
Em 25 de fevereiro de 2024, Enzo André Alves da Silva, 17 anos, foi encontrado gravemente ferido após cair de uma moto em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Ele estava saindo de uma festa no distrito de Jundiapeba. O jovem havia sido atingido por um tiro na cabeça, enquanto seu amigo, que dirigia a moto, sofreu um ferimento de raspão. Embora Enzo tenha sido socorrido, não resistiu aos ferimentos e faleceu. No entanto, a Polícia Civil classificou inicialmente a ocorrência como "morte suspeita", uma categoria que abrange casos em que a causa da morte não é imediatamente identificada, como suicídio, acidente ou homicídio.
O caso ilustra um fenômeno crescente no país: os chamados homicídios ocultos, mortes violentas que, por uma série de fatores, não são registradas como homicídios.
Menos de dois meses depois, a investigação apontou que o autor do disparo foi o dono do estabelecimento onde a festa acontecia. A investigação apontou que ele estaria irritado com o barulho dos escapamentos de motocicletas ao lado da festa, e teria disparado a arma contra os dois adolescentes, que estavam se afastando do local.
Jovem, sexo masculino, pele negra, baixa escolaridade, morto em via pública e com arma de fogo. Essas são características que, em quase todos os casos, aumentam muito as chances de tratar-se de homicídio doloso.
De acordo com o estudo Atlas da Violência, realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo é a capital brasileira com o maior número de homicídios ocultos. Em 2022, a cidade registrou 1.418 homicídios casos, um número significativamente superior aos 344 homicídios formalmente registrados no mesmo ano. Os dados oficiais do governo estadual apontam 560 homicídios dolosos, mas o número de homicídios ocultos é mais do que o dobro, segundo a pesquisa.
O estudo, que analisou 3,6 milhões de registros de mortes violentas no Brasil desde 1996, revela que o número de homicídios ocultos no país tem aumentado a cada ano. Entre 2018 e 2022, a taxa subiu de 1,8 para 2,8 casos a cada 100 mil habitantes. Em 2022, estima-se que 5.982 homicídios ocultos ocorreram no país, enquanto o número oficial de homicídios foi de 46.409.
Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea, explica que a classificação de mortes como homicídios ocultos pode ser atribuída a falhas na comunicação entre os órgãos públicos. Muitas vezes, um caso inicialmente registrado como "morte suspeita" pode ser posteriormente esclarecido como homicídio, mas essa atualização não chega a ser refletida nos dados oficiais.
Além disso, Cerqueira sugere que, em alguns casos, as mortes podem ser intencionalmente registradas de forma diferente, a fim de evitar as consequências legais de uma investigação de homicídio.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por meio de nota, afirmou que "faz monitoramento e análise minuciosa dos casos registrados com vítimas fatais, garantindo que cada ocorrência seja registrada e investigada adequadamente, para evitar que casos de homicídio sejam erroneamente classificados". Disse, ainda, que esses dados estão disponíveis para consulta pública por meio do programa SPVida.
Em relação aos números do Atlas da Violência, a pasta informou que os dados que utiliza "são de natureza jurídica e criminológica, diferentemente dos utilizados como referência pela reportagem e que são coletados pelo DataSUS". "Seus critérios e finalidades são absolutamente distintos, portanto, não é razoável qualquer tipo de comparação", disse a pasta.