Cultura

Ponto alto de ‘Hackney Diamonds’ é dueto dos Stones com Lady Gaga

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 19 de outubro de 2023 às 22:22 | Atualizado há 4 meses

Se Mick Jagger ensina a você como permanecer jovial, Keith Richards mostra que é possível ver o tempo passar sem perder o espírito rock’n roll. Veste-se de preto, usa óculos escuros de aro arredondado e preserva o requinte sarcástico, que lhe é tão peculiar quanto seus riffs de quatro notas tocados na indefectível Telecaster amarela e preta. Já Ron Wood parece estar numa situação confortável entre essas duas lendas. Sua função ali é nobre: evitar conflitos. 


Valeu a espera, “Hackney Diamonds”. Não tem nenhuma música mais ou menos, nem digo ruim, porque nada que os Stones fazem sequer passa perto de ideia similar à baixa qualidade. É rock cru, em estado bruto, pulsante. Músicos talentosos comandando a festa. Nem é preciso pensar demais, só tocar – e esses caras se dedicam a fazer isso desde quando Jagger e Richards se encontraram na estação ferroviária de Dartford, a 25 km de Londres. 


Dois objetos de Jagger chamaram atenção de Richards: um disco de Chuck Berry e outro de Muddy Waters. Fã dos dois, o guitarrista não demorou a puxar papo com o rapaz que caminhava em direção à London School Of Economics. Ambos alimentavam devoção quase religiosa ao rock e ao blues. As pedras demoraram cinco anos para começarem a rolar, até o elepê “Aftermath” (1966) apresentar o poderio sonoro da banda, com “Under My Thumb” e “Lady Jane” – o hit “Paint It Black”, da mesma época, só saiu na versão norte-americana. 

 


		Ponto alto de ‘Hackney Diamonds’ é dueto dos Stones com Lady Gaga

Faixas de “Hackney Diamonds” são um deleite aos nossos ouvidos.

Foto: Mark Seliger/ Divulgação

 


As onze faixas de “Hackney Diamonds” são um deleite aos nossos ouvidos. Agora oitentão, e com os companheiros Richards e Wood quase lá, Jagger continua reinando ao usar o gogó. Mas não só sua voz está nos trinques aqui, como também os arranjos, primeiro com as inconfundíveis guitarras, depois com os grooves desenhados no baixo por Darryl Jones e, por fim, com o bumbo de Steve Jordan, substituto de Charlie Watts, falecido em 2021, aos 80 anos. Uma banda de rock precisa ter alguém bom segurando as baquetas lá atrás. 


Já tentei escrever zilhões de vezes sobre a sensação que é esperar anos por um disco de inéditas anunciado por Jagger, Richards e Wood (Charlie, você nunca será esquecido), mas acabo sempre voltando a faixa pro início, me levanto da cadeira, escuto os singles (“Angry” e “Sweet Sounds of Heaven”) de novo e me deixo cair no rock. Não nego pra ninguém: curto música que tenha alma. Os Stones têm alma, organicidade e paixão. Ah, caras, obrigado!


“Hackney Diamonds” abre com “Angry”, eleita pela banda a música de trabalho, lançada nas plataformas de áudio no mês passado. É impossível ouvi-la como se ouve cacofonias pop por aí. Ao menos para um fã, pode apostar, é. Se você ainda não percebeu, não renego minha posição de stoniano indefectível. Pra mim, Keith Richards não deveria nunca parar de criar seus riffs e nem Ron Wood abdicar dos seus solinhos que põem em diálogo as frases rítmicas de Richards. A voz de Mick Jagger, aqui, mostra toda sua extensão vocal.

 


		Ponto alto de ‘Hackney Diamonds’ é dueto dos Stones com Lady Gaga

Charlie Watts: disco possui duas faixas com baterista comandando a cozinha.

Foto: Divulgação

  


Só que falta um componente em “Angry”. Um importante componente, aliás: a bateria de Watts. Ok, Steve Jordan comanda com dignidade o bumbo dos Stones. Mas ele não é o gentleman da baquetas, tampouco quer sê-lo, apenas dita o ritmo pra Keith, que olha pra Ron, que olha pra Jagger e, em 15 segundos, não mais do que isso, a mágica está feita: música orgânica, verdadeiríssima. Sinfonia de guitarras, linha de baixo e aquele pianinho safado que amamos. Depois disso, amarre os pés e as mãos. Nada haverá de ser tão bom.


Participações


Não será mesmo, pois Elton John põe a beleza de suas teclas a serviço do rock stoniano. A melodia cria um ambiente contemporâneo (mérito do produtor Andrew Watt, que já trabalhou com Ozzy Osbourne, Justin Bieber, Elton John, Eddie Vedder, Miley Cyrus) para a explosão, como num gozo de casal apaixonado, causada pelo saxofone. Na toada de “Dead Flowers”, faixa de “Sticky Fingers” (1971), vem o country “Depending On You” – Jagger reflete sobre a finitude da vida. Nós apenas seguramos as lágrimas. Chora-se também em “Bite My Head Off”, que tem o beatle Paul McCartney no baixo.


“Whole Wide World” é stones puríssimo: simples e direto. Jagger lança na letra um olhar afetuoso (poderia-se dizer até com texturas melancólicas) para o passado. Só que a banda nunca se distancia do futuro, embora a próxima canção, “Dreamy Skies”, carregue aquela sonoridade country que os Rolling Stones tanto amam e já contaram a seu favor com a slider guitar tocada por Ry Cooder em outrora. Mas o que vem a seguir fará um fã mais emotivo chorar: “Mess It Up” é uma das canções que tem o ritmo guiado por Watts. 


Quem também toca em “Live By The Sword” é Bill Wyman, baixista da formação original. Elton John, dessa vez numa participação sem tanto brilho, oferece acordes que energizam duas guitarras, alma da musicalidade stoniana e copiada (quase sempre sem tanta eficiência) por adolescentes que tocam rock em garagem mundo afora. “Driving Me Too Hard” é outro country da lavra Jagger/Richards, com as duas guitarras falando entre si. Que entrosamento!

 

  

Como ocorre desde “Let It Bleed”, elepê lançado pelo grupo londrino em 1969, Keith Richards assume os vocais, num blues – claro – de acordes melancólicos em sétima. O guitarrista-pirata prepara o terreno para a explosão de prazer, em “Sweet Sounds of Heaven”, dueto (ou podemos chamar de duelo?) entre Jagger e Gaga. Aliás, o maior momento da música neste ano aconteceu porque a cantora estava num estúdio ao lado e revolveu ver como andavam as gravações. Bom, o que ocorreu foi um som matador. 


“Sweet Sounds of Heaven” tem um dos melhores inícios da discografia stoniana: um piano arpejado com uma ou duas blue notes é costurado pela guitarra de Keith Richards. Aí, como só esses caras sabem fazer, entra a voz de Mick Jagger. Um pouco mais à frente se percebe o timbre de um teclado Fender Rhodes. Lady Gaga responde à voz de Mick. Stevie Wonder parece estar numa igreja. E, então, “Rolling Stone Blues”, releitura do bluesman Muddy Waters: violão, gaita, voz. Talvez seja uma “despedida”. Jagger e Richards, obrigado!

Hackney Diamonds


Faixas: 11


Gênero: rock, blues, gospel


Disponível amanhã no streaming

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