Por Julia Lindner e Vera Rosa
Um grupo de parlamentares pediu que o Ministério Público Federal (MPF) instaure inquérito para investigar afirmações do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que classificou o movimento negro de "escória maldita". A entidade Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) também apresentou representação ao MPF contra Camargo, por crime de racismo.
Os áudios de uma reunião a portas fechadas, no dia 30 de abril, foram revelados ontem pelo Estadão. Os parlamentares consideram que o presidente da autarquia cometeu crime de responsabilidade. Entre os deputados que assinam o documento estão Áurea Carolina (PSOL-MG), Benedita da Silva (PT-RJ), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Bira do Pindaré (PSB-MA), Damião Feliciano (PDT-PB), David Miranda (PSOL-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP).
Para eles, Camargo promove o "desvirtuamento dos objetivos legais" da fundação que comanda, criada para promover e preservar a cultura negra, o que configura desvio de finalidade, abuso de poder e improbidade administrativa. "Não podem as instituições públicas permitir que o presidente da fundação, seguindo o ideário bolsonarista de promoção de ódio e de intolerância, contrarie as normas legais que fundaram e devem orientar a atuação do gestor público", diz o documento.
Ao Estadão, Orlando Silva afirmou que é "inaceitável ter um racista à frente da Fundação Palmares". "Ali é lugar de promover políticas para superar o racismo estrutural, não fazer proselitismo político." David Miranda disse que as falas de Camargo demonstram que ele está "operando para manter o racismo estrutural no País". "Ele está fazendo apologia à violência contra a população negra", afirmou o parlamentar.
Até a conclusão desta edição, o Palácio do Planalto não tinha se manifestado sobre o caso.
Queixa
No áudio ao qual o Estadão teve acesso, Camargo também afirma que não vai destinar "um centavo" para terreiros, em referência aos locais usados por religiões de matriz africana. Ele também ofende Adna dos Santos, conhecida como Mãe Baiana, ao chamá-la de forma pejorativa de macumbeira. Ontem, ela prestou queixa contra Camargo na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial do Distrito Federal.
"Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo", disse Camargo, na reunião, numa referência a Adna dos Santos.
Mãe Baiana é uma das lideranças mais atuantes do candomblé no Distrito Federal e ocupa cargo de coordenadora de Políticas de Promoção e Proteção da Diversidade Religiosa da Subsecretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial no governo distrital. Ela também atuou na Fundação Palmares por cerca de quatro anos.
Ao Estadão, Mãe Baiana afirmou que ficou assustada com as declarações de Camargo porque não o conhece. Ela afirmou que fez Boletim de Ocorrência na delegacia pelo respeito que possui "pela sua comunidade e por sua ancestralidade". Também defendeu que Camargo precisa respeitar a função, já que tem como papel promover políticas públicas.
Já a Educafro considerou que Camargo incorreu no artigo 20 da Constituição que veda "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".
Em nota divulgada na terça-feira, Camargo lamentou o que chamou de "gravação ilegal" de uma reunião interna. Afirmou que a Palmares está em "sintonia" com o governo Bolsonaro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.