Comédia romântica em livros de bolso marcou gerações de mulheres
Rariana Pinheiro
Publicado em 8 de setembro de 2023 às 21:48 | Atualizado há 4 meses
Sabrina, Julia, Bianca. A história de reviravoltas de amor de muitas dessas personagens movimentavam o imaginário de jovens na década de 70, 80 e 90. Com fórmula parecida, estes livros, que foram lançados pela Editora Nova Cultural e traziam como autoras nomes norte-americanos, com clichês e pitadas picantes, eram sucesso de vendas. Hoje, são considerados as “avôs” da literatura destinadas às mulheres, que faz sucesso até hoje, a exemplo de “Cinquenta Tons de Cinza” e a saga “Crespúsculo”.
A professora universitária aposentada Cida Borges, 66, que é agente cultural, escritora e roteirista, conta à reportagem do Diário da Manhã que era uma criança e adolescente aficionada por ler. “Eu lia gibis e leio até bula de remédios”, diz ela, que se deparou com a série de livros quando tinha cerca de 12 anos e, a partir de então, se entusiasmou.
“Comecei a ler primeiro com as fotonovelas, depois essas revistas. As histórias me faziam viajar. Eu me inseria no lugar das personagens, viajava para os lugares que as personagens viviam, tomava as decisões, chorava e ria”, recorda Cida.
Ela lembra ainda que, na época, encontrava essas revistas facilmente nas bancas de revistas e havia a possibilidade de trocar as antigas por novas. “Comprava as revistas em uma banca em Campinas, na 24 de outubro, perto do Cine Campinas e em frente ao Bar do Chico, onde tinha o picolé de coco queimado mais gostoso da cidade”, detalha.
Se por um outro lado era fenômeno de vendas, Cida lembra que esse tipo de leitura era visto por muitas pessoas com preconceito. “Eu estudava em colégio católico, de freira, que não aceitava muito bem que nós consumíssemos este tipo de conteúdo”, diz.
Escritora Cida Borges gosta de escrever e ler outros estilos, mas já teve a sua fase de livros como “Sabrina”. Foto: Acervo Pessoal
Mesmo assim, ela seguia lendo. Porém, conta, o interesse pela literatura romântica passou após ter filhos. Mas, ressalta, nunca deixou de ler. Ou seja, essas histórias podem ter lhe inspirado a seguir carreira como escritora e roteirista. “Porém, faço mais documentários e, hoje em dia, gosto mais de suspense, como de Agatha Christie”, diz.
Já Glória Dias, 60, era outra adepta aos livros da coleção “Sabrina” e afins. Ela recorda de também trocar os livros nas bancas de jornais. “Sempre queria ter acesso a mais revistas. Achava ótimo viajar nessas histórias em que eu me imaginava como protagonista”, diz.
Atualmente, ela explica que sempre que tem tempo, lê ou assiste as novas comédias românticas disponíveis no mercado. “Gostei muito dos livros da trilogia ‘Cinquenta Tons de Cinza’, li todos”, afirma.
Ainda tem?
A fase de antigas leitoras, como Cida de Glória, com os livros de bolso, pode até ter passado. No entanto, tais publicações resistem e podem ser encontradas. De acordo com levantamento feito pela reportagem Diário da Manhã, ainda há leitores do gênero e locais para comprar em Goiânia, como livrarias e sebos.
Conforme uma das proprietárias da livraria Livros e Cia, que está localizada no Centro de Goiânia, ainda há este tipo de livros no espaço e ainda há público. “Semanalmente, temos clientes mulheres que até hoje trocam dois livros lidos por um novo”, afirma.
Luiz Antônio, que é um dos proprietários do sebo Hocus Pocus, explica que no seu espaço não há mais estes livros, mas que ainda vendem publicações da Harlequin, que herdou esse nicho, e também despertam certo interesse nos dias atuais. “Na verdade, o interesse não é tão grande. Nada é tão procurado (risos), mas há uma certa procura. Basicamente buscam estes livros de mulheres de meia idade”, relata.
Como começou?
A primeira coleção destinada às mulheres no Brasil foi lançada em meados de 1930, com a Companhia Editora Nacional, responsável por editar coleções chamadas Azul, Rosa e Verde. Desses selos, o mais popular foi a Coleção Verde, também chamada de Biblioteca das Moças que contava com 175 títulos e terminou na década de 60.
Já em 1977 a editora paulista Nova Cultural lançou “Sabrina”, que se tornou um fenômeno. Daí em diante foi lançado “Julia”, e “Bianca”. O sucesso era estrondoso. Esses romances chegavam a atingir 600 mil exemplares por mês.
Vale ressaltar que em cada uma das séries a protagonista que intitulava o nome do livro se comportava de maneira diferente. Sabrina, por exemplo, trazia histórias mais dramáticas, carregadas de conflitos amorosos e familiares, regados de lágrimas e sangue, bem ao estilo da novela mexicana “Maria do Bairro”, sucesso por anos na tela do SBT.
A série “Bianca”, por sua vez, abordava os relacionamentos amorosos de uma forma mais clássica, poética até, com uma pitadas de romance romântico e não tinha espaço para momentos picantes. “Julia” era voltada para mulheres mais modernas e liberais em seus relacionamentos.
Mas todas as histórias tinham mais semelhanças do que diferenças: traziam casais na capa considerados padrões de beleza e sensualidade na época. As histórias tinham sempre finais felizes e eram assinadas escritoras desconhecidas, com nomes norte-americanos, como Anne Hampson, Sara Craven, Margery Hilton, Violet Winspear .
“Quando uma escritora era convidada a escrever um enredo para qualquer um dos três selos da Nova Cultural, ela tinha de seguir uma estrutura narrativa única e que pouco ou quase nada mudava. Uma verdadeira cartilha. Ah! Eram contratados apenas escritoras desconhecidas da grande massa de leitor. Muitas delas sem nenhuma bibliografia na Net”, diz o jornalista e radialista José Antônio, em publicação no blog “Livros e Opinião”
Ler ou assistir comédia romântica faz bem? Veja o que dizem as pesquisas
Os livros das bancas, claro, perderam sua força. Mas o seu formato e conteúdo estão longe de saírem de moda, em novelas, séries e filmes. As comédias românticas são muito acessadas: há clássicos, como “Uma Linda Mulher”, picantes como “Cinquenta Tons de Cinza” e mais recentes como “Crepúsculo”.
Isso prova que o gênero se renova e, goste-se ou não dele, é preciso conviver com ele. De acordo com uma pesquisa, assistir este tipo de conteúdo pode trazer sensação de bem estar.
Pesquisadores do Instituto Max Planck de Estética Empírica (Alemanha), no entanto, investigaram quais filmes de comédia romântica são considerados prototípicos pelos espectadores e quais fatores constituem seu efeito de bem-estar.
Cena do filme ‘Uma Linda Mulher’, com Julia Roberts e Richard Gere. Foto: Divulgação
Os filmes mais identificados como típicos da comédia romântica incluem “Simplesmente Amor”, “Uma Linda Mulher”, “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e “Intocáveis”.
“Além de um elemento de humor e do clássico final feliz, os filmes de bem-estar podem ser identificados por certos padrões e personagens que frequentemente são pessoas desajustadas em busca do amor verdadeiro, que precisam provar seu valor e lutar contra circunstâncias adversas, e que acabam descobrindo seu papel na comunidade”, explicou o pesquisador que integrou o estudo Keyvan Sarkhosh.
Já outra pesquisa, realizada por cientistas do Laboratório de Relações Pessoais e de Família da universidade, os filmes e as revistas mostram situações idealizadas, distantes da realidade de seu público, criando expectativas que não serão correspondidas.
Como se faz uma comédia romântica, segundo crítica Isabela Boscov
45% das comédias românticas são sobre casais improváveis.
45% são sobre casais que acham que se detestam, mas se adoram.
Nos 10% restantes estão filmes que são variações desses dois cenários dominantes, com uma ou outra ideia diferente.
Mas o que importa é que o desenrolar do longa-metragem é divertido, bem bolado, e se o espectador acaba torcendo para que as duas pessoas terminem juntas.