Em recente decisão, o Ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconheceu a ilicitude dos relatórios de inteligência obtidos durante a Operação Las Vegas, conduzida pelo Grupo Especial de Investigação Criminal (GEIC) da Polícia Civil de Goiás. Os relatórios foram requisitados sem a devida instauração formal de uma investigação, contrariando as exigências legais estabelecidas pelas Cortes Superiores. A operação tinha como alvo uma suposta organização criminosa envolvida em fraudes relacionadas à venda de títulos de capitalização.
De acordo com a decisão, o delegado responsável pela operação solicitou ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) relatórios de inteligência financeira com base em uma Verificação de Pendência de Informação (VPI). Entretanto, o ministro Ribeiro Dantas destacou que a VPI é um procedimento preliminar que não configura uma investigação formal, servindo apenas para a checagem inicial de informações. A solicitação de tais relatórios, sem autorização judicial e sem uma investigação formal devidamente instaurada, foi considerada um excesso, resultando no reconhecimento de sua ilicitude.
O caso foi levado ao STJ após o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) ter considerado legal o compartilhamento dos relatórios de inteligência. Porém, o Ministro Ribeiro Dantas esclareceu que, segundo o entendimento do STF, o compartilhamento de informações por parte de órgãos de inteligência, como o COAF, só é permitido se houver uma investigação formal prévia, o que não ocorreu no presente caso.
A defesa, representada pelos advogados Thiago de Oliveira Rocha Siffermann e Genisson Costa Silva Carvalho, argumentou que nem o acusado nem sua empresa eram alvos de uma investigação formal quando os relatórios foram solicitados, o que tornou a medida ainda mais questionável. A decisão do Ministro Ribeiro Dantas determinou o desentranhamento desses relatórios dos autos, reforçando a necessidade de observância rigorosa dos procedimentos legais nas investigações criminais.
A redação do Diário da Manhã procurou o advogado Thiago Oliveira Rocha Siffermann, que concedeu uma entrevista exclusiva acerca do caso. Abaixo, seguem os principais trechos dessa entrevista:
Redação DM: Dr. Thiago Siffermann, o senhor poderia nos explicar a natureza das irregularidades que levaram à declaração de ilicitude dos relatórios de inteligência na Operação Las Vegas?
Thiago Siffermann: durante a Operação Las Vegas, conduzida pelo Grupo Especial de Investigação Criminal (GEIC) da Polícia Civil de Goiás, houve uma série de procedimentos questionáveis. O delegado responsável requisitou diretamente ao COAF relatórios de inteligência financeira sem seguir todos os requisitos característicos que foram delimitados pelos Tribunais Superiores. Por exemplo, no que diz respeito à investigação formal existente no momento da representação do delegado pelos dados do relatório do COAF, tratava-se de um VPI, o que é diferente de um inquérito policial por ser precário. A precariedade do VPI exige maior restrição em relação à flexibilização de direitos fundamentais. Ou seja, em um período tão embrionário, o delegado não poderia lançar mão de qualquer tipo de representação que atentasse contra a intimidade, vida privada e demais núcleos principiológicos.
Redação DM: há outros elementos além deste que permitem concluir que há irregularidades?
Thiago Siffermann: sim, há detalhes que apenas criminalistas experientes alcançam na avaliação do processo desde o início das investigações. Quando fui avaliar folha por folha dos autos, notei que, a partir do momento em que o delegado solicitou os dados do COAF, na troca de e-mails entre eles não havia a integralidade das mensagens. Ou seja, das trocas de mensagens entre o COAF e o delegado de polícia. Porém, em um dos e-mails de resposta ao delegado, o COAF mencionou o nome daquele que era o meu cliente, um acusado. Isso me fez inferir que havia uma pergunta acerca daquela pessoa, que até então não tinha seu nome mencionado em nenhuma folha do VPI.
Não havia nenhum local nos autos em que aquela pessoa havia sido citada, sendo que o delegado fazia referência a uma denúncia anônima que, ao ser analisada minuciosamente por este advogado, revelou que a pessoa mencionada pelo COAF não constava nem da denúncia anônima nem de qualquer outro acervo probatório. Ou seja, essa pessoa foi pinçada, foi colocada, e o relatório do COAF foi solicitado exatamente para justificar a existência daquele investigado. Isso também é um fator muito importante.
Redação DM: qual foi o impacto dessas irregularidades para o seu cliente?
Thiago Siffermann: meu cliente, que não era sequer um alvo inicial da investigação, foi prejudicado por uma operação que desrespeitou as garantias constitucionais. A ausência de uma investigação formal prévia e a requisição direta de dados pelo delegado transformaram essa operação em uma espécie de fishing expedition, ou seja, uma busca genérica por informações sem um foco claro.
Redação DM: o que exatamente caracteriza a chamada fishing expedition neste contexto?
Thiago Siffermann: Fishing expedition ocorre quando a autoridade investigativa tenta obter informações de maneira indiscriminada, sem uma base sólida ou justificada. No caso do meu cliente, a polícia solicitou relatórios financeiros sem que houvesse qualquer indicação formal de que ele estivesse envolvido em atividades ilícitas no momento da requisição. Isso contraria os parâmetros estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal para a legalidade desse tipo de compartilhamento de informações.
Redação DM: como a decisão do STJ impactou a condução do processo?
Thiago Siffermann: a decisão do ministro Ribeiro Dantas, do STJ, foi determinante. Ele reconheceu a ilicitude dos relatórios de inteligência obtidos de forma irregular e determinou o desentranhamento desses documentos dos autos. Essa medida não só corrige uma injustiça, mas também reforça a importância de se respeitar o procedimento legal durante investigações.
Redação DM: o que o senhor espera daqui para frente com relação a este caso?
Thiago Siffermann: agora pode existir uma cadeia de consequências, porque todo o conteúdo que surgiu a partir do relatório do COAF deve ser igualmente considerado como contaminado e extraído dos autos. Hoje, não estou mais na operação, mas, a meu ver, as consequências afetariam desde as buscas e apreensões até mesmo as interceptações telefônicas, colocando por terra a investigação e ratificando o dever do Estado em realizar as investigações de modo idôneo e legal, reforçando o compromisso com princípios basilares, que são a presunção de inocência e a legalidade das provas.