O jornalismo brasileiro perdeu nesta quinta-feira, 02, um ícone do telejornalismo.. Sua partida deixa um grande vazio compensado apenas pelo seu enorme legado. Nascida em Vila Isabel, na zona Norte do Rio, Glória Maria foi uma das primeiras e a principal referência para jornalistas negros na TV entre os anos 70 e 90.
"Esse texto "conversado" mais descontraído que vemos hoje na TV, ela sempre fez. Tinha personalidade e assumiu seu estilo desde o início e por isso protagonizou feitos históricos como ser a primeira mulher a entrar ao vivo no Jornal Nacional, foi a primeira a participar de uma transmissão em HD na TV brasileira e a primeira mulher a fazer cobertura de guerra no Brasil", explica a jornalista, Mestre em Comunicação e Doutora em Antropologia Fernanda Ribeiro.
Em 2021, no podcast Mano Brow, Glória Maria relembrou grandes coberturas como a guerra das Malvinas e suas aventuras por mais de 100 países e também por todo o Brasil.
"Eu nunca pensei que estava sendo a primeira. Eu nunca tive tempo de pensar. Eu ia. Não foi fácil, superei vários obstáculos, mas tive o direito de fazer e chegar onde eu queria. Eu tive a sorte de chegar numa época em que o talento valia alguma coisa. Na emissora em que trabalho, eu sempre fui respeitada como ser humano, tive a chance de crescer sem ter quem indica, sem ser de família rica e sem ter o marido poderoso. Eu que vim do nada, tive a oportunidade que precisava pra chegar até aqui", disse a jornalista.
Com sua trajetória, Glória Maria inspirou milhares de jovens a seguir a profissão de jornalista. Mas ela sempre deixou claro que, desde pequena, soube que teria que enfrentar o preconceito e o racismo. Por isso, aprendeu de uma maneira natural a ter uma atitude de enfrentamento. "Eu nunca tive medo. Eu sabia o que tinha que passar, mas eu não queria passar. Então, eu tinha que fazer alguma coisa e essa alguma coisa era assim: não vou aceitar as cascas de banana que colocam no meu caminho. Se vão querer que eu olhe para isso estão perdendo tempo. Eu quero ir em frente e o que era esse em frente? Eu não sabia porque não tive em quem me espelhar", relatou durante entrevista ao podcast.
Porém, toda a força e potência de Glória Maria, não impediu que as pessoas questionassem a presença de uma mulher negra num lugar de destaque. Ela contou que chegou a receber cartas e ligações de pessoas perguntando como uma negra como ela, tinha a coragem de estar apresentando um programa e tirando o lugar de mulheres brancas e "bonitas".
Em 2019, a jornalista foi diagnosticada com um câncer de pulmão e fez o tratamento com imunoterapia. Tempos depois, ocorreu metástase no cérebro, e ela teve de passar por cirurgia. Em 2022, começou uma nova fase do tratamento, para combater novas metástases cerebrais, que deixou de fazer efeito nos últimos dias, e ela morreu nesta manhã.
O último programa que Glória Maria apresentou foi ao ar no dia 5 de agosto de 2022. Mas o o legado dela continua e, para os futuros jornalistas, fica também o exemplo de dedicação e humildade.
"O jornalista precisa esquecer um pouco o glamour e lembrar que é um prestador de serviço da sociedade. Devemos ser humildes. Humildade não é subserviência. Humildade é inteligência", afirmou a profissional.
Confira abaixo a entrevista completa de Glória Maria ao podcast Mano Brow: