Entenda por que Depeche Mode faz cabeça dos teens
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 26 de março de 2023 às 23:30 | Atualizado há 2 anos
A banda Depeche Mode sabe a receita da boa música: letras sombrias, musicalidade experimental, ritmo excitante. Não é qualquer grupo que lida com o luto olhando para o futuro, mas quem falou que Depeche é um grupo qualquer, desses descartáveis lá pela terceira ou quarta faixa de seus discos que ninguém se lembrará como são daqui a um ano?
“Memento Mori” – disponível no streaming – conduz os fãs a viagem sinistra, desde a abertura aterrorizante, com “My Cosmos Is Mine”, até o desfecho triste, “Speak To Me”, passando pela excitação de “Soul With Me”. São 12 faixas em que a única certeza é a variação de moods e texturas, nos quais se vai da paranoia e obsessão à catarse e alegria, numa miríade de sensações – não se impressione se você sentir-se arrepiado, por exemplo.
Há efeito curioso em vermos os teens descobrirem o som synth-pop do Depeche Mode quase 42 anos depois de “Speak & Spell”, disco que marcou a estreia do grupo, em 1982. A música “Never Let Me Down” despertou curiosidade nos mais jovens após a terem ouvido na série “The Last Of Us”, produção da HBO baseada no jogo de mesmo nome. Aí já viu: mecanismos como o Google registraram alta procura em torno da banda oitentista.
O hit tocou na última cena do episódio inicial, quando Joel (Pedro Pascal), Tess (Anna Torv) e Ellie (Bella Ramsey) vão à zona de quarentena na cidade de Boston, nos Estados Unidos, e o rádio começa a tocar a faixa lançada no disco “Music For The Masses”, sétimo elepê de estúdio do Depeche, de 1987. Foi o disco responsável por levar o conjunto a ocupar o topo das paradas nos EUA, mercado cobiçado pelas bandas inglesas desde os anos 1960.
Redescoberta
Mas não deixa de ser curioso que a “descoberta” do Depeche pela Geração Z, vamos colocar assim, tenha acontecido justamente num momento difícil para Dave Gahan (vocalista) e Martin Gore (guitarrista). Ano passado, morreu o tecladista e fundador do grupo, Andrew Fletcher. Os integrantes realizaram cerimônia para homenageá-lo, já que foi figura importante na década de 1980, ao criar as emblemáticas “Enjoy The Silence” e “I Feel You”.
Fletcher segurou a barra nos momentos mais difíceis, como na época em que Gahan lutava contra vício em cocaína e heroína, entre os anos 80 e 90. Tampouco veio ao Brasil em 94, para o primeiro show da banda por aqui, pois disse que estava com instabilidade emocional. “No começo achávamos que só ficaríamos por aí por alguns anos. Mas 37 anos depois parecemos ser tão populares quanto antes”, declarou o tecladista, sobre os tempos de “Speak & Spell”.
Daí ser possível, com um ouvido mais atento, encontrar o fundador em todas as faixas de “Memento Mori”. Em “Ghosts Again”, escolhida para ser a canção de trabalho, nota-se ele nas imagens clássicas e líricas criadas pela banda, nos sentimentos desperdiçados das letras, nos significados quebrados e nos espaços em que as lágrimas escorrem. E a guitarra de Martin Gore, verdade seja dita, está hipnótica, com um groove edificante e otimista.
“Para mim, ‘Ghosts Again’ captura o perfeito equilíbrio entre melancolia e alegria”, indica Gahan, em comunicado enviado à imprensa. Já Gore, ao falar sobre a música, faz uma revelação. “Não é muito comum gravarmos uma música que eu simplesmente não me canso de ouvir – estou animado por poder compartilhá-la”, emenda o músico.
Desde que Depeche Mode foi formado em 1980, em Basildon, no Reino Unido, a melancolia tem sido parte importante da experiência sonora pela qual os fãs se apaixonam, sejam mais velhos ou novos- como é o caso dos jovens que descobriram o synth-pop do grupo a partir de “The Last Of Us”. Não haveria de ser diferente, por lógica e, em última instância, consequência, com “Memento Mori”: há nele sensação de rendição. Esse é o Depeche agora.
Ausência da vida
Se nos grandes momentos da carreira, como em “Enjoy The Silence”, mostram que a ausência na vida é tão importante quanto gostar daquilo que você tem, o Depeche está mais incisivo. No novo álbum, recorreram ao latim para expressar mensagem direta: lembre-se da morte. Lembrem-se que vocês morrerão. Mas engana-se quem, por acaso, disser que a morte de Fletch pavimentou isso. Ao contrário, dirá Gore, apenas consolidou seu sentimento.
Só que resumir o Depeche Mode às imagens sombrias é um erro. Tanto que no disco “Spirit”, último trabalho lançado pelo grupo com Fletch ainda vivo em 2017, os artistas entenderam a necessidade de falar a respeito dos problemas políticos. Mesmo que para o tecladista, pé no chão, sua banda não fosse exatamente ligada às pautas sociais, apenas perdera a paciência com Trump, Brexit, extrema direita na Europa, essa coisa toda.
Foi uma necessidade histórica. Mas nem sempre a banda tocou nesse ritmo. Parecia que, nos anos 80, já havia quem tivesse discurso engajado, como o The Smiths, que decretara a morte da rainha com o elepê “The Queen Is Dead”, de 1986. Ou, seis anos antes, quando o The Clash lançou o experimental “Sandinista” e, de quebra, trouxe ao nome do disco o movimento nicaraguense que derrubou o governo de Anastasio Somoza Debayle.
De fato, ninguém pode dizer que não obtiveram êxito: mais de 100 milhões de discos vendidos, 35 milhões de fãs pelo globo – número em constante crescimento, a julgar pelos teens que ficaram maravilhados com o som do Depeche Mode. Estão em turnê, a primeira em 5 anos, quem sabe o Brasil não será um destino? Ouvir Depeche é uma necessidade.