Galhofada está de volta neste fim de semana com programação de espetáculos e oficinas
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 31 de agosto de 2023 às 23:30 | Atualizado há 2 anos
Bem que Antonin Artaud (1896-1948) avisou: “A alma dos homens não está nas palavras”. Essas aspas caem como luva de pelica ao serem aplicadas à 18ª Pequena Mostra de Teatro de Rua (Galhofada), evento que volta neste fim de semana a acontecer na Oficina Cultural Geppetto e Ilha da Galhofada, no Setor Pedro Ludovico, em Goiânia.
A Galhofada privilegia neste ano formato compacto, no qual necessita de apenas dois dias para apresentar os espetáculos ao público, mas é certo que a intensidade cênica irá se fazer presente. Como costuma dizer o produtor cultural e diretor Rafa Blat, o festival tem a pluralidade como eixo estruturante. “É a pluralidade de um encontro forte e a união das artes que transforma uma comunidade e promove intercâmbio artístico”, afirma Blat.
Nos dois dias em que a mostra acontece, as artes cênicas convivem com as oficinas e as atividades comunitárias que abraçam as pessoas presentes e lhes garantem acesso à cultura. E o melhor de tudo: ao ar livre. É um cenário circense, mambembe, esse é o xis da questão. Daí as multidões procurarem sossego na Ilha da Galhofada, apelido dado pelos moradores do Pedro Ludovico. Afinal, trata-se de iniciativa já consolidada na cena goianiense.
Segundo a atriz Izabela Nascente, que acompanha a mostra desde sua primeira edição, a Galhofada conecta o público ao passado, revelando “os passos amplos do tempo”. “É fascinante observar fotos de crianças das primeiras edições, agora transformadas em jovens. Por consequência desse encontro, alguns foram influenciados e, hoje, são artistas ou profissionais que exibem sensibilidade e criatividade em várias áreas”, pontua Izabela.
Plantada em 2004, quando o evento estreou, a semente da Galhofada dá frutos desde que a população deu aquele empurrãozinho à incipiente efervescência artística. Sem demorar, tornou-se marco da cidadania cultural nas imediações do setor Pedro, como a população da Capital goiana carinhosamente se refere ao bairro que leva o nome do interventor de Getúlio Vargas em Goiás. Era o anseio por opções de entretenimento e lazer. Não dizem que cultura é direito de todos? Pois é, é a Galhofada galhofando, desculpem o trocadilho.
Bastaram apenas dois dias para que o público estivesse aos pés dos artistas nas ruas. “A generosidade deles ao doarem seus trabalhos é inspiradora, demonstrando que o comprometimento com esse projeto continua vibrante e resiliente. Apresentar ao público uma rica exposição do que é produzido em nosso estado contradiz a noção equivocada de que Goiás carece de produção artística. A Galhofada destaca uma arte com identidade, vigor e engajamento. Ela é nosso patrimônio e fonte de alegria”, diz Izabela, da Nu Escuro.
Nossa gente
Uma das peças que integra neste ano a programação da Galhofada é o musical “Viola Cabocla – A História da Viola”. Reestreia neste sábado, 2, na Gepetto (Rua 1013, 467, Pedro Ludovico), após turnê que percorreu cinco cidades do interior goiano. O texto – primor de brasilidade – enfoca a chegada da viola ao Brasil, desde que foi trazida pelos jesuítas, como instrumento de aculturação e catequese, passando pela música sertaneja raiz. Hoje, virou símbolo da nossa cultura, com variedade de afinações, ritmos e, veja só, até segredos.
Para se ter uma ideia, a viola caipira possui especificidades que mudam de região para região do País. Mas em poucos Estados ela se aclimatou tão bem, como ocorreu em Goiás, por exemplo. O que levou o dramaturgo Nilton Rodrigues – é dele texto do espetáculo – a declarar que o instrumento parece ter sido feito “por encomenda” para o povo goiano. “Os diversos ritmos, os rasqueados, os floreios e os solos de viola fazem vibrar as fibras da alma do nosso povo, profundamente identificado com a música caipira de raiz”, atesta Nilton.
Em matéria de transposição à linguagem cênica, a peça exibe riqueza cenográfica. Segundo a diretora do espetáculo, Maria Cristina, a montagem foi um desafio prazeroso. “Os versos escritos por Nilton Rodrigues, para contar a história da viola, desde suas origens obscuras, passando por Portugal, até chegar ao Brasil, são muito ricos em imagens. Então, na encenação, procurei representar esse universo imagético dos versos”, emenda a artista.
O cenário é, quase em sua totalidade, composto por elementos que remetem à cultura goiana, em especial a caipira. Assinado por Cláudio Livas, o figurino estabelece diálogo com o tema da peça. Está tudo documentado ali: a pesquisa sobre as origens incertas da viola e sua história, a percepção de seu inseparável vínculo com a cultura popular brasileira – desde os cantadores de feira, os repentistas, os desafios, as narrativas da vida rural brasileira.
Amarras do sistema
Nada melhor para marcar o retorno da Galhofada. Segundo Marcus Lotufo, da Oficina Geppeto, a importância do festival reside no fato de representar o momento em que o movimento cultural se liberta das amarras oficiais e da dependência do sistema. “O teatro sai na frente, mas todas as áreas se representam ou se sentem representadas e continua existindo enquanto movimento, porque ainda não encontramos uma formulação melhor e dinâmica para as políticas culturais oficiais”, diz Lotufo, que também é professor de arte.
Ah, vale dizer que o termo “Galhofada” remete à ideia de diversão expansiva e zombeteira. A palavra “galhofar” significa gracejar ou divertir-se. Com isso em mente, a primeira Galhofada surgiu da necessidade dos grupos teatrais de Goiânia se conectarem com público que tinha limitado acesso aos espaços culturais. A Galhofada não recebe financiamento público direto. É mantida por meio do comprometimento e colaboração dos envolvidos.