Cultura

Adriano Correia lança livro na Livraria Palavrear, em Goiânia

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 4 de maio de 2023 às 00:24 | Atualizado há 2 anos

Cara a cara com um idealista do Holocausto, a filósofa Hannah Arendt percebeu que Adolf Eichmann tinha, na verdade, convicções ideológicas vagas, não possuia nenhum atributo que lhe desse inteligência e tampouco conhecia a fundo o partido que alçou Hitler ao poder. Era um sujeito comum, cumpria ordens sem pensar, praticava a antirreflexão. E, por isso, despiu-se de qualquer virtude, embora tivesse alguma capacidade de organização.


Eichmann foi perfilado por Arendt numa histórica reportagem publicada na revista estadunidense “The New Yorker”, em edição que circulou em fevereiro de 1963.  Hoje, por causa do rigor ensaístico mesclado às impressões do nazista descritas a partir de técnicas literárias, a autora é leitura obrigatória e, em grande medida graças ao texto que pasara à posterioridade por meio do livro-reportagem “Eichmann Em Jerusalém”, figura como material robusto que mostra os perigos causados por líderes extremistas. 


Exposição


Os criminosos do passado têm de ser expostos, e de maneira que seja possível evitar a humanidade repetir a história, dessa vez como farsa. Para tanto, pode-se dizer que um passo já foi dado, com o lançamento nesta quinta-feira, 4, da obra “O Caso Eichmann: Hannah Arendt e as Controvérsias Jurídicas sobre o Julgamento”, publicada pelo filósofo Adriano Correia – evento começa às 18h, na Livraria Palavrear, Setor Leste Universitário.


Adriano parte, para embasar seu raciocínio, do momento em que Arendt se oferece para cobrir o julgamento de Eichmann, sequestrado num subúrbio de Buenos Aires, na Argentina, por um comando israelense, em 1960. A filósofa judia exibia todas as credenciais necessárias para apanhar um avião e ir até Jerusalém, capital de Israel, acompanhar o principal julgamento desde aquele ocorrido no Tribunal de Nuremberg, nos anos 1940.


Segundo o autor, as formulações criadas por Arendt, num primeiro momento ingênuas em termos jurídicos, podem ser muitas vezes dissonantes ou pouco convencionais em relação ao jargão da terminologia jurídica. Mesmo pontuais imprecisões não impediram o professor David Luban de afirmar que, na sala de um tribunal, não está em julgamento apenas um sistema, uma história ou tendência histórica, mas sim uma pessoa – e se o réu for um funcionário, é acusado porque até um funcionário é, antes de tudo, um ser humano.


“Frequentemente problematizarei as posições de Arendt, mas sempre inspirado por sua convicção de que ‘se você diz a si mesmo em tais assuntos: quem sou eu para julgar? – você já está perdido’”, afirma Adriano, que é professor na Faculdade de Filosofia da UFG. “Além disso, recorrerei frequentemente aos documentos do processo, priorizando as transcrições das sessões do julgamento e também do depoimento de Eichmann ao oficial da polícia de Israel, concedido ao longo de vários meses antes do início do julgamento.”


Na introdução, o leitor já encontra relatos históricos interessantes, como o entusiasmo do então editor da “New Yorker”, William Shawn, em ter “uma correspondente tão ilustre” acompanhando o julgamento. Assim que se abre o livro, nota-se que “Eichmann Em Jerusalém” obteve enorme repercussão quando foi publicado – o nazismo havia tirado de Arendt um amigo (Walter Benjamin) e, como se não bastasse, enviou-a a um campo de concentração, fazendo-a sentir na pele o horror totalitário em sua dimensão mais sombria.


‘Escrúpulo filológico’


Para o professor Celso Lafer, emérito na Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Adriano Correia se destaca no cenário brasileiro como um dos maiores estudiosos e intérpretes do pensamento de Hannah Arendt. Fruto de sua dedicação arendtiana, diz Celso, é preciso citar o “escrúpulo filológico” com o qual realizou a revisão técnica da décima primeira edição brasileira de “A Condição Humana”, seu papel como um dos organizadores e colaborador do “Dicionário de Hannah Arendt”.


Com “O Caso Eichmann: Hannah Arendt e as Controvérsias Jurídicas sobre o Julgamento”, prossegue Celso, que foi aluno no ano de 1965 de Arendt em um curso na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, Adriano aprofunda preocupações já discutidas por autores como André Duarte, Christina Lopreato e Marion Brepohl de Magalhães. Desde 1975, quando a filósofa morre, a obra dela preenche três pontos elencados pelo filósofo Norberto Bobbio: instiga leituras e releituras, oferece critérios, conceitos e ajuda no entendimento do mundo atual, ainda que os textos tenham sido escritos num outro contexto histórico.


Nascida em outubro de 1906, Hannah Arendt refugiou-se nos EUA para fugir do nazismo, nos anos 1940. Sua vida foi contada no filme “Hannah Arendt”, de 2013, cuja direção ficou por conta da cineasta Margarethe Von Trotta, uma das expoentes do cinema novo alemão. Trotta mostra no longa a arte de pensar, perceptível no momento em que uma jovem Arendt fica encantada com as palavras do filósofo Martin Heidegger numa aula na universidade: é uma ode à filosofia e à inteligência. Assim como é o trabalho do filósofo Adriano Correia. 


Anote aí


Roda de Conversa


Hoje, às 18h, na Palavrear


R. 232, 338, Setor Leste Universitário, Goiânia


Participam Adriano Correia (UFG), Fernando Moi (UFG/PUC-GO) e Rosângela Chaves (Faculdade Católica de Anápolis)


O que esperar da obra


Adriano Correia problematiza controvérsias do julgamento de Adolf Eichmann, a partir das questões enfrentadas por Arendt: a jurisdição, a tipificação do crime, a noção de humanidade no ‘crime contra a humanidade’, a polêmica da pena de morte, o impacto e o legado do julgamento, etc. Fundamental aos interessados em direito internacional, direitos humanos, ética e filosofia política. 


Onde encontrar: almedina.com.br


Páginas: 196


Preço: R$ 79,00


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