
O escritor Marcelo Rubens Paiva manifestou sua indignação com a demora do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar questões relacionadas à Lei da Anistia, que perdoou autores de crimes políticos ou conexos cometidos entre 1961 e 1979, durante a ditadura militar. Em conversa com a ministra Cármen Lúcia, do STF, Paiva disse sentir-se envergonhado pela postura da Corte diante da norma que impediu a punição de torturadores e responsáveis pela morte de opositores do regime.
Atualmente, tramitam no STF três processos sobre a Lei da Anistia. A repercussão do filme "Ainda Estou Aqui", que narra o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, pai de Marcelo, tem dado novo impulso à discussão. O escritor se dirigiu à ministra durante um evento realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que abordou os 40 anos da redemocratização do Brasil.
"Por que o Supremo precisou esperar tanto tempo para julgar essa lei [da Anistia]? Isso me envergonha", afirmou Marcelo Rubens Paiva, dirigindo-se à ministra Cármen Lúcia, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A mesa do evento contou com a presença das professoras Nina Ranieri e Lilia Schwarcz, da USP, de Lucineia Rosa dos Santos (PUC-SP), além do próprio Marcelo Rubens Paiva e Cármen Lúcia. A mediação foi realizada pela jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo.
Em sua fala, Marcelo lembrou a luta de sua mãe, Eunice Paiva, por justiça, retratada no filme "Ainda Estou Aqui", no qual a atriz Fernanda Torres a interpreta. "A Lei da Anistia foi aprovada pelo governo [do último presidente da ditadura, João] Figueiredo. Uma lei feita para proteger os torturadores, que ficou parada por dez anos na gaveta do Supremo. Minha mãe luta contra essa lei desde 1971", disse Paiva.
O escritor ainda ressaltou que o torturador de seu pai continua vivo, morando em Botafogo e recebendo aposentadoria. "Dos seis acusados, três já morreram, dois ainda vivem", acrescentou.
Marcelo Paiva também se posicionou contra os movimentos de bolsonaristas que defendem anistia para os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 e para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "É urgente que se vote a Lei da Anistia e, mais que isso, que não haja anistia a golpistas. Sem anistia", afirmou.
Referindo-se à denúncia contra Bolsonaro e outros 33 acusados no caso da tentativa de golpe de 2022, Paiva destacou que "o mundo inteiro está torcendo por esse julgamento". A Primeira Turma do STF decidirá, nos dias 25 e 26 de março, se aceita ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
O escritor também fez um apelo ao público presente no evento, convocando uma mobilização popular em defesa de causas sociais, como o combate ao feminicídio, o direito à interrupção da gravidez, questões raciais e contra a anistia de golpistas. "Eu acho que o governo tem que ser mais valioso, mais participativo. Mas é preciso, é urgente: precisamos voltar às ruas", afirmou. Ele ainda citou o risco do retorno da extrema-direita ao poder nas eleições que se aproximam. "Cadê Simone Tebet? Geraldo Alckmin e o PSDB? Nós temos que reconstruir a frente ampla que derrotou Bolsonaro. Vamos voltar às ruas e à luta para que o fascismo não volte ao poder", concluiu.
Por sua vez, Cármen Lúcia não comentou as declarações de Marcelo Rubens Paiva. Durante o evento, ela fez uma breve fala, na qual mencionou que sua geração lutou pela anistia, "uma ampla, geral e irrestrita", como desejado na época. "Tem anistia precária, mas nós saímos às ruas naqueles dias, saímos, chorávamos e no dia seguinte continuávamos as brigas", declarou. A ministra também fez referência à sua trajetória acadêmica e política, destacando a importância da democracia como um processo contínuo de construção, mas não abordou o julgamento envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em sua fala, Cármen Lúcia ainda falou sobre a violência contra as mulheres e a exclusão de grupos marginalizados, ressaltando que esses problemas evidenciam que a democracia brasileira ainda não é plena.