É sabido que o consumo de pornografia é muito maior por parte dos homens. Quase todo o conteúdo feito pela indústria da pornografia é visando homens e não mulheres.
Um sexo performático, onde não há preliminares e focado principalmente em homens com pênis imensos, que não amolecem nunca e sexo anal como regra, é o grande enredo da maioria dos conteúdos do pornô.
Sexo a três, a quatro, com a mulher sendo sempre objetificada. Escutar relatos de algumas atrizes pornôs é horripilante. O prazer é uma encenação, pois na verdade o que estão sentindo naquele momento é dor mesmo.
Tem crescido o número de mulheres no consultório com a queixa de que os parceiros não as procuram há vários meses. Muitas dessas mulheres já flagraram os parceiros em casa fazendo uso de pornografia no notebook ou no celular.
A dinâmica do sexo nos filmes pornôs tradicionais é bem diferente do sexo real que fazemos no dia a dia. Sexo requer intimidade, preliminares e tempo. Tempo para aquecer, lubrificar e até endurecer o genital masculino. Os homens não estão sempre prontos para o sexo. Eles também precisam de carícias.
A ereção dos atores nos filmes pornôs é mantida à custa de medicamentos para ereção e bombas penianas, que fazem com que esse pênis pareça maior.
Há quem defenda a ideia de pornografia zero, se atentando para os prejuízos que a pornografia possa trazer para a vida do indivíduo e do casal. Um homem que consome pornografia com alta frequência e se acostuma a masturbar-se fazendo uso da mesma, pode acabar se afastando da parceria, pois o movimento que ele faz é diferente do que farão durante uma relação. Velocidade, intensidade, tipo de movimento, tudo isso estará no controle dele e não da parceria. E aqui digo “parceria” porque o problema não ocorre apenas com casais heterossexuais, mas homossexuais também.
Mas há espaço para o uso da pornografia de forma benéfica e que seja interessante também para as mulheres?
Numa aula ministrado pela Drª Rayane Pinheiro no XIX Congresso Brasileiro de Sexualidade Humana, realizado em BH, agora em setembro de 2024, ela fez várias reflexões interessantes sobre o tema.
A Drª Rayane, que é ginecologista e sexóloga, afirma que a frequência de mulheres com queixa de diminuição do desejo sexual no seu consultório é alta e a grande maioria dessas mulheres estão em relacionamentos longos, com filhos e apresentam alguns fatores em comum:
* História sexual empobrecida
* Único parceiro sexual
* Vivências sexuais limitadas
* Contextos familiares, sociais e religiosos restritivos
Num trabalho realizado por Davidson e colaboradores em 2019, eles observaram que “"As mulheres com pouca experiência sexual relatam maior ansiedade em contextos de intimidade, baixa autoestima e sentimento de inadequação.”
Outro trabalho realizado em 2021, por Fisher e colaboradores mostra que “Mulheres com pouca experiência sexual tendem a internalizar normas repressivas, o que afeta sua capacidade de tomar decisões autônomas e informadas sobre sua vida sexual”.
O aprendizado sobre a sexualidade é fundamental para homens e mulheres. Infelizmente ainda estamos longe da Educação Sexual ser uma realidade nas famílias e escolas.
A realidade é que homens aprendem sobre sexo no pornô, que não é um modelo real de sexo. E as mulheres não aprendem em lugar nenhum. No máximo trocam algumas ideias com as amigas.
A inexperiência sexual das mulheres torna difícil a comunicação entre o casal sobre as necessidades sexuais de cada um e isso leva a uma vida sexual insatisfatória, comprometendo o desejos sexual e até mesmo a continuidade desse relacionamento.
As fantasias sexuais são um ótimo recurso para aumentar o desejo sexual. No geral, as mulheres fantasiam pouco. O treino de fantasias é um dos recursos terapêuticos utilizados por nós sexólogos no trabalho com pacientes que apresentam disfunções sexuais.
Segundo Rayanne, alguns recursos podem ser usados para aumentar a capacidade de fantasiar, tais como:
* Podcasts com temas eróticos
* Contos Narrados
* Aplicativos de histórias eróticas interativas
* Fanfics
* Plataformas de Mindfulness voltadas para o prazer sexual
Tudo isso irá estimular a imaginação e contribuir para a melhora do repertório sexual desse indivíduo.
Drª Rayanne acredita que há sim espaço para o consumo de pornografia entre mulheres de forma a contribuir com a melhora do desejo sexual, mas algumas orientações prévias a esse consumo são necessárias, como assistir filmes que mostrem histórias de pessoas reais, com um prazer feminino real e que isso seja feito em mais de um momento e sempre observando quais são os sentimentos e sensações experimentadas enquanto estão assistindo esse tipo de conteúdo. Observar ainda quais são os padrões que chamam a atenção de quem está assistindo, a reação aos tipos de corpos que aparecem no vídeo e o gênero ou tipo físico que são mais estimulantes.
Dados da literatura científica mostram que 55% da Mulheres que visualizaram conteúdo erótico relataram uma maior disposição para atividades sexuais subsequentes.
Mas, há risco dessas mulheres viciarem nesses conteúdos?
A resposta é sim. Apesar disso ocorrer com frequência 3 vezes maior com os homens, o risco também existe entre as mulheres.
Num trabalho intitulado “"WOMEN'S ENGAGEMENT WITH PORNOGRAPHY: IMPLICATIONS FOR SEXUAL SATISFACTION AND WELL-BEING" (2019), mostrado por Rayanne durante a sua apresentação, os autores concluem que:
* O consumo moderado de pornogratia foi associado a níveis mais altos de satisfação sexual.
* Expectadoras relataram uma autoestima sexual mais elevada e conforto ao discutir tópicos sexuais com parceiros.
* O consumo excessivo ou compulsivo de pornografia poderia estar ligado a sentimentos de isolamento e insatistação.
* Casais expectadores relataram uma melhor comunicação sexual e maior intimidade.
* O consumo pode ser ponto de divergência causando impactos negativos na satisfação do relacionamento.
Portanto estamos diante de um excelente recurso se usado com moderação e orientação prévia. Muitas discussões a cerca desse tema ainda são necessárias.
E você, o que pensa sobre isso?
Para falar comigo:
@drajoicelima