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Brasil descobre Cristiano Araújo

25 (AG) - Há dois dias, um nome é repetido à exaustão nas TVs, nas redes sociais, nos jornais e nos bate-papos: Cristiano Araújo. Estrela da nova música sertaneja, o cantor goiano de 29 anos, que morreu tragicamente num acidente de carro no interior de Goiás, despertou comoção entre milhões de fãs, mas, quase na mesma medida, uma curiosidade gigante entre outros milhões que nunca tinham ouvido falar nele. Um dos artistas mais tocados do país, que lotava shows, Cristiano representa a força de uma nova música sertaneja que movimenta milhões sem depender do aval dos formadores de opinião dos grandes centros urbanos.

De quarta-feira, logo após a divulgação da morte do cantor, até o início da tarde de hoje, quando ele foi enterrado em Goiânia diante de 1.500 pessoas (no velório, 50 mil), sua página na Wikipédia foi modificada 108 vezes, bem mais do que as outras 37 atualizações que havia recebido em 2015 até então. Suas músicas, que já iam bem nos rankings de vendas, passaram a dominá-los. Na loja virtual iTunes, das dez canções mais vendidas ontem no Brasil, oito eram de Cristiano - as outras duas eram de Selena Gomez e Ed Sheeran, estrelas internacionais. A primeira da lista, "Cê que sabe", tinha nesta quinta-feira um vídeo no canal oficial do cantor no YouTube com mais de 27,6 milhões de visualizações. No mesmo canal, assinado por mais de 516 mil usuários do YouTube, 38,7 milhões de pessoas já haviam visto o clipe de "Você mudou", uma versão de "Making love out of nothing at all", balada do duo australiano Air Supply. No Spotify, oito canções gravadas por ele entraram ontem entre as 50 mais tocadas da plataforma.

- O Cristiano era um artista muito novo, com uma carreira ainda curta, que tinha um trabalho incansável em shows, redes sociais e vendas digitais. Só que ele ainda não tinha se consolidado, como Luan Santana, Victor & Leo ou Gusttavo Lima - diz o executivo da área de entretenimento Marcelo Castello Branco, ex-presidente da Universal Music. - Possivelmente, ele tinha muito futuro pela frente, mas fazia parte de um exército de artistas e duplas ainda tentando dar o passo seguinte nesse mercado sertanejo, que é certamente a maior usina de produção musical do Brasil.

De acordo com a Social Bakers, empresa que levanta estatísticas em redes sociais, Cristiano tinha hoje o nono canal do YouTube mais visitado entre as celebridades brasileiras. Além disso, a página do Facebook de Cristiano estava com 7,1 milhões de curtidas; seu Instagram, com 1,6 milhão de seguidores; e seu Twitter, com 370 mil.

Todo esse sucesso, certamente, não se construiu de um dia para o outro após o acidente. Entre CDs e DVDs, ele vendeu 80 mil discos. Para julho, estavam marcados 26 shows, um pouco acima da média de 20 apresentações que ele fazia por mês. No ano passado, três músicas gravadas por ele estiveram no Top 100 de execuções em rádio: "Maus bocados" em 13º lugar, "Cê que sabe" em 17º e "É com ela que eu estou" em 64º. No primeiro ano de funcionamento do Spotify no Brasil, de maio do ano passado até agora, ele foi o oitavo artista nacional mais procurado pelos ouvintes - o primeiro foi Henrique & Juliano; o segundo, Jorge & Mateus; e o terceiro, Luan Santana; os três, sertanejos.

"Maus bocados" mostra bem o estilo de Cristiano e de muitos desses cantores da nova safra de sertanejo: baladas pop que contam histórias leves de amor com um quê de fossa e diversão bem comportada. "Sei que seu coração gritou por mim/ Na última moda sertaneja que o DJ tocou/ Pra piorar era aquela que a gente dançava/ A saudade bateu e você chorou", são alguns versos da letra de "Maus bocados".

Essa última moda sertaneja já dura mais de uma década, mas poucos artistas conseguem romper algumas barreiras. Para cada Luan Santana, há dezenas de Conrado & Aleksandro - uma dupla em ascensão, que lançou seu primeiro disco em 2009 e cuja música "Quem nunca" tem 9 milhões de visualizações no YouTube. Michel Teló ("Ai, se eu te pego"), Gusttavo Lima ("Balada") e Munhoz & Mariano ("Camaro amarelo") são exceções cujas músicas chegam inclusive a tocar no exterior.

- O Cristiano Araújo é da geração da Paula Fernandes e do Teló, só que não ficou tão conhecido pelo público que não é do sertanejo - diz Gustavo Alonso, autor do livro "Cowboys do asfalto: Música sertaneja e modernização brasileira", que sai no fim de julho pela Editora Record. - Existe um certo inchamento do mercado, e os artistas que surgem não conseguem mais alcançar o patamar dos sertanejos históricos. O Michel estourou mundialmente com o "Ai, se eu te pego", a Paula ficou conhecida depois de aparecer no programa do Roberto Carlos. Já o Cristiano estava em ascensão, poderia chegar lá. Mas os hits que ele conseguiu dentro da seara do sertanejo permitiam que ele vivesse muito bem, tocando apenas para seus fãs.

Por outro lado, é bem possível que em algumas cidades do Centro Oeste brasileiro esses artistas sejam mais conhecidos do que Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. A distância não é só geográfica. Enquanto o país espera para o ano uma redução de 1,5% no PIB, a indústria do agronegócio projeta um crescimento de 2,5%, segundo a consultoria econômica GO Associados.

- Isso mostra como hoje, no Brasil, acontecem coisas que muitas pessoas não conhecem. É o Brasil do agronegócio, da ascensão da classe C. Ao mesmo tempo, as capitais estão ficando no seu mundinho - diz Marcelo Castelo Branco.

É nesse universo gigantesco, de agropecuária, rodeios, chapéus e botas, que os artistas sertanejos são mais conhecidos. Na Festa do Peão de Boaideiro de Barretos, principal evento da música sertaneja, cuja edição deste ano está marcada para agosto, os shows serão encabeçados por nomes como Gino & Geno, Henrique & Diego, Gilberto & Gilmar e Jads & Jadson. O dinheiro que a festa movimenta é tanto que a grande atração será Garth Brooks, astro do country americano, com dois Grammy no currículo. Mesmo assim, muitos desses artistas continuam invisíveis em certas áreas.

- Hoje, a segmentação da produção musical é enorme. Muito diferente dos anos 1970, quando o que havia, basicamente, era a rádio AM. Era difícil ignorar um sucesso do Waldick Soriano, ele chegava a todos, gostando-se ou não - analisa Paulo Cesar de Araújo, autor de "Eu não sou cachorro, não", livro sobre a música cafona na década de 1970.

- O sertanejo tem muita dificuldade de despertar interesse em quem não é fã - diz Marcelo Soares, diretor da Som Livre, gravadora de Cristiano. - E há de fato uma barreira sociocultural visível nos poucos quilômetros que separam o Barra Music (onde o cantor se apresentou em abril, para oito mil pessoas) do Leblon, onde não era conhecido.

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