Marcelo Nova lança disco de inéditas em show no Bolshoi
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 20 de outubro de 2023 às 23:50 | Atualizado há 4 meses
E, então, você se convence de que é bom estar vivo. Ora, viverá pra ver Marcelo Nova desencapar os fios do rock’n roll no palco do Bolshoi, neste sábado, 21, a partir das 20h, num show em que o músico soteropolitano apresenta ao público goiano repertório do disco “As Cartas que Eu Nunca Escrevi” (2023), já disponível nas plataformas de streaming. É o último trabalho dele, mergulhado num texto denso, quase afogado nas águas da poesia – uma poesia cujo eu-lírico nos diz que gosta de trabalhar na cama, como fazia Marcel Proust.
E, então, sorrindo de orelha a orelha, você levanta as mãos pro céu ao se dar conta que Marcelo Drummond Nova, 72, preserva o veneno sarcástico do rock brasileiro. Com o Camisa de Vênus, tornou-se conhecido pelo tom demolidor, perturbador, feroz e alucinado com que conduz suas apresentações. Antes de tocar no álbum “Hoje no Bolshoi” (2011) a controversa faixa “Cocaína”, música lançada no álbum ”Grampeado em Público” (1999), ele coloca o dedo na ferida: zombou das drogas e, acredite, riu de uma preocupação materna.
“Essa próxima canção eu gravei no final dos anos 90, e aconteceu algo curioso com ela: uma rádio em São Paulo começou a tocá-la e se tornou a música mais pedida e, ao mesmo tempo, a mais pedida para não tocar. Só acontece comigo essas coisas. E é uma canção chamada ‘Cocaína’. Uma senhora mãe de uma ouvinte, de uma garota, ligou pra rádio indignada e os caras da rádio me pediram pra falar com ela ao vivo”, conta o icônico vocalista do Camisa, arrancando aplausos do público enlouquecido que se fazem ouvir ao fundo da gravação.
Marcelo – destemido – vai em frente: “A mulher diz: ‘Estou decepcionada, porque você é um ícone e você está estimulando nossa juventude a usar drogas. Eu disse: ‘é mentira, minha senhora’. E vou provar-lhe que é mentira. Como posso incentivar o uso de drogas se não assisto nem a Globo, nem o SBT, nem a Bandeirantes, nem a Record e nem a Rede TV? Essa canção é sobre a dor humana e nossas vãs tentativas de anestesiá-las”, debocha.
Até Salvador, terra de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa, teve sua banda punk. Formada pelo DJ Marcelo Nova, o Camisa de Vênus lançou em 1982 um single com duas músicas – “Controle Total” e “Meu Primo Zé”. “Surrupiadas, respectivamente, de ‘Complete Control’, do Clash, e ‘My Perfect Cousin’, dos Undertones”, aponta o jornalista Ricardo Alexandre, na obra “Dias de Luta: o Rock e o Brasil dos Anos 80”, em que discute o contexto sócio-histórico que proporcionou surgimento do movimento hoje conhecido como BRock.
Camisa de cara nova: banda ganhou jovialidade do guitarrista Drake Nova, filho de Marcelo. Foto: Divulgação
Só que o Camisa sempre foi, na verdade, muito mais uma banda de rock, com um tempero de rockabilly. No entanto, se mostrava punk por meio do discurso feito por Marcelo, esforçando-se para ser polêmico, sujo e tosco. Fascinou-se por tal estética quando percebeu que havia a possibilidade de que alguém como ele, mesmo sem ter tido carteira assinada, pudesse fazer sua parte. Marcelo já declarou um bocado de vezes que, quanto ao coturno e casaco de couro, nunca se identificou. Aliás, não se identifica com nenhum movimento.
Hits
Fundador do Camisa de Vênus, uma das mais enérgicas dos anos 80 (fizeram show no Goiânia Noise, em 2017, no qual botaram pra f…), o artista baiano se consagrou como autor dos hits “Bete Morreu”, “Eu Não Matei Joana D´Arc”, “Hoje”, “Silvia”, “Simca Chambord”, dentre tantos outros. Nascido em agosto de 1951, Marcelo se apaixonou pelo som de Little Richard e Chuck Berry muito novo. Gosta também de blues, especialmente do mestre Howlin’ Wolf, um dos grandes expoentes daquela música brilhante surgida em Mississippi.
Seus álbuns, “Camisa de Vênus” (1983), “Batalhões de Estranhos” (1985) e “Correndo o Risco” (1986), incendiaram o rock brasileiro. Mas “Viva”, o bolachão com o qual arrebentou a porta, elevou as coisas a outro patamar. “Silvia”, parceria de Marcelo com o baixista Robério Santana, causa pavor (com razão) ao movimento feminista e em pessoas que sejam dotadas de bom senso. Um trecho publicável fala mais ou menos isso: “Ô Silvia, piranha!/ Vive dizendo que me tem carinho/ Mas eu vi você com a mão no p… do vizinho…”.
Camisa sacudiu rock brasileiro nos anos 80 com letras debochadas. Foto: Divulgação
Com Santana no baixo, os guitarristas Karl Hummel e Gustavo Müllem e o baterista Aldo Machado, o Camisa se tornou um fenômeno. Lotava o Circo Voador, no Rio de Janeiro, e levava mais de 20 mil pessoas ao Farol da Barra, em Salvador. Luiz Sérgio Carlini, lendário guitar hero brasileiro, disse ao DM que o Camisa no palco se mostrava um grupo de “forte impacto”. “Era poderoso”, afirmou o músico, que gravou dois poderosos discos: “Plugado” (1995) e “Quem é Você” (1996), onde conheceu Eric Burdon, icônico vocalista do The Animals, e tocou com Raimundos “Essa Linda Canção”, faixa do álbum seguinte.
Nos anos 80, Marcelo foi responsável por tirar Raul Seixas do ostracismo e lhe oferecer um fim de carreira no mesmo patamar de como vivera até ali. Ou seja, deu-lhe dignidade. Raul precisava dela. Juntos, Marcelo e Raulzito lançaram o elepê “A Panela do Diabo”, em 1989. Eles se conheceram anos antes no Circo Voador, quando interpretaram durante show do Camisa clássicos de Little Richard, Elvis Presley e Chuck Berry, numa apresentação que virou uma das mais icônicas do rock brasileiro.
Essa sonoridade costura todo o disco “As Cartas que Eu Nunca Escrevi”, último disco de Marcelo Nova. É um trabalho permeado por riffs empolgantes, frases sedutoras num pianinho safadérrimo e poderosas imagens poéticas. Embora esteja no Spotify, trata-se de disco que dá um chega pra lá na ideia de que, para funcionar no streaming, uma música precisa ter – no máximo – dois minutos e meio: existem faixas de cinco, sete e nove minutos! Marcelo não está nem aí pra isso. E nós, claro, adoramos. A entrada para o show realizado no Bolshoi custa R$ 50 e os ingressos estão sendo vendidos pelo site Sympla.
Marcelo Nova no Bolshoi
Sábado, 21, a partir das 20h
Bolshoi Pub
R. T-53, 1140, St. Bueno
Ingressos a partir de R$ 50
Compra pelo Sympla
Marcus Vinícius Beck