
Um grupo de 16 pessoas foi denunciado por formação de milícia particular e extorsão de comerciantes na região do Brás, no centro de São Paulo. De acordo com promotores do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual, a quadrilha cobrava valores de até R$ 18 mil por ano pelo direito de ocupar um lote na Feira da Madrugada.
Entre os membros da milícia, havia cinco policiais militares — três da ativa e dois da reserva — e uma escrivã da Polícia Civil. As informações foram reveladas pelos promotores do caso. Desde o mês passado, os policiais militares estão sendo processados no Tribunal de Justiça Militar.
Conforme a denúncia, o grupo supostamente loteava o espaço utilizado para o comércio irregular, ameaçava comerciantes que se opunham às cobranças, além de agredir e expulsar os devedores. Em um dos casos, um agiota foi indicado a um comerciante que não conseguia pagar as dívidas, o que acabou agravando sua situação financeira.
A denúncia foi feita em dezembro e, após a liberação do segredo de Justiça, novos detalhes da investigação vieram à tona. A Corregedoria da PM também participou da apuração, que revelou o envolvimento de membros da corporação em práticas criminosas.
"Nós continuamos investigando justamente porque, quando da deflagração, descobrimos que a extensão da atuação da milícia ali era muito mais ampla do que a gente imaginava", afirmou o promotor Carlos Gaya.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo destacou a colaboração da Corregedoria da PM na investigação e afirmou que não tolera desvios de conduta. "A ação resultou na prisão de cinco policiais militares e uma policial civil. O conjunto probatório que fundamentou os mandados de busca e apreensão foi reunido pelo trabalho de investigação da Corregedoria da PM e da Polícia Civil, com o apoio do Gaeco", declarou a SSP.
A denúncia revela que, para autorizar a presença de comerciantes em determinadas ruas do Brás, a milícia exigia o pagamento de valores a título de "luvas". O valor cobrado inicialmente variava entre R$ 3.000 e R$ 5.000, com reajustes anuais. Além disso, havia cobranças semanais de até R$ 250.
Os crimes de extorsão e formação de milícia foram atribuídos a 14 pessoas. Duas das acusadas, esposas de PMs denunciados, são investigadas por lavagem de dinheiro. Elas teriam ocultado a origem de R$ 10 mil provenientes do crime ao utilizarem o valor para integralizar o capital de uma empresa de armazenamento de móveis.
O documento da denúncia também destaca as características da região, marcada por um alto índice de informalidade, dificuldade de acesso ao crédito formal e uma grande concentração de imigrantes. "A informalidade e a situação irregular de muitos imigrantes impede o acesso a crédito de instituições financeiras regulares, facilitando sua submissão às organizações criminosas que atuam na região", aponta o texto.
Além de serem agredidos, os inadimplentes enfrentavam a expulsão da Feira da Madrugada. Filmagens feitas pela Corregedoria da PM mostram integrantes do grupo circulando entre as barracas, cobrando propina, anotando informações sobre pagadores e devedores e informando os comerciantes que seriam expulsos do local a partir do dia seguinte. Os expulsos eram substituídos por novos comerciantes, selecionados pela milícia, que estivessem dispostos a pagar as taxas exigidas.
As filmagens também revelaram a participação de uma escrivã da Polícia Civil nas extorsões. Por meio de tecnologia de reconhecimento facial, a investigação conseguiu identificar sua presença nas gravações.
A extorsão pela milícia ocorreu por pelo menos três anos, conforme registrado em uma interceptação telefônica. A quadrilha utilizava o nome de um sindicato e de um instituto para tentar dar aparência de legalidade às cobranças. Segundo as investigações, recibos com a marca d'água da CoopsBrás (profissionais do comércio solidário do Brás) e do Sindicato dos Camelôs eram utilizados para "dissimular a ilicitude das cobranças".
Gravações telefônicas também revelaram rivalidades entre a milícia investigada e outros grupos que atuavam na região. Em junho de 2024, a Corregedoria recebeu informações sobre uma tentativa de invasão de espaços para a montagem de barracas, com a milícia invadindo a área e colocando novos vendedores ambulantes, que eram pagantes do grupo, para ocupar o local onde outros ambulantes já exerciam o comércio.