que remete a uma agenda do século XIX, e com a terceirização das escolas, esse passivo será mais uma vez negligenciado.

Para contrapor isso, devemos tratar a educação como formação do novo cidadão. A educação, senhor Governador, ao contrário do que vossa excelência assinala, deve ser tratada como política sim, como atuação na sociedade. A educação é o lugar de atuar na sociedade. Chegou a hora dos dirigentes aprenderem. É preciso que os dirigentes aprendam a aprender, a escola precisa aprender, o professor também tem que aprender. O professor na educação básica, diante da quantidade de informações que existem, não deve ensinar, ele deve estimular a aprendizagem. Porque ninguém ensina o que o outro, de algum modo, não perceba, intua, seja estimulado. Porque o aluno pode decorar, mas aprender, a gente só aprende o que nos toca: afetivamente, humanamente. Por isso, afirmo que os que ocupam as escolas, também não estão satisfeitos com o atual modelo de educação. Não, não é o debate, como o governo tenta passar para sociedade, entre os que querem mudanças, e os que querem deixar tudo do jeito que está. Não queremos. Queremos uma nova escola pública, mas que nasça da construção coletiva de alunos, pais, professores e não do autoritarismo marconista.

 

Grande Vigarice

O tradicional e irônico desenho Os Simpsons, é uma série estadunidenses que critica o modelo de vida do americano de classe média, no episódio 9, que recebe o título de “Grande Vigarice”, da 11ª temporada mostra muito bem o real objetivo da OSs na educação, o modelo de lá, conhecido como Charters Schools, recebe a crítica do cartoon de Matt Groening, por meio do episódio em que uma sinistra empresa de brinquedos forma uma gestão compartilhada com a Escola Elementar de Springfield e usa os alunos para as pesquisas de Funzo, o próximo “Tickle Me Elmo”. Sensação para o Natal de Springfield. O brinquedo é um enorme sucesso, em parte porque ele é programado para destruir os outros brinquedos. Quando o Funzo começa a destruir os outros brinquedos, Lisa diz: “Ele deve estar programado para destruir a concorrência.”, Bart completa: “Que nem a Microsoft?”;

Bem, para nós, resta dizer que as OSs estão programadas para destruir a escola pública.

É preciso ter a compreensão de que a qualidade da educação deve apoiar-se nos eixos financiamento, valorização profissional, gestão democrática e avaliação institucional, cada um na sua dimensão e complexidade que extrapola os próprios sintagmas. E não em militarização do ensino ou muito menos terceirização das escolas públicas. O sonho da escola pública, gratuita, democrática, laica e de altíssima qualidade, permanece vivo nos corações e mentes daqueles que a defendem, nas ocupações pelo Estado. Sonho que mantem vivo os ideais de Rosa-María Torres, Mariazinha Fusari, Maria Teresa Mantoan, Êda Luiz, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e muitos outros conhecidos e anônimos que acreditam na força dessa instituição. Viva a escola pública, gratuita, democrática, laica e de altíssima qualidade, viva os estudantes secundaristas de Goiás. #osnão

 

(Edergênio Vieira, poeta e educador na Rede Municipal de Ensino de Anápolis – @edergenio)

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