Conheça Cantinho da Negra, a melhor feijoada de Goiânia
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 26 de maio de 2023 às 09:00 | Atualizado há 2 anos
Sábado tem uma feijoada completa (diria à vontade, mais apropriado ao caso) no Cantinho da Nega, restaurante que fica na Rua 220, no Setor Leste Universitário. Torresmo crocante e arroz soltinho, laranja açucarada e couve verdinha, feijão preto perfumado e linguiça calabresa. Ah, e a cerveja – sempre Antartica ou Brahma na modalidade garrafa 600 ml – chega ao copo americano do freguês aclimatada à temperatura do inverno seco, ou seja, bem gelada, com canela de pedreiro e o que mais lhe é de direito. Difícil dar errado.
Um casal, se beber quatro ou cinco, gastará – em média – R$ 80. Quem se aprochegar à casa no Universitário apenas para almoçar no sabadão diminui esse custo, pelo menos, em até R$ 20. O conselho, para o caso de o leitor ser vilaboense de fé, é parar por lá em dia de Vila Nova: Nega Brechó estará vestida com o manto colorado, torcerá para seu amado time do coração deslanchar na Série B e demonstrará apreensão com resultado da peleja. Vila é Vila.
O DM visitou o Cantinho da Negra num dia que fazia calor, fazia calor e a gente comia feijão, para citar crônica do mestre Rubem Braga. Nada mais honesto que três brasileiros (sendo o repórter, a esposa e a amiga) empanturrar-se de feijoada. Tinha sido uma semana de trabalho, e todos se alimentavam com afã. Coraram-se de comer e de beber, esses dois verbos que, de alguma forma, garantem a vida no presente do indicativo, garantiram-na nos pretéritos perfeito e mais que perfeito, além de garanti-la no futuro também.
Como manda a etiqueta após uma feijoada completa, respira-se com prazer, porque não há nada que chegue aos pés de uma boa laranja. Braga defendia a tese segundo a qual, uma vez com o pandu devidamente cheio, o certo pelo certo mesmo seria desaguar uma chuva. “Para o repouso dos guerreiros”, dizia o escriba, referência na arte de extrair beleza do cotidiano. Só o último ponto elencado pelo escritor que não faz sentido. Ao menos para nós, goianos.
A música de fundo é samba: Paulinho da Viola ou Martinho da Vila, Chico Buarque ou Elza Soares, Beth Carvalho ou Clara Nunes. É possível cravar que, graças ao som tocado na casa, o público frequentador seja composto por estudantes, professores, artistas e jornalistas. Afora esses tipos, encontra-se por lá pais com filhos, casal de namorados e gente extraviada no mundo, digo, solteiro. Boa comida é direito sagrado, de todos e para todos, ou não é?
Depois da feijoada, laranja (abacaxi, como serve a Nega Brechó) e samba, poderia acontecer quê mais? Pois tome lá, meu guri: Nega interpela o repórter, perguntando-lhe onde poderia comprar um exemplar impresso do DM. “Uai”, começa, “nas banquinhas do centro vendem, ali da Avenida Goiás”. Ela abre um sorriso, diz que o texto publicado neste espaço em maio do ano passado foi bom e convida o escriba a retornar ao Cantinho da Nega, restaurante da icônica vilanovense na Rua 220, no Setor Leste Universitário. Anote aí: feijoada é lá.
Feijoada aclimatada
É, mulher, você vai fritar um montão de torresmo. Arroz branco, farofa e malagueta. Laranja-bahia ou seleta. Ah, vamos botar água no feijão. Essa letra, consagrada pelo cantor e compositor Chico Buarque, receita um dos pratos brasileiros mais procurados. Desde o século 19, quando apareceu na gastronomia brasileira, a iguaria está na mesa de boa parte da população brasileira. De região para região, por exemplo, ganha identidade própria.
Fala-se – do oiapoque ao chuí – que o prato nasceu nas senzalas do Brasil durante o período escravocrata, cuja abolição só foi ocorrer no final do século 19. Segundo essa versão, os trabalhadores escravizados ficavam com as partes consideradas menos nobres no porco, como rabo, orelhas ou pés. Era da mistura de carne com feijão que nascia o prato, de acordo com a história contada de geração para geração. Mas há controvérsias.
Para Carlos Alberto Dória, doutor em sociologia e autor da obra “Formação da Culinária Brasileira”, a mais provável versão do fato diz que a origem do prato acontece na Europa. Na cozinha portuguesa, havia receitas que usavam feijão, base da alimentação brasileira no período. A tradição do cozido foi adaptada, criando o prato que hoje se conhece como feijoada. Num primeiro momento, assim que começou a ter a cara que tem, passou a ser servido para as populações mais pobres, na qual se inclui, como se sabe, os escravos.
Quem chancela essa visão é o antropólogo Câmara Cascudo, que escreveu o livro “História da Alimentação no Brasil”, considerado importante no entendimento da identidade gastronômica de nosso País. “O que chamamos ‘feijoada’ é uma solução europeia elaborada no Brasil”, disse o pesquisador, nascido em Natal (RN), em 1898 – morreu, na mesma cidade, em 1986. “A feijoada, simples ou completa, é o primeiro prato brasilero em geral.”
Por décadas, tentam emplacar que a feijoada seria miscigenada, longe de ser mero resquício da dominação portuguesa, que violentou os povos africanos e os originários. Com pouco esforço, chega-se ao xis da questão: por que existe hábito de comer feijoada toda quarta e sábado? Talvez porque os hotéis do Rio de Janeiro, capital do Brasil até 1960, tinham por hábito servi-la à clientela nesses dias, o que acabou fixando-a no cardápio nacional.
O fator determinante, para transformar a feijoada em prato nacional, ocorreu por meio de esforços dos artistas modernistas. Em busca de símbolos para a brasilidade, a iguaria era perfeita a essa empreitada: feijão preto (base da alimentação dos escravos), farinha e couve. Tanto que, veja só, o prato aparece no romance “Macunaíma”, escrito por Mário de Andrade. Lançado em 1928, o livro se transformou, desde então, em um clássico brasileiro.
Cantinho da Nega
Rua 220, quadra 38, 1578, Leste Universitário
Segunda a sábado
Funciona em horário de almoço
Casa serve ainda bife acebolado, galinhada e etc.