O isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter a pandemia do novo coronavírus tem o intuito de diminuir ou evitar uma maior disseminação do coronavírus no país, entretanto teve como consequência o aumento da violência doméstica contra as mulheres no Brasil.
Apesar da subnotificação, os índices mostram uma alta no feminicídio, o que comprova a realidade da quarentena no país. No entanto, a violência contra as mulheres não se resume apenas a agressão física ou ao feminicídio.
Existem também as formas “invisíveis”, que se intensificaram nesse período como explica Regina Célia Barbosa, vice-presidente do Instituto Maria da Penha.
“Agora fica mais fácil de localizar o autor da violência e fica menos possível acreditar que a mulher caiu ou bateu com a cabeça na maçaneta. Por isso, os autores de violência estão investindo mais em violência psicológica, moral, sexual e patrimonial”, ressaltou durante entrevista ao portal Terra.
Algumas organizações que prestam serviço às mulheres vítimas de violência doméstica passaram a fazer atendimentos online e estenderam o alcance para outros estados. Regina Barbosa explica que houve um aumento significativo em agressões que não sejam físicas desde abril. “De 100 casos, 80 reclamantes trazem essa questão”.
De acordo com a co-fundadora da startup Mete a Colher, Renata Albertim, mais de 50% das mulheres que já eram atendidas pelo canal relataram que o isolamento foi um fator importante para intensificar os abusos e afirma que a violência sexual também aumentou muito.
A ONU Mulheres já havia previsto em um documento que, em contextos emergenciais os casos de violência doméstica sobem no mundo todo. Segundo a organização, isso se deve a maior tensão no ambiente familiar.
Os diferentes tipos de violência
A Lei Maria da Penha sancionada no Brasil em 2006 para proteger as mulheres, prevê além da violência física, a violência sexual e psicológica e ainda estabelece que vítimas de abusos morais e patrimoniais sejam amparadas por uma rede de apoio com atendimento especializado.
A psicóloga clínica Daniela Silveira Rozados Cepeda explica como a violência psicológica pode deixar mulheres e meninas mais vulneráveis. “A gente vê um efeito maior na violência psicológica. Enquanto em um tapa você percebe a violência ali, naquele ato, quando se trata de violência psicológica e moral não é assim. A pessoa fica triste, abalada, não consegue perceber nem lidar com o problema, e esse é o risco maior”.
Para Caroline Moraes, economista e pesquisadora de violência de gênero, o abuso psicológico é o principal motivo para que mulheres não consigam se libertar de relacionamentos abusivos. “Isso faz com que a mulher se diminua e acredite que só vai ser feliz se mantiver um relacionamento com alguém, inclusive, com o agressor. Porque ele diminui tanto ela, fala que ela não é suficiente, que ela é burra, que ela não é capaz”, diz.
Já a violência moral se caracteriza por difamação, calúnia e injúria, como exposição da vítima à terceiros, ou acusações de traição e por sua vez, a violência patrimonial se dá quando há retenção, subtração ou destruição de bens, valores e direitos da mulher.
Aumento da violência
Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) - que realizou pesquisas sobre o tema desde o início da pandemia, explica que esses são tipos de violência com características complexas. “Por toda essa complexidade é que falar sobre números é delicado”, esclarece.
Ela explica que mesmo antes da pandemia, essas mulheres já viviam com seus agressores em situação de silêncio, por medo de pedir ajuda, por vergonha ou até mesmo por dificuldade de compreender que o que estão passando é uma violência.
Apesar da dificuldade com os números, se sabe que desde o início do isolamento os registros de feminicídio cresceram. Como é possível perceber nos registros do último relatório do FBSP, que apontam que de março a maio de 2020 houve uma alta de 2,2%, comparando-se ao mesmo período do ano em 2019.
A convivência próxima e isolada, além de aumentar o risco de violência, pode afetar e dificultar as denúncias e pedidos de ajuda das vítimas. O levantamento mostra que os registros de denúncias de lesão corporal dolosa contra mulheres tive queda de 27,2% nos meses de março, abril e maio de 2020. “Isso se deve a vários fatores, como por exemplo, maior dificuldade de ir aos canais de denúncia pessoalmente”, afirma Juliana.
De acordo com portal Terra, as organizações de acolhimento às vítimas do terceiro setor confirmam a análise da coordenadora do FBSP e apontam ainda que no início da pandemia essas organizações chegaram a receber em um dia a demanda que antes recebiam em um mês.