Grávida de oito meses e morando no Rio de Janeiro, a feminista Consuelo Nasser decidiu que era preciso se manifestar contra o presidente Juscelino Kubitschek, que governara o País entre 1956 e 1961. O tio Alfredo Nasser, homem intelectualizado e contrário às injustiças sociais, perguntou à sobrinha se ela tinha mesmo que protestar. Como percebeu que não havia chance de fazê-la desistir, Alfredo limitou-se a dar-lhe dinheiro para comprar uma calça comprida, de modo que pudesse correr da polícia, caso houvesse necessidade.
Consuelo encontrou alimento para seu ímpeto revolucionário na ceia das palavras. Devorou Fiódor Dostoiévski, escritor russo de viés existencialista que retratara a autodestruição humana, as memórias do subsolo e o suicídio. Sem nada de novo no rugir das tempestades, alimentou as ideias contestatórias no terreno fértil da poesia cultivada por Vladimir Maiakovski. No entanto, como o feminismo é uma luta pela igualdade de direitos, recebeu influência da filósofa Simone de Beauvoir. Ora, não se nasce mulher, e sim torna-se uma.
Nascida em 28 dezembro de 1938, na fazenda dos pais, em Caiapônia, sudoeste goiano, Consuelo foi aprovada no vestibular aos 17 anos, em sétimo lugar, após concorrer com pelo menos 4 mil candidatos. Antes mesmo de concluir o secundário no tradicional Lyceu, em Goiânia, mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de ingressar na Faculdade Nacional de Direito, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), respeitada instituição de ensino superior brasileira. Ela se matriculou no Campus da Praia Vermelha, bairro da Urca.
Mesmo que sobrinha de um senador proprietário do Jornal do Povo, fundado em 1946, Consuelo nunca aceitou propostas de emprego público. Queria continuar vivendo no Rio e, para tanto, começou a trabalhar na União Brasileira de Escritores, seção do Rio de Janeiro, em cujo ambiente passou a conviver diariamente com os escritores Peregrino Júnior Eneida, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade. No meio literário, construiu ainda amizade com Marina Colasanti, vencedora neste ano do prêmio Machado de Assis, da ABL.
“Durante a graduação, inicia sua atuação militante, tornando-se uma liderança estudantil. Foi aluna de um dos criadores da Política Externa Independente da era Jânio Quadros (1961), o advogado San Tiago Dantas. Muito aplicada aos estudos, ela só saía do rígido cotidiano acadêmico para participar das reuniões da UNE e para se encontrar com o tio Alfredo Nasser quando este estava na capital federal”, detalha a pesquisadora Adrielly Melo Borges, na dissertação de mestrado “Sororidade com Sabor Goiano”, defendida na UEG.
Consuelo se deparou com ambiente convulsionado
A jovem intelectual retornou para Goiânia em 1959 acompanhada de Alfredo Nasser, que havia acabado de ser empossado como deputado federal. Assim que colocou os pés na Capital goiana, Consuelo se deparou com um ambiente político convulsionado. Os estudantes sedundaristas protestavam contra o aumento da passagem no transporte coletivo e se posicionaram contrários ao aumento no preço das mensalidades escolares.
Do mesmo partido do presidente Juscelino Kubitschek, o PSD, o governador goiano da época, José Feliciano, determinou que as forças policiais reprimissem as manifestações com violência. E no dia 5 de março, data na qual se baseou o nome do jornal mais provocativo surgido na imprensa goiana, houve a morte de um secundarista durante passeata pacífica em frente ao Mercado Central de Goiânia. Além de Consuelo, integravam o movimento Telmo Faria, Javier Godinho, Valterli Guedes, Zoroastro Artiaga e Batista Custódio.
Adrielly Melo pontua, em sua dissertação de mestrado, que as relações entre homens e mulheres, historicamente, regem a dinâmica da sociedade e caracterizam a ideologia que irá decidir suas bases hierárquicas. Segundo a estudiosa, autora de abrangente pesquisa sobre a relevância de Consuelo Nasser ao feminismo goiano, os grupos dominantes são responsáveis por definir as estruturas de poder de determinado povo. “Ainda somos regidos no presente por um sistema patriarcal, de dominação do homem sobre todas as coisas.”
Em razão desse cenário político espinhoso, Alfredo promovia reuniões em sua casa com o propósito de discutir a conjuntura. Numa dessas assembleias, por exemplo, Consuelo conheceu Batista. Com Telmo Faria e Javier Godinho, apoiados por Alfredo e Consuelo Nasser, Valterli Guedes e Zoroastro Artiaga, fundaram o semanário “Cinco de Março”. O senador deu para os jovens a tipografia do à época fechado “Jornal de Polícias”, fundado em 1952 e que, de acordo com Adrielly Melo, deu-lhe enorme visibilidade na esfera pública.
Ao longo dos anos 1960, o “Cinco de Março” se tornou conhecido pela verve com a qual atacava os governos. “Foi atuando como jornalista na edição do jornal que Consuelo Nasser e Batista Custódio se aproximaram e compartilharam a partir de então momentos políticos importantes na história goiana”, revela a pesquisadora.
O semanário saía às segundas e “incomodava Deus e todo mundo”, segundo as professoras da UFG Rosana Borges e Angelita Pereira, no estudo “História da Imprensa Goiana: Dos Velhos Tempos da Colônia À Modernidade Mercadológica”. A marca do jornal era não se curvar diante dos poderosos. Consuelo ficou no “Cinco de Março” até março de 1979, período em que ficou afastada do cenário jornalístico e empresarial, retornando em novembro de 1982.
Intelectual voltou ao ambiente jornalístico após 44 meses
No retorno ao universo dos jornais, Consuelo assumiu a direção financeira do Diário da Manhã, que começava sua segunda fase editorial, sob comando do jornalista Washington Novaes. Ainda nos anos 1980, a intelectual decidiu que seu lugar era mesmo o jornalismo e, prestes a completar 47 anos, em dezembro de 1985, criou com o filho Júlio Nasser a “Revista Presença”, editada e dirigida ao público feminino. A publicação, de acordo com a pesquisadora Adrielly Melo, discutia temas relacionados à condição da mulher goiana.
Consuelo observava que a cultura agrária estava entranhada na sociedade goiana e, junto de Linda Monteiro, Mari Baiochi, Marília Vecci, Amália Hermano, Belkiss Spenciere, Gloria Drummond, Maria Cabral, Ivone Silva e Gracie Clímaco, lutou para criar o Centro de Valorização da Mulher (Cevam). Surgida em 1985, a iniciativa deu esperança às mulheres vítimas de feminicídio, elevando o feminismo a outro patamar no estado.
Na inauguração, numa foto histórica, é possível ver Spenciere, Monteiro e Guilhermina na companhia da poeta vilaboense Cora Coralina. “Consuelo se sobressai por seu pioneirismo, seu legado de luta pelos direitos das mulheres, pela força de suas palavras e pela sua sororidade com saber goiano. E nós, mulheres, temos o dever de continuar seu legado e só podemos dizer ‘obrigada’”, afirma Adrielly Melo, em “Sororidade com Sabor Goiano”.
Em 1995, Consuelo escreveu o livro “Alfredo Nasser – O líder Não Morreu”. Com 438 páginas, a obra foi lançada pela editora Líder e teve apoio da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). Entristecida pelo suicídio do filho Fábio Nasser, Consuelo Nasser partiu em 20 de agosto de 2002. Ela estava com 63 anos.