Cultura

Salas apostam em remakes ou franquias de sucesso para atrair público

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 27 de abril de 2023 às 00:07 | Atualizado há 2 anos

São seis ou sete da noite. Pais e filhos fazem fila na calçada, marido e mulher sorriem um sorriso alegre, adolescentes e adultos aguardam a aguardada sessão. O Cine Ritz (Rua 8, 501, Centro) registra público satisfatório a um cinema de rua, mas o motivo de tamanha aglomeração tem nome: “Super Mario Bros.”. E, até aqui, o filme coleciona resultados expressivos que o colocam na condição de candidato à maior bilheteria do ano. 


Existe a sensação de que apenas blockbusters ou franquias repetitivas são capazes de repetir cenas como as descritas na abertura desta reportagem. Em Goiânia, por exemplo, há apenas um cinema de rua – o Ritz. Sua programação, porém, aposta em produções de grandes estúdios, sequências de super-heróis e animações computadorizadas. Bem provável que o último filme nacional relevante exibido por lá tenha sido “Marighella”, de Wagner Moura. 


Não bastasse isso, os cinéfilos goianienses possuem limitadas opções fílmicas. Há só uma, para ser mais exato. Mantida em pé, aliás, graças aos esforços da Secretaria Estadual da Cultura (Secult), cuja programação, escolhida a dedo por Fabrício Cordeiro, quase sempre tem boas surpresas. São produções esteticamente interessantes, com montagens que instigam o espectador e roteiros problematizadores. Também é a casa das obras goianas. 


O Cine Cultura publicou nesta semana em suas redes sociais quais filmes estarão em cartaz nesta quinta-feira, 21. Ah, a instalação localizada no Centro Cultural Marietta Telles Machado, na Praça Cívica, exibe até o próximo dia 3 de maio o Festival Filmelier, sabia? Dentre as obras em cartaz, destaca-se “Tirailleurs” (14h, 14 anos, programação completa nas redes sociais do cinema), dirigido pelo cineasta Mathieu Vadepied em que se discute a violência colonial a partir de uma perspectiva dramática e íntima. 


Mathieu ambienta o roteiro na Primeira Grande Guerra, época na qual os senegaleses eram obrigados a ir ao front, de baioneta à mão prontos para a morte, lutar do lado francês. O filme nada mais é do que memória de uma África subsaariana encarnada pelo ator Omar Sy, conhecido pelo papel que fez no bonito “Intocáveis”, por muito tempo sucesso na Netflix. “É sobre o sacrifício e os sofrimentos destes soldados”, diz o diretor, ao jornal “Le Monde”.


História cinéfila


As limitadas condições cinéfilas, em Goiânia, chancelam o que disse a polêmica ensaísta americana Susan Sontag. Para ela, ir ao cinema, pensar sobre filmes e falar a respeito deles se tornou paixão entre universitários e outros jovens nos anos 1950, quando se apaixonava não somente pelos atores ou atrizes, mas sim pela própria arte do cinema: a revista “Cahiers du Cinèma”, publicação fundada por André Bazin, foi a primeira a dar visibilidade à cinefilia.


“Seus templos, como se espalharam pela Europa e pela América, eram as muitas cinematecas e clubes especializados em filmes do passado e retrospectivas de diretores que pulularam. Os anos 60 e o começo dos anos 70 foram a era efervescente do ir ao cinema, com o cinéfilo de plantão sempre esperando encontrar um assento o mais próximo possível da grande tela, preferencialmente no meio da terceira fileira”, contextualiza Sontag.  


Como não existem mais tantas telonas e a sala escura virou coisa do passado, a cinefilia entrou em crise. Um dos seus espaços por excelência, os cineclubes, também se tornaram artefatos arqueológicos. Quem deu importante contribuição a isso em Goiás foi o cineasta, pesquisador e colecionador de acervo audiovisual Eudaldo Guimarães. O DM falou com ele num bar localizado no Criméia Leste sobre as dificuldades de exibir e discutir cinema. 


Segundo o cinéfilo e professor Francisco Lillo, o cineclubismo em Goiás remonta aos anos 1960, quando foi criado o Cineclube Centro de Cultura Cinematográfico (CCC) – não confundir, por favor, com outro CCC, o Comando de Caça aos Comunistas, milícia de ultradireita pró-ditadura que, certamente, não alimentava paixões pela sétima arte. Anos depois, surgiram outras iniciativas com foco em assistir e debater cinema, como Nuestra América, Santa Helena, Paraíso, Cenarte e, sobretudo, Cineclube Antônio das Mortes. 


Longe de ser uma visão nostálgica sobre consumo cinematográfico, o cinéfilo hoje, por assim dizer, está acomodado. Não vai mais ao cinema, pois não há necessidade, uma vez que os filmes chegam até ele. As novas tecnologias transformaram o comportamento desse ser, o cinéfilo, fazendo-o migrar às plataformas de streaming como Mubi. Assistir a um grande filme na televisão ou no celular, vamos e venhamos, não é ter visto cinema. 


“Arte e escrita acabaram”, lamenta David Lynch


O cineasta Quentin Tarantino sabe o que irá fazer assim que se aposentar: cuidar de cinemas. Remando contra a maré do mercado e do consumo, Tarantino colocará em cartaz produções clássicas, de movimentos importantes para a moldura da linguagem cinematográfica, coisas indies e outras cults, das quais é fã. Ele já disse, em entrevistas, que é, na verdade, um dono de cinema frustrado que dirige longas para alimentar o cinéfilo que há nele.


Diretor de “Cães de Aluguel”, “Pulp Fiction” e “Era Uma Vez em Hollywood”, Tarantino parece ter escutado o eco das palavras ditas por David Lynch à “Cahiers du Cinèma”. Segundo o diretor de “Estrada Perdida”, “Cidade dos Sonhos” e “Twin Peaks”, o cinema se encontra num “lugar ruim”, pois as “séries tomaram seu lugar”. 


“Você pode sentar e realmente ter a experiência de entrar em um mundo totalmente novo,” polemizou o celebrado diretor. “Agora, isso está tudo nos malditos livros de história. É angustiante. Eu sempre digo: as pessoas pensam que viram um filme, mas se assistiram em um telefone, não viram nada”, emendou Lynch. 


O cineasta Ricardo Calil, autor do comentado doc “Narcísio em Férias”, reconstrói a história de cinema de rua paulistano que serviu de abrigo para sem-teto de 17 países. Na obra, o diretor recria, com moradores, cenas de filmes clássicos exibidos na abertura do cinema, na década de 1950. Neste mês, reportagem do DM visitou o Espaço Itaú de Cinema, na Rua Augusta, em São Paulo: produção nacional, filmes cabeças, possibilidades estéticas. 


Esse é o caminho.


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